Um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul integra um dos principais projetos para estudo do Universo nos próximos anos: o Legacy Survey of Space and Time (LSST) ou, em tradução livre, Levantamento do Legado do Espaço e Tempo. O trabalho consiste na utilização de um telescópio que abriga a maior câmera digital do mundo, que deve entrar em funcionamento ainda em 2023.
O equipamento será utilizado no Observatório Vera Rubin, no Cerro Pachón, no Chile, a 2,6 mil metros de altitude. Ele funcionará durante 10 anos e tem como objetivos principais o mapeamento da Via Láctea e a criação de um “inventário” do Sistema Solar: serão catalogadas 37 bilhões de estrelas e galáxias visíveis no Hemisfério Sul, segundo a equipe responsável pelo projeto.
O financiamento do Observatório Vera Rubin é da National Science Foundation (NSF) do Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos.
Brasileiros no projeto
O Brasil participa do LSST com cerca de cem pesquisadores de 26 instituições de Ensino Superior de 12 Estados. O RS terá cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
A entrada do país ocorreu por meio de uma chamada pública feita pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA). A organização é um instituto de ciência e tecnologia privado que atua para viabilizar a participação de pesquisadores e estudantes em colaborações internacionais.
Os brasileiros foram incluídos no trabalho devido a um projeto do laboratório aprovado pelo Observatório Vera Rubin. As atividades do LIneA são apoiadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do e-Universo (INCT).
O LIneA dará suporte ao LSST com a implantação de um centro responsável por hospedar dados oriundos do projeto. Isso será importante porque, a cada noite, serão acumulados 15 terabytes de materiais, que serão transmitidos para diferentes centros. No fim dos 10 anos de pesquisas, são estimados a geração de 500 petabytes de conteúdo.
— A missão do LIneA é aproximar a comunidade científica brasileira das grandes descobertas da pesquisa em astronomia moderna e a revolução em curso das ciências — diz Luiz Nicolaci da Costa, presidente do laboratório.
Pesquisadores gaúchos
Thaisa Storchi Bergmann, professora da UFRGS e vice-coordenadora do grupo brasileiro de pesquisadores do LSST, é uma das cientistas que utilizará o observatório instalado no Chile. Com apoio de outros cientistas, ela estudará assuntos relacionados à atividade de buracos negros.
— É como se fosse um levantamento do céu a cada quatro noites. O brilho das estrelas será comparado e vamos descobrir quais ficaram constantes e quais variaram. Os objetos não são estáticos e essa variabilidade nos dará uma grande gama de informações. Esse é um trabalho que já fizemos, mas com telescópios menores, menos eficientes — diz.
Segundo Thaisa, o conteúdo produzido pelo LSST irá para servidores, que poderão ser acessados pelos pesquisadores via internet, sem a necessidade de ir até o Chile.
— O LSST é um dos principais projetos dos próximos anos. Faremos muitas descobertas —resume a pesquisadora.
Câmera sem precedentes
A câmera do observatório tem funcionamento similar à de um telefone celular: ela captura a luz e converte em sinais elétricos, que, por fim, produzem uma imagem digital.
A lente do equipamento terá 8,4 metros de diâmetro, 189 sensores individuais, ou dispositivos de carga acoplada (CCDs), cada um com 16 megapixels, que é o mesmo número dos sensores de imagem da maioria das câmeras digitais modernas.
Ao todo, a resolução da câmera tem 3,2 gigapixels ou 3,2 bilhões de pixels. Ela está na fase final de construção no Estados Unidos e será levada para o observatório em solo chileno no meio do ano. O projeto entrou para o Guinness Book (Livro dos Recordes) por três feitos: de câmera digital com a maior resolução, maior lente óptica e maior câmera do mundo.
Segundo os construtores do equipamento, essa tecnologia permite que os sensores de imagem sejam capazes de detectar objetos cem milhões de vezes mais escuros do que aqueles visíveis a olho nu. A câmera produzirá imagens tão grandes que seriam necessárias 1,5 mil telas de TV de alta definição para visualizar cada um dos materiais.
— Ele vai nos fornecer as imagens mais profundas já obtidas por um telescópio em um grande campo. O fato de observar o céu durante 10 anos de maneira homogênea vai fazer com que uma infinidade de objetos astronômicos, inclusive os que variam temporalmente, possam ser estudados em detalhes nunca antes vistos — comenta Ana Chies Santos, professora do Instituto de Física da UFRGS, que utilizará o observatório instalado no Chile para estudar a galáxias de diferentes tipos.
O espelho primário utilizado no telescópio instalado no Chile é maior, inclusive, do que o do Telescópio Espacial James Webb (JWST). O equipamento do Webb tem 6,5 metros de diâmetro, contra 8,4 metros do LSST. No entanto, conforme a pesquisadora, além de um estar no espaço e o outro na Terra, eles estudam sinais luminosos distintos.
— A principal diferença é o regime de comprimentos de onda. Enquanto o James Webb faz a maior parte das observações no infravermelho, o LSST observa no óptico (luz visível ao olho humano) — diz.
Energia escura e a matéria escura
O projeto também se dedicará a aprofundar o conhecimento de duas das grandes questões da ciência atual: a energia escura e a matéria escura. A primeira seria a responsável pelo movimento de expansão acelerada do Universo.
Já a segunda é um componente básico para que, com as atuais teorias físicas, seja possível explicar a formação de estruturas de grande escala do Universo. No entanto, ambas ainda são cercadas de incertezas, diz Charles Bonatto, professor do Departamento de Astronomia da UFRGS, que também integra o LSST.
— O problema é que não sabemos do que matéria e energia escura são compostas. Há algumas ideias, mas necessitamos de novos dados para estudar esses problemas mais a fundo. No entanto, o "poder explicativo" dessas teorias depende essencialmente de dados, observações. Esse é um dos principais papéis que os dados do LSST vão desempenhar — explica.
Inventário do céu
Um dos pilares do projeto é investigar o Sistema Solar. Devido à capacidade do equipamento, será possível reunir imagens de estruturas do Universo que estão distantes e, por isso, são de detecção complexa, afirma Basílio Santiago, professor do Instituto de Física da UFRGS e integrante do LSST.
— A vantagem dele é a profundidade fotométrica, ou seja, a capacidade de detectar fontes (luminosas) mais fracas do que as imagens feitas anteriormente. Isso significa detectar galáxias cada vez mais distantes: quanto mais tênues, mais distantes elas estão. É uma maneira de estudarmos a evolução do Universo — explica.
Assim, segundo o pesquisador, o mapeamento dará informações novas sobre pontos do Sistema Solar que ainda são pouco conhecidos devido à distância para a Terra, como a Nuvem de Oort, localizada além da órbita de Netuno (planeta mais distante do Sol) e mesmo o chamado halo da Via Láctea, uma estrutura que circunda a galáxia. Essas informações serão como um inventário dos corpos celestes.
— Muita gente pode achar que foi descoberto tudo no Sistema Solar, mas não é verdade. Há muito por identificar. Precisamos de imagens profundas, que registrem o sinal de objetos bilhões de vezes mais tênues que o olho humano consegue ver — comenta.