Em meio ao pranto incontido, a aposentada Mareci Rosa dos Santos, 68 anos, contemplava o jardim de flores coloridas que agora homenageia a sua filha, a enfermeira Patricia Rosa dos Santos, 41, morta por ingestão de medicamento em 22 de outubro. Além dela, o canteiro também homenageia Edilene Silveira Sartori, 38, morta com golpes de pesos de academia e mais de 15 facadas em 1º de novembro. Ambos os casos são investigados como feminicídio.
Intitulado Jardim Para Sempre Elas, o canteiro foi plantado em frente à Casa Lilás Débora Machado, um centro de acolhimento para mulheres localizado em Canoas, na Região Metropolitana, cidade onde os crimes aconteceram. O local leva esse nome em homenagem a uma mulher que também foi vítima de feminicídio na cidade.
A solenidade reuniu familiares das vítimas na tarde desta sexta-feira (29), para a instalação de placas em homenagem às mulheres junto ao jardim. Ao lado de cada placa, um lírio da paz foi posicionado em memória das mulheres.
O ato integra a programação dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que é uma campanha internacional de conscientização e combate a este tipo de crime. De acordo com a secretária especial da Coordenadoria das Mulheres, Vani Piovesan, Canoas estava há 21 meses sem feminicídios até a morte de Patrícia.
— A intenção não é que esse jardim seja um cemitério, mas sim um espaço de luz, de flor, um espaço colorido, para lembrarmos delas. É isso que fazemos no enfrentamento à violência, a gente planta e a gente colhe com o passar do tempo. Não é no primeiro momento que a flor vai estar linda, vai estar maravilhosa, mas ela vai. É um crescimento — explica Piovesan.
A secretária comenta que quando a pasta toma conhecimento de casos de feminicídio, o primeiro passo é procurar a delegacia, que integra uma rede de enfrentamento à violência composta de 40 serviços na cidade. Após isso, é feito contato com a família para oferecer apoio e acolhimento.
Preservação da memória
— A gente sente muita gratidão, a Patrícia era uma pessoa de muita luz e de muito amor. E ela plantou uma sementinha de amor no coração de todas as pessoas que ela conheceu. Ela trabalhou muitos anos na área da saúde, ela era só bondade. E vendo que fizeram esse gesto, a gente fica muito feliz sabendo que o legado dela vai ser para sempre — agradece Bruna Tainá Rosa dos Santos, 30, irmã Patrícia.
Bruna criou uma página no Instagram na qual pede Justiça pela irmã. Ela também divulga uma petição pública pedindo a aprovação de uma lei com o nome da irmã, na qual propõe que a pena seja aumentada em um terço para os crimes de feminicídio. A proposta já recebeu mais de 1,3 mil assinaturas.
Emocionada e vestindo uma camiseta com o nome da filha, Mareci Rosa dos Santos promete que visitará o jardim par regar as flores e que levará para o neto, o filho de dois anos que Patrícia deixou.
O médico André Lorscheitter Baptista, 48, é apontado como autor do crime. Ele está preso desde o dia 29 de outubro. Conforme a polícia, o homem teria colocado em um sorvete que a esposa tomou um medicamento indutor de sono, para fazer a vítima dormir. Na sequência teria aplicado dois remédios injetáveis, de uso controlado, que teriam provocado uma parada cardiorrespiratória na vítima.
Patrícia foi encontrada morta no apartamento dela, no bairro Igara, em Canoas. Nesta sexta-feira (29), o médico foi denunciado pelo Ministério Público.
Saudade e indignação
Primas e madrinhas de Edilene Silveira Sartori, Adê Valença, 50, e Ana Cristina Valença, 49, foram as responsáveis por instalar a placa com o nome dela. Além das saudades da familiar querida a quem viram nascer, elas relatam sentir revolta pela forma violenta como ela morreu:
— Penso nisso com uma tristeza, uma revolta muito grande, né? Porque a gente pensa: onde foi que a gente errou? O que a gente não enxergou? E nas vezes que a gente falou, por que a gente não insistiu? — questiona Adê.
Elas contam que jamais imaginariam que o namorado de Edilene pudesse ser capaz de fazer algo contra ela. Agora, elas pretendem ajudar a cuidar dos filhos que a prima deixou, de 8, 14 e 16 anos.
Edilene foi encontrada morta e enterrada no pátio de casa em Canoas, no dia 4 de novembro, após ficar desaparecida por quatro dias. Ela foi assassinada com golpes de pesos de academia e mais de 15 facadas. O corpo foi encontrado enterrado no pátio de casa após amigas e o próprio suspeito registrarem uma ocorrência policial. O namorado dela, Edson Luiz de Jesus, 41, foi preso preventivamente.