A presença de um planeta com tamanho parecido ao da Terra no Sistema Solar e ainda não identificado é uma possibilidade que deve ser considerada e estudada pela comunidade científica. É o que afirma o astrofísico Patryk Sofia Lykawka, 47 anos, autor de um estudo que indica que pode haver outro componente na “família” do Sistema Solar, que tem oito planetas reconhecidos.
Nascido em Porto Alegre, o estudioso publicou, em agosto de 2023, o trabalho no The Astronomical Journal (leia aqui), uma das revistas sobre Astronomia mais importantes e antigas do mundo, organizada pela Universidade de Chicago Press em parceria com a American Astronomical Society, dos Estados Unidos.
O porto-alegrense é professor da Universidade de Kindai, em Osaka, no Japão, onde mora há duas décadas. Antes de se mudar para a Ásia, o estudioso se formou em Física e Matemática na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). No Japão, fez mestrado e doutorado em Ciências Planetárias.
Nos confins do Sistema Solar
Os planetas reconhecidos pela comunidade científica internacional são (na ordem de proximidade ao Sol): Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
A pesquisa de Patryk se concentrou no comportamento de objetos transnetunianos, ou seja, localizados além de Netuno, o planeta mais distante da estrela. Naquela região está localizado o Cinturão de Kuiper, formado por corpos celestes gélidos e rochosos que formam um gigantesco disco que circunda o Sol.
— Cada um desses objetos é uma cápsula do tempo que carrega informações “intactas” sobre a formação do Sistema Solar. Ao estudá-los, podemos entender melhor a origem da própria Terra e da vida, pois tudo está interligado — comenta o cientista.
O mais famoso dos corpos celestes do Cinturão de Kuiper é Plutão, que foi considerado planeta até o início do século 21, mas hoje é classificado como um planeta-anão (entenda a diferença nesta reportagem).
O Cinturão de Kuiper concentra-se a uma distância de 30 a 50 unidades astronômicas (UA), e seus confins alcançam até 1 mil UA: uma unidade astronômica representa a distância média entre o Sol e a Terra, ou seja, cerca de 150 milhões de quilômetros.
Como foi feita a pesquisa
Na Física, órbita se refere a trajetória curva que um objeto faz por conta da gravidade de outro corpo celeste. Por exemplo: a Terra orbita o Sol; a Lua orbita a Terra. A análise dessa trajetória é utilizada para descobertas na Astronomia: a existência de Netuno, o último planeta identificado no Sistema Solar, em 1846, foi indicada primeiro por cálculos independentes dos astrônomos John Couch Adams (Inglaterra) e Urbain Le Verrier (França).
Ambos notaram que a órbita de Urano, identificado em 1781, sofria perturbações que poderiam ser explicadas apenas se houvesse outro objeto “próximo”, o que foi confirmado por observações com um telescópio: era Netuno o responsável pela influência no deslocamento de Urano. Em situação similar aos cientistas que previram Netuno, o pesquisador gaúcho encontrou resultados inesperados na análise do deslocamento de corpos.
— Identifiquei três grupos de objetos do Cinturão de Kuiper com órbitas que não são explicadas com os atuais oito planetas do Sistema Solar — resume Patryk.
O estudo usa materiais de bancos de dados das órbitas dos objetos do cinturão captados por telescópios e que são abertos para o público em repositórios na internet. Com essas informações, o gaúcho utilizou simulações computacionais nas quais considerou a presença de um planeta (o nono, portanto), para avaliar o comportamento dos outros oito com a influência gravitacional do "novo" integrante.
— Testamos, durante meses, vários tipos de órbitas e massas para o planeta hipotético, com um período de tempo que simulava aproximadamente a idade do Sistema Solar (4,5 bilhões de anos). Para a minha surpresa, os resultados que incluíram o planeta hipotético produziram grupos de objetos com órbitas semelhantes às três que identifiquei. Assim, é possível que o Sistema Solar possua um planeta ainda não descoberto em uma órbita além de Netuno — diz.
Identifiquei três grupos de objetos do Cinturão de Kuiper com órbitas que não são explicadas com os atuais oito planetas do Sistema Solar.
PATRYK SOFIA LYKAWKA
Astrofísico
O planeta teria massa de 1,5 a três vezes a da Terra e estaria localizado a uma distância média entre 250 e 500 unidades astronômicas do Sol. Esse afastamento atrapalha a localização, porque quanto mais distante o corpo celeste, mais difícil é o trabalho de descobri-lo através de observação. Essa barreira cria outra dificuldade para a confirmação: no momento, o estudo de Patryk não indica a localização do objeto.
