Uma denúncia do programa Fantástico, da TV Globo, que apontou o uso da plataforma Discord - popular em jogos e podcasts - para a prática de crimes contra adolescentes, reacendeu a preocupação de muitos pais e responsáveis com o uso de ferramentas digitais por crianças e adolescentes. Segundo investigações das polícias Federal e Civil, a plataforma vem sendo usada para praticar crimes contra adolescentes, como abusos, agressões e mutilações.
Um dos desafios neste contexto é a falta de conhecimento de parte das famílias sobre essas plataformas, algo que prejudica o controle sobre o uso por jovens. Esse cenário se torna um empecilho para a prevenção de casos de violência no ambiente virtual, aponta o professor e psicólogo Christian Kristensen, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS.
— Um dos fatores de risco são pais com baixo letramento ou conhecimento digital. Assim, a principal estratégia de prevenção é os pais terem o conhecimento sobre essas ferramentas e o controle sobre o conteúdo e as plataformas que os jovens interagem e consomem— afirma.
O professor salienta que os pais precisam conversar de forma franca com os filhos e explicar os riscos do contato online. As recomendações feitas pelas famílias para as interações pessoais com estranhos devem ser as mesmas para o ambiente online, alerta Kristensen.
A professora Jane Felipe de Souza, da Faculdade de Educação da UFRGS, afirma que a informação é fundamental para uma criação consciente, tanto sobre os aspectos cognitivos, emocionais e físicos como também sobre as demais questões que envolvem o desenvolvimento de crianças e jovens.
— Quem quer ser pai e mãe hoje em dia precisa se informar bastante sobre todas as questões que envolvem crianças e adolescentes, não só o desenvolvimento infantil mas também entender que culturalmente os filhos estão à mercê de determinados perigos que se instalam através das redes sociais— aponta a professora.
Ambiente de diálogo
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) todos os envolvidos na criação de uma criança têm a responsabilidade compartilhada de protegê-la de quaisquer tipos de violências, abuso, exploração e negligência. Um ambiente acolhedor e de diálogo são essenciais para que os filhos se sintam acolhidos e possam contar sobre suas angústias, salienta a docente da UFRGS.
A especialista em Educação Infantil ressalta que alguns pais estão muito envolvidos com suas próprias redes sociais e não prestam atenção em seus filhos. Com isso, não privilegiam momentos de diálogo longe dos celulares.
—As famílias precisam ter uma escuta atenta, proporcionar momentos em que as pessoas esqueçam as telas e simplesmente conversem e estabeleçam uma relação de confiança, tão necessária entre pais e filhos— argumenta.
Um dos fatores de risco são pais com baixo letramento digital. A principal estratégia de prevenção é os pais terem o conhecimento sobre essas ferramentas
CHRISTIAN KRISTENSEN
Psicólogo e professor da PUCRS
O professor Paulo Ricardo Barros, de Gestão da Tecnologia da Informação da Universidade Feevale, reforça sobre a importância do diálogo entre pais e filhos. O primeiro passo é a família conversar com os jovens, pois esta opção não gera o desconforto nos adolescente de estar sendo vigiado e estabelece uma relação de confiança.
—O melhor caminho é sempre a conversa e a família se mostrar como um alicerce para os jovens. Através do diálogo é possível estabelecer uma relação de confiança e assim os filhos não se sentem monitorados— avalia.
Controle Parental
No entanto, esse espaço de conversa nem sempre ocorre, o que torna ferramentas de controle parental necessárias para garantir a segurança no ambiente virtual, explica o professor Barros. Porém, a questão é complexa já que cada ferramenta de segurança da informação possui características específicas.
—O Discord, por exemplo, não tem controle parental. Existem outros controles de segurança que podem ser configurados para limitar a rede de relacionamento dos filhos. Em outras redes sociais, temos algumas opções de controle parental que podem ser instalados em celulares Android e iOS onde os filhos podem ser adicionados—ensina.
Com isso, os pais conseguem manter o controle e a segurança sobre o que está acontecendo, com quem os filhos estão conversando, que informações estão sendo trocadas.
— Esse é um bom caminho para proteger nossas crianças dos criminosos — avalia o professor da Feevale.
Um relatório publicado pelo Unicef chamado Acabar com a exploração e o abuso sexual infantil online - Lições aprendidas e práticas promissoras em países de baixa e média renda revela que uma a cada cinco meninas estão expostas a violência sexual online global. Entre os meninos, a proporção é de um a cada 13.
O docente da PUCRS salienta que ações de controle e prevenção não devem recair somente sobre os pais, as escolas também devem participar dessa rede de proteção.
— Programas escolares que abordem o assunto e campanhas são boas formas de prevenção. Não nos faltam leis, o que falta é um maior esclarecimento. Escola, governo, canais de denúncia, profissionais da saúde, todos são responsáveis— reforça.
Como perceber vítimas de abuso
Em alguns casos, muitos pais não percebem que os filhos estão passando por algum problema ou insegurança. No entanto, crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ou de violência podem apresentar alguns traços que servem de alerta para os pais, aponta o psicólogo Christian Kristensen.
— Existem vários prejuízos causados pelos abusos sexuais online, alguns são indicadores de curto prazo: alterações do rendimento escolar, no comportamento (retração, isolamento), alteração do conhecimento sexual inapropriado à idade, ansiedade. A longo prazo: consequências na saúde física, sintomas de dor, transtorno alimentar e ansiedade generalizada— avalia.
É importante que os pais estabeleçam um canal aberto de confiança e de acolhida do sofrimento desses jovens. Mas o que tem se observado é o adoecimento emocional de crianças e adolescentes, como destaca Jane Souza. A docente enfatiza que as famílias precisam ficar atentas aos sinais emocionais e olhar com atenção para os filhos e filhas.
Educação Sexual
A docente da UFRGS, que estuda corpo, gênero, sexualidade e infância, afirma que casos como o ocorrido no Discord apontam para uma falha na educação sexual de crianças e adolescentes.
—É Interessante pensar que este fenômeno que aconteceu a partir desta plataforma, o quanto esse problema acaba mostrando uma educação sexual completamente falha por parte das famílias e da escola— observa.
Para explicar essa questão, a professora analisa que as meninas têm os corpos erotizados desde muito cedo.
—Quando nos deparamos com agressores que tem em seu computador diversos arquivos onde o título se chama “backup vagabundas estupráveis”, podemos pensar que esses jovens são ensinados, do ponto de vista da educação sexual, a partir da pornografia. Trabalhos de pesquisa apontam isso, o quanto dentro de uma sociedade ainda muito machista, os adolescentes se arvoram neste direito de estipular violência em relação às meninas especialmente — explica Souza.