O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) indicou nesta terça-feira (16) o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), localizado em Santana do Cariri, no Ceará, para receber o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus. Essa peça histórica pertencia ao Brasil, mas em 1995 foi levada para a Alemanha. Em 2021, após uma uma investigação sobre o caso, o Ministério Público Federal brasileiro (MPF) considerou que houve contrabando do artefato e desde então tem trabalhado para que haja o repatriamento do objeto ao seu país de origem.
Em uma reunião sobre o tema realizada nesta terça-feira, o secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, Inácio Arruda, justificou que a escolha do MPPCN se deve ao fato de o fóssil pertencer originalmente à região do Geoparque de Araripe, onde fica a instituição.
— O Museu do Cariri tem um esforço de cooperação grande — declarou Arruda à imprensa, acrescentando que com isso, a região também se tornará visível ao mundo e não apenas localmente.
Ainda não há previsão de quando o artefato chegará ao Brasil. Christian Stertz, ministro-conselheiro para Assuntos Científicos e Intercâmbio Acadêmico da Embaixada da Alemanha, sugeriu ao governo brasileiro a formalização rápida e imediata do pedido de repatriação no âmbito da cooperação Brasil-Alemanha em Ciência e Tecnologia para que o processo possa ser concluído em breve.
Allysson Pontes, diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, explicou que a instituição está em contato com o MCTI e aguarda as orientações para o recebimento do artefato.
— Por essa peça ser delicada, é preciso ter muito cuidado no seu transporte. No caso do Ubirajara, o fóssil é uma rocha, e a principal preocupação que se deve ter é com a trepidação, que pode ocorrer com o movimento do avião — esclareceu Pontes.
Entenda o caso
O fóssil, que atualmente está exposto no Museu Estadual de História Natural Karlsruhe, na Alemanha, começou a ganhar destaque em 2020, ano em que brasileiros publicaram um artigo científico, na revista especializada Cretaceous Research, que apresentava a espécie de dinossauro encontrada. No estudo, os cientistas alegavam que os vestígios do animal não foram exportados legalmente e iniciaram uma campanha nas redes sociais pedindo a devolução do artefato ao Brasil.
Esse primeiro estudo estimulou também a realização de debates e outras pesquisas sobre o assunto. O tema chegou até a estampar revistas internacionais, como a National Geographic e a Science.
Um ano depois, uma campanha virtual chamada de Ubirajara Belongs to Brazil (Ubirajara pertence ao Brasil, em português) começou a ganhar repercussão e reacendeu as discussões em torno do tema.
Diante da repercussão, o museu alemão onde o fóssil está localizado chegou a fazer uma publicação alegando que o artefato era do governo alemão e que os vestígios do animal haviam sido adquiridos antes de as decisões adotadas na Convenção da Unesco, de 1970, entrarem em vigor. Durante esse evento, foram estipuladas medidas de regulação da transferência de propriedades de bens culturais adquiridos, que viriam a ser adotadas pelos países nos anos subsequentes.
Ainda em 2021, o Ministério Público Federal brasileiro se envolveu no assunto e começou a apurar o caso. Na versão apresentada pelas autoridades alemãs, o fóssil teria sido encontrado em uma pedreira na região da Bacia do Araripe, entre os municípios de Nova Olinda e Santana do Cariri, no Ceará, e transferido em 1995 para a Alemanha para fins de estudo e publicação de um artigo científico sobre o achado.
Ainda conforme as autoridades alemãs, a transferência do artefato teria sido autorizada pelo extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM). No entanto, segundo o MPF brasileiro, no documento a autorização não está clara devido ao uso de uma linguagem genérica. Além disso, foram encontradas contradições entre as versões apresentadas pelos representantes do museu alemão e pelos servidores envolvidos no caso.
Com base nas leis brasileiras, as autoridades iniciaram um processo exigindo o repatriamento do achado. O pedido foi feito com base no Decreto-lei Nº 4.146, de 4 de março de 1942, que determina que os fósseis brasileiros são considerados como patrimônio nacional do país. Com isso, não podem ser comercializados e é necessária uma autorização para retirá-los de seu local de origem.
O MPF brasileiro também utilizou como base legal a portaria nº 55, do Ministério da Ciência, de 1990, que proíbe a saída de holótipos — exemplares considerados como referências na descrição das espécies, como é o caso do Ubirajara jubatus — do país.
