Às margens do Rio Uruguai, em Garruchos, a 590 quilômetros de Porto Alegre, município entre a fronteira com a Argentina e as Missões, no noroeste do Estado, vivem cerca de 2,6 mil habitantes. Para sair da cidade, os moradores precisam percorrer uma estrada de poeira alaranjada – os 58 quilômetros representam o maior acesso municipal sem pavimentação no RS.
No entanto, o crime organizado, segundo o que indica uma investigação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), encontrou outra forma de acessar o local: pelo ar.
A Polícia Civil acredita ter descoberto no município uma das rotas do tráfico internacional de drogas. Uma facção do Vale do Sinos — que atualmente possui ramificações por praticamente todo o Rio Grande do Sul — estaria por trás do esquema que envolve o uso de fazendas, com pistas de pouso.
A investigação do Denarc, que resulta nesta quarta-feira (11) na Operação Beatus, indica que em Garruchos fica uma das extensas propriedades rurais que estariam sendo usadas pela facção para transportar drogas desde a Bolívia até o território gaúcho. A polícia conseguiu que a Justiça determine a indisponibilidade de 15 fazendas, nas quais se há suspeita de vínculo com a facção. Dessas, em três delas, foram identificadas pistas de pouso de aeronaves.
São grandes carregamentos de drogas, e eles utilizam diferentes rotas, algumas delas dessa forma, com uso de aeronaves de pequeno porte
DELEGADO ALENCAR CARRARO
Diretor do Denarc
Das fazendas identificadas, duas das maiores possuem um total de 1,8 mil hectares, e são avaliadas em cerca de R$ 60 milhões. A ofensiva tem justamente como alvo as finanças da organização criminosa, e busca desarticular um esquema complexo de lavagem de dinheiro. Na liderança, estaria Juliano Biron da Silva, apontado como um dos líderes da facção, e foragido.
Dos aviões até a comercialização: a rota da droga
Segundo o diretor de investigações do Denarc, delegado Alencar Carraro, a organização criminosa possui esquemas articulados para o transporte de droga até o Estado. E um deles se dá por via aérea. Normalmente, os aviões são carregados com cerca de 450 quilos de cocaína. As viagens ocorreriam ao menos duas vezes por mês, em modelo de consórcio, no qual grupos criminosos se unem para reduzir o custo da operação.
— São grandes carregamentos de drogas, e eles utilizam diferentes rotas, algumas delas dessa forma, com uso de aeronaves de pequeno porte — explica.
Os aviões partiriam da Bolívia em direção ao Rio Grande do Sul. Há suspeita de que os pilotos possam fazer paradas em países como Paraguai ou Argentina, para reabastecer, devido à distância do trajeto. No entanto, a polícia já apreendeu aeronaves que tinham esquemas improvisados de reabastecimento em pleno voo.
— Assim, a carga chega até as fazendas e de lá é transportada por via terrestre. Nem sempre é transferida toda a carga — explica Carraro.
Em alguns casos, os traficantes optam por dividir o carregamento, evitando que, numa eventual barreira das polícias, toda a droga seja apreendida.
Ao chegar à Região Metropolitana, o carregamento é distribuído novamente, e então passa pelos químicos, que são os responsáveis por fazer a mistura da cocaína com outras substâncias. Cada quilo pode ser transformado em dois a três, dependendo do processo adotado. Somente depois disso, a droga é encaminhada a quem faz a comercialização no destino final.
Líder foragido
Biron, apontado como o líder do esquema que é alvo da Operação Beatus, é procurado pela polícia desde outubro. Ele é um dos que tem mandado de prisão preventiva decretada. Na manhã desta quarta-feira, ao menos oito pessoas foram presas na ofensiva. Até o momento, Biron ainda não foi encontrado.
Lavagem de dinheiro
A investigação do Denarc descobriu um complexo esquema de lavagem de dinheiro. As provas obtidas durante a investigação indicam que o grupo agia com sofisticação, realizando uma espécie de emaranhado no sistema bancário. Segundo a polícia, eram efetuadas rotineiramente centenas de operações dissimuladas no sistema financeiro, com pulverização dos valores entre os integrantes da organização.
Também seriam usadas empresas reais e de fachada para ocultar os valores ilegais. Os sócios “laranjas” teriam como papel integrar os valores obtidos de forma ilícita, por meio do tráfico de drogas, por exemplo, ao seu capital, para mascarar a origem. A organização usava outras formas mais clássicas de ocultar o dinheiro “sujo”, como a aquisição de propriedades, imóveis e veículos de alto padrão.
A polícia conseguiu que sejam indisponibilizadas 15 fazendas no interior do Estado — localizadas em cidades como Garruchos, Santo Antônio das Missões e Palmares do Sul — e outros 13 imóveis de alto valor na Grande Porto Alegre, na Serra e em Santa Catarina. Também foram apreendidos veículos de alto padrão. A operação é apontada pelo Denarc como a maior da história da Polícia Civil do RS em sequestros de ativos obtidos por meio do tráfico de drogas.