Uma nova espécie de réptil pré-histórico, que tinha focinho alongado como o de jacarés e crocodilos, foi descoberta em junho deste ano, no município de Agudo, na região central do Rio Grande do Sul. O achado de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi anunciado em um estudo publicado na última quinta-feira (3) no periódico científico Journal of Systematic Palaeontology.
O fóssil do animal foi escavado em um sítio com rochas que possuem cerca de 230 milhões de anos, no território do Geoparque Quarta Colônia. Os elementos recuperados pelos pesquisadores incluem uma perna completa, sendo que sua configuração e as proporções dos dígitos do pé permitem classificá-la como pertencendo a um proterochampsídeo — um tipo de réptil, que tem o corpo parecido com o de jacarés e crocodilos, mas não possui forte grau de parentesco com eles. Trata-se de um grupo primitivo de répteis encontrado apenas no Brasil e na Argentina.
O exemplar foi reconhecido como uma nova espécie, que recebeu o nome de Stenoscelida aurantiacus, por possuir uma série de características únicas. O primeiro nome vem do grego e significa perna delgada, já que o fóssil possui dimensões mais frágeis no membro posterior em relação a seus parentes próximos, enquanto o segundo é derivado do latim e significa laranja, fazendo referência à coloração alaranjada dos leitos rochosos de onde o exemplar foi escavado.
De acordo com o paleontólogo da UFSM Rodrigo Temp Müller, responsável pela descoberta junto com um grupo de estudantes de pós-graduação, esses animais conviveram com alguns dos dinossauros mais antigos do mundo:
— Sabemos disso porque encontramos fósseis de dinossauros juntos com esse, nesse mesmo sítio, que é fossilífero, muito rico em fósseis. Ali já foram catalogadas pelo menos duas espécies de dinossauros e mais cinco outras espécies de répteis e parentes dos mamíferos.
Os pesquisadores estimam que o animal tivesse cerca de 1m40cm de comprimento e fosse quadrúpede, ou seja, andasse sobre quatro patas. Mesmo sem ter dentes preservados, também é possível concluir que o animal era carnívoro, com base em seu grau de parentesco com outros organismos. Já por conta da similaridade com jacarés, acredita-se que esses répteis tenham vivido próximos a corpos d’água, talvez até mesmo se alimentando de forma parecida aos seus semelhantes modernos.
Müller reforça que esses animais fazem parte de uma linhagem de répteis que foi extinta durante o início da Era Mesozoica, ou seja, não deixaram descendentes. Por isso, não têm relação com répteis atuais. Entretanto, o que mais chamou a atenção do pesquisador foi o fóssil apresentar características, que não estavam presentes em outros membros desse grupo, como a forma de inserção e fixação de alguns músculos no fêmur.
— Essas estruturas eram comuns em outros grupos de répteis, como dinossauros e animais da linhagem da origem dos crocodilos, mas nunca haviam sido reportadas em proterochampsídeos. Isso mostra que essas características podem ter surgido nessas linhagens mais primitivas e se mantido presentes em outras, ou então, surgido inicialmente nesse grupo e depois, de maneira independente, nos dinossauros e crocodilos — explica.
— Também é interessante que esses pontos de inserção de músculos estão relacionados à postura, então indicam que esses animais poderiam ter uma postura um pouco mais avançada para o estado evolutivo deles — acrescenta Müller.
Para os pesquisadores, uma das implicações mais importantes do novo achado está relacionada à boa preservação do exemplar, já que são conhecidas poucas pernas completas de proterochampsídeos. Müller afirma ainda que a descoberta de mais uma espécie inédita no território do Geoparque Quarta Colônia reforça a importância dos fósseis do Estado e o potencial e a riqueza paleontológica da região.
— Na paleontologia, vamos tentando construir esse quebra-cabeças evolutivo a partir de cada descoberta. E essa descoberta mostrou que não sabíamos realmente tudo sobre esse outro grupo, mostrou que haviam características que ainda precisavam ser descobertas sobre esses animais. E isso reforça a ideia de que é importante sempre estarmos revisando os exemplares já descobertos — aponta.
O fóssil do Stenoscelida aurantiacus ficará depositado no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa-UFSM) para que seja preservado e acessível a todos que queiram conhecê-lo.
Além de Müller, participaram do estudo o biólogo e aluno de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da UFSM Maurício Silva Garcia e o aluno do curso de Ciências Biológicas da UFJF André de Oliveira Fonseca. As escavações e investigações fazem parte de projetos de pesquisa financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).