Planetas do Sistema Solar, buracos negros, berçários de estrelas, galáxias formadas no início do Universo. A lista das áreas de estudo beneficiadas no primeiro ano de operação do telescópio espacial James Webb (JWST na sigla em inglês) é extensa e definida como um marco na Astronomia, dizem estudiosos entrevistados por GZH.
O “aniversário” da divulgação das primeiras imagens científicas do equipamento foi comemorado nesta quarta-feira (12) pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. O dia teve a publicação de outro material do observatório astronômico.
Nos dias 11 e 12 de julho de 2022, o mundo científico conheceu os primeiros materiais do telescópio lançado ao espaço em dezembro de 2021. No dia 11, o presidente norte-americano, Joe Biden, antecipou a primeira imagem colorida feita pelo observatório, o SMACS 0723, um aglomerado de galáxias.
No dia seguinte, mais quatro imagens, que deram o indicativo da capacidade do telescópio mais poderoso já construído: Carina Nebulosa, o exoplaneta WASP-96B, Nebulosa de Anel do Sul e Quinteo de Stephan integravam as observações.
— Virou um bordão na academia: falamos "James Webb" quando precisamos de um equipamento para entender uma coisa que é muito difícil, que precisa de muita resolução, nitidez, precisão da nossa detecção ou para observarmos muito longe. Ele está em um patamar acima dos outros instrumentos — diz Catarina Aydar, doutoranda no Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, na Alemanha.
No doutorado na Europa, Catarina integra uma pesquisa que utiliza dados do observatório espacial para estudar buracos negros. A brasileira cita a identificação de um desses objetos na galáxia CEERS 1019, localizado a 13,2 bilhões de anos-luz de distância da Terra, como um dos principais feitos do equipamento no período.
No último dia 6, a Nasa informou que o buraco negro é o menos massivo já identificado, com cerca de 9 milhões de massas solares. É normal que esses gigantes tenham mais de 1 bilhão de vezes a massa do Sol, conforme a agência espacial norte-americana.
A pesquisadora ressalta que, além das imagens divulgadas na mídia, os pesquisadores se beneficiam da espectroscopia propiciada pelo telescópio. Essa técnica se baseia na utilização da luz captada para estudar a composição, a estrutura e as propriedades da matéria.
— É esse tratamento da luz que mostra que esse é o buraco negro mais antigo que conhecemos. Ele existia quando o Universo tinha "apenas" 570 milhões de anos. Conseguimos detectar a matéria que está prestes a cair no buraco negro e, assim, estudar como ele funciona, como captura matéria, qual a velocidade dele — explica Catarina.
Outro material citado no primeiro ano de produção científica tem a ver com a busca por vida fora da Terra. No último dia 26, a agência norte-americana informou a detecção de moléculas de carbono. O componente, chamado de cátion metila (CH3+), foi encontrado em um disco protoplanetário (formado por gás e poeira ao redor de uma estrela) do sistema estelar d203-506, localizado na Nebulosa de Orion, a 1.350 anos-luz da Terra.
— Essa foi a primeira vez que detectaram, fora da Terra, uma molécula que tem carbono. É um dos indícios de algo que poderia possibilitar a vida, que, como conhecemos, tem o carbono como uma das bases. É uma descoberta para estudar se existem outros planetas habitáveis, se há chance de detectar vida fora da Terra — pontua a pesquisadora.
Expectativa confirmada
A astrônoma Marina Bianchin trabalha na análise de dados da galáxia NGC7469, que foi observada com o James Webb. A estudiosa busca compreender como o gás se movimenta na região central da galáxia e como ele atingiu a temperatura e estado físico no qual é observado hoje. Marina, que venceu um prêmio internacional de Astronomia neste ano, tem um material “preferido” divulgado no primeiro ano de operações do equipamento: o Quinteto de Stephan.
— Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o poder do JWST de separar objetos próximos. Astrônomos chamam isso de resolução espacial e é o que dá a sensação de que as imagens são mais nítidas do que o (telescópio) Hubble. Os dados com os quais trabalho também me impressionaram bastante: há várias camadas de processamento com informação que é até difícil de escolher no que focar a pesquisa — conta a Mariana, que faz pós-doutorado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
A astrônoma ressalta que o James Webb foi capaz de identificar objetos que se formaram no início do Universo. A galáxia de Maisie, por exemplo, é uma das mais antigas observadas e foi formada 390 milhões anos após o Big Bang. Ela foi uma das 5 mil registradas em um vídeo divulgado pela Nasa; a maioria desses sistemas nunca haviam sido vistos por um equipamento astronômico antes.
— O JWST revelou a luz do que, até agora, entendemos como as das primeiras galáxias formadas no Universo. Essa era uma expectativa desde a concepção do projeto e se tornou realidade — diz Marina.
Pesquisa gaúcha
Rogemar Riffel, do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), destaca que o fato de o Webb observar no infravermelho (um tipo de luz invisível ao olho humano) agregou uma nova ferramenta capaz de dar detalhes sobre o Universo impossíveis com outros equipamentos. Isso, em pouco tempo, foi capaz de contribuir para “colocar peças no quebra-cabeças do Universo” montado por cientistas, relaciona Riffel:
— O James Webb ajudou a entender como as galáxias se formam. Já mostrou que buracos negros supermassivos no centro dessas galáxias se formam muito cedo, o que até então não se tinha certeza. Mostrou que esses buracos negros parecem afetar a evolução das galáxias, até mesmo na formação dos aglomerados de galáxias e na formação estelar. Não pode se dizer que são problemas resolvidos, mas ele nos ajudou a dar novas pistas de como resolvê-los.
Segundo o Space Telescope Science Institute (STScI), que administra o projeto, 750 estudos foram feitos com dados e imagens coletados pelo James Webb. Um deles integra pesquisadores da UFSM e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que tiveram um projeto selecionado para utilizar o equipamento neste ano. Nas últimas semanas, os estudiosos do RS tiveram 16 horas de observação com o Webb.
Os gaúchos têm como foco três galáxias diferentes (NGC3884, CGCG012-070 e UGC08782), cujos buracos negros centrais são ativos, ou seja, capturam matéria.
— Estamos no processo para analisar os dados. Vimos que há a "assinatura" desse vento de gás molecular que estávamos procurando (com a observação do telescópio), mas falta ainda determinar as propriedades físicas dele. Provavelmente, em um ou dois meses termos resultados para divulgar — conta.