Temendo que os brasileiros em breve sejam inundados com notícias falsas, as fake news, antes de uma eleição presidencial extremamente importante, o país se prepara para reprimir as tentativas de enganar os eleitores intencionalmente. As autoridades encarregadas dessa medida argumentam que o direito à liberdade de expressão não pode vir à custa de um resultado ilegítimo, em uma eleição que pode alterar drasticamente o curso do Brasil, a quarta maior democracia do mundo.
— É preciso considerar quais desses dois princípios devem ser sacrificados em nome de uma eleição neutra e não contaminada por notícias enganosas. Às vezes, a preocupação excessiva com a liberdade de expressão acaba violando um princípio mais importante: o do princípio democrático — disse Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que recentemente assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a autoridade nacional mais alta em termos de leis e regulamentos eleitorais.
Sob a direção de Fux, a Polícia Federal estabeleceu recentemente uma força-tarefa que está desenvolvendo estratégias para impedir a produção de notícias falsas e limitar seu alcance quando algum conteúdo enganoso começar a se espalhar online.
— Nossa intenção não é violar a liberdade de expressão ou o direito de expressar uma opinião. A grande questão é quando uma opinião pessoal se torna uma mentira sobre um candidato, publicada com a intenção específica de prejudicá-lo e, dessa maneira, interferir com uma eleição — disse Eugênio Ricas, diretor da divisão de crime organizado da Polícia Federal, que está liderando a força-tarefa recém-criada.
Autoridades judiciárias dizem que a iniciativa está estudando as táticas usadas por grupos que vêm atuando na divulgação de notícias falsas e avaliando sob quais leis atuais eles poderiam ser acusados. Estão também consultando e negociando com empresas de tecnologia dos Estados Unidos, incluindo Google, Twitter, Facebook e WhatsApp, na esperança de transformá-los em parceiros na luta contra esse tipo de notícia, em vez de alvos de medidas repressivas e multas.
Se a iniciativa for bem-sucedida, dizem as autoridades, a eleição de outubro, que ocorrerá em uma sociedade profundamente polarizada, poderia servir como modelo para resolver um problema que minou a fé na democracia em todo o mundo.
Porém, reconhecem que precisarão enfrentar complexos dilemas legais, tecnológicos e éticos. Entre eles está uma lei de 2014 que garante aos usuários da internet no Brasil uma forte privacidade e proteções da liberdade de expressão.
As autoridades estão preocupadas principalmente com estratégias de notícias falsas divulgadas por campanhas rivais, não por uma potência estrangeira, mas advertem que tais táticas são muitas vezes planejadas e executadas no exterior, o que dificulta o controle.
Leis insuficientes
Autoridades policiais e judiciais pediram que o Congresso aprovasse uma lei que estabelece regras claras e penalidades para a prática. Um projeto de lei apresentado no ano passado no Senado transformaria a divulgação intencional de informações falsas sobre questões que afetam a saúde pública, a segurança pública, a economia e o processo eleitoral em crime punível com até dois anos de prisão. Porém, é pouco provável que os legisladores aprovem uma lei controversa antes da eleição, de acordo com políticos e analistas.
Isso faz as autoridades usarem leis e regulamentos que veem como anacrônicos em se tratando de um problema do século 21. Entre eles estão o código eleitoral e o código penal contra difamação; ambos foram aprovados antes do advento da internet e uma lei de segurança pública de 1980, época da ditadura militar, que proibia a divulgação de boatos com potencial de gerar pânico ou agitação.
— Essas leis não são suficientes para as táticas de hoje. A evolução da internet e da comunicação dificulta o uso de leis dos anos 80, 60, 40 — disse Ricas.
A situação jurídica fez com que o estabelecimento de relacionamentos construtivos com empresas de tecnologia se transformasse na base do plano.
Companhias de rede social como o Facebook inicialmente rejeitaram acusações de que haviam sido um veículo de campanhas de desinformação sofisticadas nos Estados Unidos em 2016, mas, conforme cresce a quantidade de provas, os gigantes da tecnologia vêm tentando se mostrar pró-ativos na luta contra as notícias falsas.