— Na melhor das hipóteses, ele seria 30 vezes menos brilhante do que Plutão, que é invisível a olho nu. Mas, é mais provável que ele seja muito mais escuro, que é a aparência típica de um objeto no cinturão. Isso é realmente um desafio grande para encontrá-lo, porque teriam de ser observadas várias regiões do céu durante meses para encontrar um objeto com brilho muito fraco. É difícil, mas é possível achá-lo.
Segundo o cientista, o Observatório Vera C. Rubin, no Chile, é o mais promissor para essa tarefa. O centro está em construção e a previsão mais recente indica que ele deva começar a funcionar no final de 2024. O observatório terá a maior “câmera digital do mundo” para fazer inventário do Sistema Solar.
Como seria o planeta?
A influência gravitacional pode dar pistas das características do planeta hipotético: em parte parecido à Terra em tamanho, porém um ambiente distinto na superfície por conta da distância para o Sol.
— Seria uma espécie de Terra composta por rochas e gelos com temperaturas abaixo de -200ºC na superfície, e um núcleo semelhante ao do nosso planeta, que seria o suficiente, por exemplo, para gerar oceanos abaixo da superfície, assim como achamos que existam em Europa (lua de Júpiter) — diz Patryk.
Se encontrado o novo planeta, a comunidade internacional discutiria se o objeto teria as características presentes nos outros oito. A última palavra para o assunto é da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês). Hoje, a entidade global diz que um corpo precisa ter três características para que seja definido como um planeta no Sistema Solar:
- Orbitar o Sol
- Ter massa suficiente para que a própria gravidade o torne esférico (ou quase esférico)
- Ter uma trajetória livre, ou seja, ele deve “limpar” a própria órbita e não ter outros objetos “no caminho”
Plutão, por exemplo, foi redefinido como planeta-anão pois não tem uma trajetória livre, apesar de ser praticamente esférico e orbitar o Sol. O planeta teorizado pelo gaúcho receberia possivelmente um nome ligado à mitologia, como é o caso dos outros planetas do Sistema Solar.
— Como cientista, tenho que ser cético (sobre a existência do planeta). O resultado indica que provavelmente exista, mas, no momento, não dá pra afirmar com certeza. O estudo requer mais investigações, pois sempre queremos saber o porquê, qual o mecanismo, como uma coisa aconteceu: essa é uma característica da ciência.
Especialistas comentam o estudo
Othon Winter, astrônomo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), define o trabalho do pesquisador gaúcho como “relevante, importante e de destaque”.
— Já existiram outros trabalhos que propuseram a existência de um planeta nove ou X. Mas esse trabalho é diferente: ele se baseia em dados que existem de corpos do Sistema Solar e consegue mostrar que provavelmente exista um planeta causando perturbação na órbita dos outros. É algo novo que pode trazer descobertas interessantes — pontua.
Winter argumenta que telescópios espaciais como Hubble e James Webb e outros presentes na Terra têm tecnologia para encontrar o planeta. A barreira maior é não existir uma indicação de onde apontar os dispositivos.
— É uma área muito grande do céu que teríamos de ficar “varrendo”, pedacinho por pedacinho, para encontrá-lo. Muito provavelmente não vai ser concedido tempo de observação com esses telescópios para fazer essa procura de algo tão difícil de localizar. Se, por exemplo, alguém encontrar (o planeta), os telescópios poderiam ser usados para confirmar a detecção — explica.
Para José Dias do Nascimento Júnior, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador do Center for Astrophysics da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a publicação do estudo na The Astronomical Journal, uma revista especializada e conceituada na área, indica tratar-se de um material relevante. Além disso, o estudioso elogia a metodologia escolhida por Patryk.
— É um trabalho que não faz somente cálculos, mas tenta, através das observações, saber como é, de fato, a existência desse objeto. Não é tão teórico, nem tão observacional, mas joga com as predições dos modelos e as observações. Esses dois pontos, para mim, o qualificam como um trabalho sério — acrescenta.
Somado à busca por um novo planeta, para o professor da UFRN, o trabalho do brasileiro pode contribuir para ampliar o conhecimento dos corpos nas áreas mais distantes do Sistema Solar.
— Os objetos transnetunianos não são tão conhecidos. A maioria dos estudos é recente e não há muita observação porque são corpos que passam uma vez e não voltam mais. É difícil detectá-los pela observação direta. É, portanto, um mérito desse artigo prever a existência de populações (de objetos além de Netuno).