Embora tenha facilitado a vida de muitas pessoas que enfrentavam dificuldades de acesso à internet com qualidade, a Starlink, projeto de uma das empresas de Elon Musk que oferece conexão de internet através de satélites que trocam dados entre si, também tem possíveis impactos a serem observados. Cientistas analisam a possibilidade de que satélites atrapalham observações astronômicas. Ainda há uma preocupação com o lixo espacial na atmosfera.
A Starlink representa hoje metade de todos os satélites ativos, segundo monitoramento do site space.com. A meta da SpaceX é ter 12 mil desses equipamentos até 2027; hoje, são cerca de 3,5 mil.
A empresa de Elon Musk não está sozinha no mercado de internet de órbita baixa: a Amazon trabalha para lançar a rede Kuiper, com 3,2 mil satélites ainda nesta década, e a China planeja enviar 13 mil desses dispositivos nos próximos anos. A autorização para lançamento de satélites é feita pela União Internacional de Telecomunicações (UIT).
Embora o serviço tenha permitido que pessoas e empresas melhorem a conexão em áreas afastadas, a constelação da Starlink já prejudica o trabalho de quem precisa observar o espaço.
— É uma baita complicação para a astronomia. Aparecem muitos desses satélites quando observamos objetos fracos apontando o telescópio por muito tempo para o mesmo lugar. Eles representam um sinal adicional para remover no processamento dos dados. Então, quanto mais satélites houver, mais difícil e cara se torna a astronomia a partir da superfície da Terra — afirma Rogemar Riffel, astrônomo e professor da UFSM.
O projeto de observação astronômica Zwicky Transient Facility (STF), na Califórnia, Estados Unidos, dá base à preocupação dos cientistas. Foram analisadas observações coletadas entre novembro de 2019 e setembro de 2021, nas quais foram encontrados 5,3 mil sinais de satélite atribuídos aos equipamentos da Starlink.
“Descobrimos que o número de imagens afetadas está aumentando com o tempo, à medida que a SpaceX implanta mais satélites. As observações do crepúsculo são particularmente afetadas – uma fração de imagens tiradas durante o crepúsculo aumentou de menos de 0,5% no final de 2019 para 18% em agosto de 2021”, diz o estudo.
— Já há milhares de imagens com riscos brancos por cima (característica desses satélites). Isso aparece principalmente no começo da noite, quando a luz do Sol ainda reflete nos satélites. Como esse é também o melhor horário para observar asteroides e cometas, essas observações estão sendo afetadas — comenta Thaisa Storchi Bergmann, astrônoma e professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Por isso, para que a imagem seja aproveitada, é necessário aprimorar o tratamento de dados astronômicos.
— Com o computador, conseguimos tirar esses riscos brancos e reproduzir a imagem o mais parecido possível com o original. Eventualmente, esses satélites podem borrar toda a imagem. Ou seja, teríamos tudo coberto por riscos e não conseguiríamos reproduzir a imagem original nem mesmo com softwares de computador — diz Riffel.
Objetos voadores não identificados
O brilho da constelação da Starlink pode ser visto a olho nu. Exemplo disso é que moradores do Rio Grande do Sul associaram o deslocamento dos satélites a objetos voadores não identificados (óvnis) desde o segundo semestre de 2022 — período em que a internet de Elon Musk ficou disponível no Estado.
Para minimizar o problema, a SpaceX e a Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos (NSF, na sigla em inglês) fecharam, no início do ano, um acordo para reduzir a interferência do brilho dos satélites no trabalho dos astrônomos. A empresa de Musk aceitou atuar para resolver o problema com a mudança no design do equipamento e como a constelação prejudica observatórios.
— Eles estão investindo nisso (mudança de design), mas sem muito sucesso. Tornar os satélites menos reflexivos ajudaria. Mesmo assim, vejo com preocupação a evolução disso. Além do lixo espacial, agora temos esses satélites brilhantes atrapalhando as observações astronômicas — pondera Thaisa.
O lixo espacial citado pela professora da UFRGS é outro debate avivado com o crescimento da Starlink. A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) estima que 130 milhões de detritos espaciais estejam na órbita da Terra. A maioria deles tem tamanho entre um milímetro e um centímetro. Outros 36,5 mil são detritos espaciais maiores do que 10 centímetros. A estimativa considera os envios feitos desde 1957 — ano do lançamento da Sputnik 1, a primeira missão espacial — até março deste ano.
Imagine várias estações espaciais com seres humanos, a construção de colônias na Lua. Se o espaço estiver poluído, será uma dificuldade para explorar. No Inpe temos avisos de colisão todos os dias. Existem já diretivas, as agências do mundo inteiro estão preocupadas com isso. É importante explorar o espaço de maneira sustentável
RONAN ARRAES JARDIM CHAGAS
Engenheiro de Sistemas Espaciais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
A Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, diz que lixo espacial “são quaisquer objetos feitos pelo homem em órbita sobre a Terra que não servem mais a uma função útil. Esses detritos incluem espaçonaves não funcionais, estágios de veículos de lançamento abandonados, detritos relacionados à missão e detritos de fragmentação”. Segundo a SpaceX, os satélites da Starlink têm vida útil de cerca de cinco anos e são retirados de órbita com uso de um propulsor semanas após o fim da missão.
— O propulsor vai para uma altitude baixa, onde o arrasto atmosférico (força de resistência) é mais efetivo, queima o satélite e não chega nada no solo. De vez em quando você vê alguma coisa caindo, mas é bem pontual. A probabilidade de isso gerar algum dano é muito pequena — afirma Ronan Arraes Jardim Chagas, engenheiro de Sistemas Espaciais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A empresa norte-americana diz que essa constelação de satélites de internet “não representa risco para pessoas ou propriedades no solo”. A SpaceX afirma ter retirado de órbita “com segurança” mais de 200 satélites nos últimos anos. Para Chagas, porém, o debate não é sobre o lixo espacial atingir alguma pessoa ou propriedade na Terra, situação que ele considera pouco provável. O que pode ocorrer por conta da expansão da rede de satélites em órbita baixa é um impacto entre equipamentos desativados e ativos, como os que coletam informações para fins de estudo.
— É enorme a probabilidade de ser fatal para o satélite uma colisão, porque as velocidades são altas. Isso acabaria totalmente com a missão, seria dinheiro perdido, sem falar nos dados científicos que ele poderia obter, o que, na minha opinião, é o mais importante — acrescenta o engenheiro do Inpe.
Além de dados científicos e equipamentos, vidas humanas também podem ser ameaçadas em um futuro no qual a exploração espacial se torne mais frequente.
— Imagine várias estações espaciais com seres humanos, a construção de colônias na Lua. Se o espaço estiver poluído, será uma dificuldade para explorar. No Inpe temos avisos de colisão todos os dias. Existem já diretivas, as agências do mundo inteiro estão preocupadas com isso. É importante explorar o espaço de maneira sustentável — finaliza Chagas.