Elas têm um forte incentivo para cooperar porque o tribunal presidido por Fux está em processo de finalização de diretrizes da publicidade eleitoral on-line. Em uma época na qual políticos brasileiros estão cada vez mais se voltando para as redes sociais em vez dos meios tradicionais para chegar aos eleitores, tais plataformas estão em uma posição vantajosa.
Essa dependência da mídia social na divulgação de mensagens de campanhas poderá colocar as empresas no olho do furacão na questão das notícias falsas, e elas dizem estar fazendo o que podem para combater o problema.
— Vemos as eleições no Brasil como prioridade, e temos tomado uma série de medidas para garantir que nossa plataforma dê voz às pessoas, incentive a participação cívica e ajude a fortalecer a democracia. Fizemos várias melhorias de produto para reduzir o alcance do conteúdo de baixa qualidade, eliminar os incentivos econômicos por trás da maioria das notícias falsas e priorizar o conteúdo de fontes confiáveis e informativas — disse um assessor de imprensa do Facebook em comunicado por e-mail.
Embora autoridades do governo e representantes das empresas de tecnologia digam que suas negociações foram cordiais e produtivas até agora, estas últimas deixaram claro que não pretendem se tornar árbitros da verdade.
Uma pesquisa da BBC World Service no ano passado mostrou que 92 por cento dos brasileiros expressaram preocupação sobre a capacidade de diferenciação entre verdade e mentira on-line, o maior percentual dos entrevistados em todos os países pesquisados. Mas o que constitui notícia falsa é motivo de debate.
Candidatos
Os dois principais candidatos na corrida – o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de esquerda, e o deputado Jair Bolsonaro, um provocador de direita – criticaram agências de notícias por causa de coberturas críticas, basicamente da mesma forma que o presidente Donald Trump critica organizações de mídia americanas.
Bolsonaro e seus seguidores, por exemplo, rotularam de notícia falsa um artigo na Folha de S. Paulo que levantou questões sobre como ele e sua família conseguiram seus imóveis com salários de funcionários públicos.
Lula é de longe o principal alvo de notícias falsas negativas no Brasil, de acordo com uma análise da revista Veja, que recentemente publicou uma matéria de capa sobre campanhas de desinformação. Um exemplo foi um artigo alegando que Lula havia dito que chegaria à presidência mesmo que isso significasse atropelar o juiz federal que o condenou por corrupção e lavagem de dinheiro no ano passado.
Bolsonaro é a rara figura pública brasileira que aparece em muitas notícias falsas que passam uma ideia positiva, não negativa, de acordo com a análise de Veja. Seu porta-voz não respondeu a uma consulta por e-mail que queria saber se a campanha considera o uso de notícias falsas uma tática eleitoral legítima. Lula disse recentemente que tais táticas não devem ser empregadas.
Marina Silva, ex-ministra da Meio Ambiente que está em terceiro lugar nas pesquisas, anunciou que estava recrutando um exército de voluntários para desmentir o tipo de campanha de desinformação que ela disse ter prejudicado sua candidatura nas duas últimas eleições presidenciais, em 2010 e 2014. As histórias mentirosas espalhadas nas redes sociais sobre ela antes dessas eleições incluíram uma dizendo que, como evangélica, ela pretendia proibir videogames e uma acusação de que seus guarda-costas bateram em um gay que tentou se aproximar dela.
Mesmo que exista um consenso generalizado entre os brasileiros de que as notícias falsas tiveram um efeito corrosivo na democracia do país, alguns se preocupam com as implicações de uma repressão do governo. A Coalizão Direitos na Rede, um grupo da sociedade civil que se opõe à regulação e à censura de conteúdo on-line, publicou recentemente uma carta pública sobre os planos do Brasil.
"Já vimos iniciativas problemáticas e uma proliferação de leis visando o monitoramento ativo e a regulamentação do discurso on-line, além de delegar às autoridades a verificação dos fatos", disse o grupo.
Mas Fux usou a eleição dos EUA como exemplo do que pode acontecer se não houver nenhum esforço para verificar a boataria.
— Na eleição americana, a liberdade de expressão foi mais forte que as notícias falsas. Aqui em nosso país, reconhecemos que, enquanto um direito pode ser exercido, pode também ser abusado.
Por Ernesto Londoño