Intitulado um dos cinco cientistas mais influentes do mundo pela revista Nature e diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade de Columbia, em Nova York, o neurocientista espanhol Rafael Yuste, 60 anos, defende que autoridades criem leis para preservar a privacidade do pensamento, dado o avanço da tecnologia. É o que ele chama de “neurodireitos”, uma nova vertente dos direitos humanos. O Rio Grande do Sul, na sua opinião, poderia ser líder nacional na discussão.
A equipe de Yuste, que esteve em Porto Alegre para palestrar no Fronteiras do Pensamento, já teve sucesso em implementar pensamentos em ratos, que passaram a ver figuras geométricas como se existissem de fato. Os resultados abrem a porta para, no futuro, cérebros humanos serem manipulados a ponto de termos ideias, sentimentos e decisões modificados.
Reconhecido mundialmente na área de neurologia, o cientista é otimista quanto aos desdobramentos e diz que a tecnologia é neutra – ao mesmo tempo, defende que todos os países tenham leis para proteger a identidade e a autonomia individual.
— O que pode ser feito hoje em um rato poderá ser feito amanhã em um ser humano. Meus colegas têm conseguido decodificar e implantar memórias e emoções em ratos. Tudo isso poderá ser feito em seres humanos. Isso tem o risco de decifrar, além das palavras que você quer escrever, também as palavras que você não quer escrever, como os pensamentos que você tem em mente. A neurotecnologia tanto poderá ser usada para curar a esquizofrenia e escrever à máquina com o pensamento, quanto para ler pensamentos de um prisioneiro ou de uma pessoa a fim de vender produtos ou votos — afirmou Yuste a GZH na quarta-feira (5), antes de sua palestra no Fronteiras do Pensamento.
O Chile é o primeiro país do mundo a incorporar leis que protegem a privacidade de pensamentos. Uma emenda constitucional aprovada pelo Senado e pela Câmara e assinada pelo presidente Sebastián Piñera em 2021 traz proteção constitucional à atividade cerebral e à informação procedente dela. Novos produtos em neurotecnologia também devem ser aprovados pela agência nacional de saúde pública chilena.
Antes do encontro com GZH, o espanhol se reuniu com o vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza, para alertar sobre a necessidade de modificar as leis estaduais e para motivar o Estado a capitanear uma mudança na legislação brasileira.
— Falamos do envolvimento possível do Rio Grande do Sul em apoiar essa ideia, seja em lei para o Estado ou em liderar uma iniciativa que englobe todos os governadores para combinador com o que ocorre no Senado. Para que o Rio Grande do Sul seja uma espécie de modelo de como solucionar esse problema com a legislação local — disse o cientista.
Nesta quinta-feira (6), o vice-governador afirmou que ficou sensibilizado à ideia e que entende ser possível o Rio Grande do Sul capitanear uma discussão nacional sobre neurodireitos, uma vez que o Estado é o mais inovador do país, conforme ranking do Centro de Liderança Pública (CLP).
— É extremamente apropriado o Rio Grande do Sul liderar esse debate, é o Estado mais inovador do país. Somos um estado que trabalha muito com tecnologia e, se a tecnologia dispor de ferramentas assim, por que não liderar debates de ações preventivas para proteção aos dados neurais? A partir da conversa de ontem (com o neurocientista), pretendo colaborar neste sentido — diz o vice-governador.
Todavia, Souza diz que uma mudança na constituição gaúcha deverá ser de iniciativa de deputados estaduais, e não do Executivo gaúcho.
— O governador (Eduardo Leite) entende muito bem as mudanças tecnologias, não é impossível que o governador paute. Mas, quando falamos de direitos constitucionais, costuma ser de proposição parlamentar. Entendo mais adequado o Parlamento trabalhar esse assunto para, a partir daí, avançarmos para positivar esse direito (de privacidade de pensamentos) na Constituição. Aí, podemos convencer demais Assembleias do país a replicarem, o que poderia sensibilizar o Congresso Nacional — diz o vice-governador.
No Senado, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para incluir, entre os direitos e garantias fundamentais de todo cidadão, a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica. O texto aguarda relatoria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Na América Latina, o Chile é o único país que avançou na análise do tema, expressando preocupação com a necessidade de advento de marco regulatório capaz de reconhecer novos direitos humanos à vista do desenvolvimento tecnológico atualmente experimentado”, diz o texto do parlamentar.