A pandemia de coronavírus reforçou o papel da internet como serviço de necessidade básica para a realização de uma série de atividades, caso do ensino a distância. A situação voltou a ganhar evidência nas últimas semanas, quando vieram à tona histórias de alunos no interior do Rio Grande do Sul com dificuldades em acompanhar as aulas por causa do alcance precário do sinal. Do investimento em infraestrutura à criação de redes comunitárias, algumas alternativas podem ajudar a contornar o problema no Brasil.
Mesmo que a área de cobertura no país tenha evoluído nos últimos anos e já chegue a quase todos os 5,5 mil municípios, seja por banda larga ou telefonia móvel, atualmente um em cada quatro brasileiros não usa a internet. De acordo com levantamento do Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 47 milhões de pessoas no país se enquadravam nesta situação em 2019. No Rio Grande do Sul, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados apontavam que, em 2018, 1,6 milhão de gaúchos não tinham conexão.
A dificuldade de acesso, especialmente na zona rural e em lugares remotos, passa pela infraestrutura deficitária do país. Estudo do Boston Consulting Group (BCG), de 2017, estimava que o Brasil necessitaria cerca de R$ 200 bilhões em investimentos para universalizar o acesso à rede. Professor do programa de pós-graduação em computação aplicada da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), Rafael Kunst destaca que as operadoras não instalam mais antenas e ampliam a extensão de fibra ótica, garantindo presença e maior estabilidade do sinal, por não considerarem determinadas localidades rentáveis.
- É um investimento muito alto e muitas vezes pode demorar para dar retorno - aponta.
Neste sentido, uma possibilidade levantada por especialistas na área de tecnologia para estimular investimentos seria o governo federal e órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), exigirem maiores contrapartidas às operadoras nas concessões. Ou seja, ao mesmo tempo em que a empresa ganhasse o direito de operar em uma grande cidade com grande potencial comercial, teria de assumir o compromisso de reforçar a estrutura em um local remoto.
Presidente do capítulo brasileiro da Internet Society (Isoc), Flavio Wagner explica que iniciativas da sociedade civil organizada podem ser fundamentais para expandir o acesso no Brasil profundo. Uma das alternativas defendidas pela entidade é a criação de redes comunitárias, espécie de provedor gerido pelos próprios moradores das localidades remotas. Organizações não governamentais e a Isoc têm iniciativas que ajudam a financiar as estruturas e atuam, principalmente, na capacitação das comunidades para que elas façam a gestão da rede.
- Existe regulamentação da Anatel no Brasil que permite que essas redes comunitárias sejam instaladas. É um processo simplificado (em relação às outorgas concedidas aos provedores comerciais) - afirma Wagner.
A criação de redes comunitárias passa, essencialmente, pela instalação de equipamentos que permitam a captação do sinal via rádio ou satélite e, a partir daí, conseguem distribuí-lo entre os moradores da comunidade. Iniciativas do gênero já existem em diversos Estados, como Rio de Janeiro, Maranhão e Pará.
Nos últimos anos, empresas da área de tecnologia também começaram a explorar soluções inovadoras para ampliar a cobertura de sinal de internet em locais remotos, como o uso de drones e balões. A ideia é elevar a estrutura, permitindo que o sinal de antenas ou satélites seja recebido sem interferências ou barreiras e, a partir daí, seja distribuído melhor na região. A paulista Altave é uma das empresas que trabalha com esse tipo de solução. A companhia desenvolveu um balão a gás, com tecnologia acoplada capaz de captar sinal de pontos em até 15 quilômetros de distância.
- O balão voa a cerca de 200 metros de altura, recebe a internet e consegue espalhar esse sinal em um raio de até 40 quilômetros. Uma vantagem é que ele não necessita licença ambiental - explica Leonardo Nogueira, diretor de marketing e vendas da empresa.
A estrutura tem custo aproximado de R$ 40 mil mensais e, atualmente, é utilizada em áreas de mineração, portos, hidrelétricas e propriedades rurais no Brasil.
Conectividade é desafio também no Exterior
O problema de conectividade em áreas remotas não é exclusividade do Brasil. Professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jéferson Campos Nobre destaca que outros países de proporções continentais também enfrentam dificuldade para levar internet a regiões ermas ou com poucos habitantes.
- Em qualquer área que não é densamente povoada, o acesso à internet acaba sendo realizado por meio de programas com objetivos sociais, seja governamental ou por ONGs - relata.
Mesmo países que hoje são referências na tecnologia e que disputam a hegemonia do mercado do 5G, casos de Estados Unidos e China, falta internet em locais remotos. Para equacionar o problema, uma série de iniciativas que envolvem investimentos privados e estatais são desenvolvidas.
No país asiático, nos últimos anos o governo desenvolveu o projeto Hongyun para construir uma estrutura integrada de comunicações que permitirá levar conexão a mais de 600 milhões de chineses sem acesso à internet. O primeiro de cinco satélites já foi lançado e está sendo utilizado em fase de testes. A expectativa é de que a iniciativa esteja totalmente funcional até 2022.
Já nos Estudos Unidos, operadoras privadas utilizam até mesmo a rede elétrica para levar internet a populações em áreas afastadas dos grandes centros urbanos. A AT&T desenvolve, há três anos, o projeto AirGig, que usa pequenas antenas instaladas no topo dos postes, o que permite a transmissão de dados por meio de ondas guiadas pelos cabos de energia. A iniciativa vem sendo utilizada principalmente em áreas rurais.
Conselheiro do CGI.br, Rosauro Baretta ressalta que o investimento em infraestrutura de telecomunicações em países como os Estados Unidos costuma ser superior ao realizado no Brasil, o que ajuda a atenuar os problemas de conexão em áreas remotas. De acordo com a US Telecom, associação que representa as operadoras norte-americanas, o volume investido em 2019 chegou a US$ 80 bilhões (em torno de R$ 430 bilhões, na cotação atual). Já no Brasil, o aporte alcançou R$ 33 bilhões no período, segundo a Associação Brasileira das Telecomunicações (Telebrasil).
- Investimento é algo que praticamente nunca acaba, pois a tecnologia evolui e você vai ter sempre que reinvestir. O Brasil hoje tem alguns fundos de telecomunicações que poderiam ser utilizados para financiar parte dos investimentos na ampliação da rede - argumenta Baretta.
Uma possível fonte de recursos seria o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) que hoje tem saldo superior a R$ 1 bilhão e, na visão de Baretta, poderia ser aproveitado para financiar a expansão de pequenos provedores com atuação em pequenas cidades e em zonas rurais.