Chamada pela comunidade de toca do tigre, uma caverna escondida na mata nativa do terreno que pertence à vinícola Almadén, em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, é, na verdade, uma paleotoca, nome dado a abrigos utilizados por animais pré-históricos. A descoberta foi feita entre novembro e dezembro do ano passado.
Quem fez o laudo reconhecendo o local como paleotoca foi o geólogo Serlecio Guilherme Pinz, contratado pela Almadén, do Grupo Miolo, para analisar do que se tratava o buraco no meio de rochas, situado a sete quilômetros da sede da vinícola. Ele identificou resquícios de possíveis marcas de preguiça-gigante (Lestodon ou Glossotherium) e de tatu-gigante (Pampatherium), animais que viveram entre a região do pampa e da Patagônia e foram extintos.
— Essa paleotoca deve ter aproximadamente 200 mil anos. Nunca foi dada muita atenção, as pessoas chamavam o lugar de "toca do tigre", mas a Miolo me pediu para ir lá, então identificamos resquícios de marcas de garras de preguiça-gigante, que tinha três ou quatro metros de altura, que pode ter vivido há 200 mil anos, e de um tatu com um metro e meio de altura, bem diferente do nosso tatu de hoje, que pode ter vivido lá há 35 mil anos — diz.
Segundo Pinz, a paleotoca tem 35 metros de profundidade. Na marca dos 25 metros fica o espaço onde a preguiça-gigante dormia —até ali, a altura da caverna é de três metros. Dali em diante, a altura cai para menos de um metro, e seria onde o tatu-gigante descansava.
— A preguiça-gigante usava essa toca para repouso, para dormir. Achamos que era uma fêmea com filhotes. Por uma evolução climática da Terra, pelo aquecimento, a preguiça-gigante se extinguiu. Passado um grande tempo, o tatu identificou esse espaço e resolveu ocupá-lo na parte mais para dentro, porque o tatu tinha vários predadores — explica.
A paleotoca ainda deve ser registrada no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/Cecav). Segundo o paleontólogo Leonardo Kerber, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), cada vez mais tem se reconhecido paleotocas no Rio Grande do Sul, principalmente nos últimos 15 anos. A literatura científica indica que seus possíveis construtores teriam sido mamíferos do grupo dos xenartros, que inclui preguiças e tatus-gigantes.
— Essas paleotocas estavam aí, mas não tinham sido estudadas em detalhe. Sempre houve um mistério popular em torno delas, dizendo que eram de indígenas, mas depois se constatou que foram feitas por animais pré-históricos. Elas representam evidências da vida pleistocênica no Estado. Principalmente sobre os hábitos de vida desses animais. Até aproximadamente 10 mil anos atrás, tínhamos uma série de animais muito diferentes do que temos hoje, como gliptodontes, pampatérios, preguiças-gigantes, além de uma série de outros animais, que foram extintos — diz.
A Almadén foi fundada há 50 anos em Santana do Livramento, mas somente em 2009 foi adquirida pelo grupo Miolo. Agora, a vinícola está com um projeto para fazer uma rota turística que valorize a paleotoca. O plano é oferecer uma espécie de safari até o local, com 14 quilômetros de passeio, somando ida e volta, e passando por riachos e mirantes.
— Vamos lançar o roteiro que sai do complexo da vinícola e passa por várias atrações naturais. Haverá uma parada na paleotoca, mas com limitações para que o espaço seja preservado. Mas queremos que as pessoas vejam as marcas dos bichos gigantes, a formação geológica e tudo o que aconteceu ali — diz Marina Gatelli, gerente de marketing do Grupo Miolo.