O pedaço de matéria mais fascinante do universo e a selva impenetrável onde muitos pesquisadores se perderam. Essas são definições do cérebro humano feitas por um dos neurocientistas mais influentes do mundo, o espanhol Rafael Yuste, que na noite desta quarta-feira (5) subiu ao palco do Teatro Unisinos, em Porto Alegre, como terceiro conferencista do Fronteiras do Pensamento.
Yuste é um dos criadores do projeto BRAIN (cérebro, em inglês), financiado em 2013 pelo governo de Barack Obama com investimento de US$ 1,6 bilhão. A iniciativa é destinada a pesquisas para entender o cérebro humano e seus circuitos neurais com a finalidade de encontrar a solução para transtornos mentais, como depressão, ansiedade, esquizofrenia, Alzheimer e Parkinson.
Segundo Yuste, há um problema de método na neurobiologia, que se destina a estudar neurônio por neurônio e como se relacionam com o comportamento do ser humano. Mas é a mesma coisa que analisar o pixel de uma tela a fim de entender a imagem inteira que está aparecendo na televisão.
Acredito que a neurotecnologia pode nos ajudar a curar doenças. Mas, como todas as tecnologias na história da humanidade, seu uso pode ser para o bem e para o mal
RAFAEL YUSTE
neurocientista
— Temos que desenvolver uma nova tecnologia para entender a atividade completa de todos os neurônios do cérebro. É possível que o cérebro funcione como a tela de uma televisão. Temos que desenvolver a neurotecnologia para mapear as atividades dos neurônios e para mudar as atividades deles. Caso contrário, não poderemos ajudar os pacientes com transtornos mentais. Um paciente com esquizofrenia não será ajudado sem que entremos no seu cérebro e o reprogramemos para curá-lo da enfermidade — disse.
Ele também é um dos defensores de um conceito inovador na área da ciência e dos direitos humanos: os chamados neurodireitos, que servem para preservar a autonomia e a integridade dos seres humanos frente à evolução da tecnologia.
De acordo com Yuste, ao mesmo tempo em que é importante desenvolver a neurotecnologia para entrar no cérebro e tratar um transtorno mental, trata-se de um tipo de ciência que, por conseguir alterar a atividade cerebral, pode ser usada de forma indevida.
— Como médico, acredito que a neurotecnologia pode nos ajudar a curar doenças. Mas, como todas as tecnologias na história da humanidade, seu uso pode ser para o bem e para o mal. Como o fogo, os aviões, como a energia nuclear — comparou.
Direitos
Em 2017, Yuste e outros cientistas, pesquisadores, advogados e filósofos criaram um grupo chamado Morningside, voltado a examinar os problemas éticos decorrentes da neurotecnologia. Eles chegaram à conclusão de que se trata de uma questão de direitos humanos.
— Os direitos humanos que existem protegem os corpos e as atividades das pessoas, mas não a mente das pessoas — observou.
A partir disso, eles propuseram cinco neurodireitos para proteger o cérebro e a mente dos indivíduos. O primeiro é o direito à privacidade mental, para que o conteúdo da atividade cerebral não seja decifrado sem o consentimento da pessoa. O segundo é o direito à integridade mental, para que a personalidade das pessoas não seja alterada.
— Nunca pensamos que deveríamos proteger a personalidade de uma pessoa, mas se podemos entrar no cérebro e mudá-lo, também podemos mudar a personalidade das pessoas. Já aconteceu com pacientes com Parkinson que, cada vez que usaram marcapasso, se converteram em outras pessoas — relatou.
O terceiro é o direito à liberdade de decisão, para que cada pessoa tenha total autonomia sobre o que deseja fazer, sem que nenhuma tecnologia faça algum tipo de manipulação. O quarto é o acesso à melhoria mental, já que a neurotecnologia pode conectar o cérebro a dispositivos externos que podem ajudar a aumentar a memória e a tomada de decisões:
— É inevitável. Com neurotecnologia, podemos conectar nosso cérebro a dispositivos externos, a algoritmos externos potentes, que podem nos ajudar a decidir onde investir dinheiro, por exemplo. Mas o aumento cognitivo precisa ser ligado ao conceito universal de justiça, para que esse tipo de direito não seja acessado somente por pessoas com poder aquisitivo. É um problema complicado.
O último é o direito à proteção à informação que pode ser inserida no cérebro, para que nenhum conteúdo seja introduzido na mente de alguém como se fosse uma ideia própria. Yuste diz que os países devem começar a se preocupar com os dilemas decorrentes do desenvolvimento da neurotecnologia.
— Precisamos atuar de forma local e global. O Chile aprovou uma emenda constitucional que protege a atividade cerebral como um direito fundamental dos cidadãos. O Chile é o único país do mundo com proteção constitucional. Queremos trabalhar esses neurodireitos também aqui no Brasil — disse.