Em 19 de julho de 2022, autoridades do gabinete do Ministério de Ciência, Pesquisa e Artes alemão decidiram que o Museu de História Natural de Karlsruhe devolveria ao Brasil o fóssil. Desde então, têm sido realizadas reuniões entre os governos dos dois países e instituições envolvidas para o acerto dos detalhes sobre o processo de devolução.
Contrabando de artefatos históricos
A transferência de artefatos históricos do Brasil para outras nações não é recente. No nosso país, há muitos relatos de ações deste tipo, principalmente na década de 1990. Além do Ubirajara jubatus, outro caso conhecido de fóssil de dinossauro que não está mais em solo brasileiro é o do Irritator Challengeri, que também viveu na região da Chapada do Araripe, entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, há 110 milhões de anos.
Os vestígios do Irritator estão, atualmente, no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, na Alemanha. O caso voltou a ganhar repercussão em maio deste ano, após pesquisadores alemães e franceses terem publicado um artigo que falava sobre novas características do animal descobertas a partir do fóssil. No entanto, devido às críticas da comunidade científica internacional, o estudo foi retirado do ar nesta semana.
Para Allysson, é preciso que a comunidade científica e instituições como os museus continuem se mobilizando na luta contra o contrabando de artefatos históricos.
— O roubo de fósseis e, não só deles, mas de outros artefatos históricos do Brasil, prejudica a nossa Ciência. Pesquisadores de outros países publicam estudos com base nesses materiais, mas nós (cientistas brasileiros) teríamos capacidade para fazer isso se eles estivessem em solo brasileiro — enfatizou Pontes.
O museu indicado
O Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN) pertence à Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará. A instituição foi criada em 1985 pelo prefeito que leva o nome da instituição. Ele foi também reitor da Urca.
A inauguração do museu ocorreu somente três anos depois, em 26 de julho de 1988. Desde então, a instituição tem como objetivo salvaguardar o patrimônio fossilífero da Bacia do Araripe.
— Desde a época do seu fundador, que dá nome ao museu, a instituição participa de ações e debates para tentar conter e diminuir o tráfico de fósseis na região da Bacia do Araripe — acrescentou Allysson, atual diretor do MPPCN.
A partir de 1997, por meio do projeto de implantação do Complexo Paleontológico da Chapada do Araripe, o museu se tornou referência para a pesquisa paleontológica, divulgação da ciência e apoio à cultura do Cariri.
— O museu oferece cursos, encontros, treinamentos, palestras e também serve de apoio a pesquisadores tanto da região quanto de outras localidades do Brasil. Nós também temos um acervo bibliográfico rico e mantemos projetos permanentes de escavações de fósseis em toda Bacia do Araripe — exemplificou Pontes.
A instituição conta com quatro espaços para exposições, sendo que a parte superior abriga os fósseis. Estes, por sua vez, são divididos por espécies vegetais e animais. Ao todo, são cerca de 300 peças que representam a diversidade e riqueza fossílfera da Chapada do Araripe.
Segundo Allysson, essa não é a primeira vez que o museu recebe artefatos repatriados. No acervo da instituição, há muitas peças brasileiras que foram recuperadas, como o fóssil da aranha Cretapalpus vittari, que estava na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, e voltou ao Brasil em 2021.
— O Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens está sempre aberto ao recebimento de peças repatriadas. O fóssil do Ubirajara jubatus será bem recebido e preservado em nossa instituição. Ao voltar para seu local de origem, poderá ser acessado por pesquisadores brasileiros e de outros países — afirmou o diretor da instituição.
O Ubirajara jubatus
O dinossauro Ubirajara jubatus, que viveu há 110 milhões de anos na Bacia do Araripe, no interior do Ceará, é o primeiro dinossauro de Gondwana — antigo supercontinente que englobava o atual território brasileiro — cujo fóssil é encontrado com a pele preservada. O animal media cerca de 0,5 metro de altura e tinha 1,40 metro de comprimento.
O réptil, pertencente à família Compsognathidae, era bípede e carnívoro. Entre os seus diferenciais com relação às outras espécies, estão a cauda longa com penas e estruturas rígidas nos ombros. Segundo os pesquisadores, essas características eram utilizadas tanto para atrair parceiros quanto para intimidar os inimigos.
Produção: Filipe Pimentel