Havia pouco menos de dois meses que Paula Janaína Ferreira Melo, 25 anos, conhecia a mulher apontada como sua assassina. Foi por meio de um convite nas redes sociais que as duas se aproximaram, segundo relato de familiares.
— Elas se conheceram no Facebook, em um grupo de doação, maternidade, e conversaram por ali, trocaram contato. A agressora começou a se aproximar, ganhar a confiança dela, viu que ela morava próximo. Foi só a terceira vez que ela foi lá (na casa da suspeita). Achou que ela queria ajudar, mas ela só achou a vítima perfeita — diz o irmão de Paula Janaina, Juan Jackson Nunes Rodrigues, 41 anos.
Segundo a delegada Graziela Zinelli, plantonista da Delegacia de Homicídios de Porto Alegre, o crime foi premeditado. A suspeita, identificada como Joseane de Oliveira Jardim, 42 anos, teria atraído a vítima até a residência onde ocorreu o crime, na segunda-feira (14), com a promessa de uma doação de um carrinho de bebê.
A delegada, que falou à imprensa na manhã desta quarta-feira (16), esclareceu que a polícia ainda investiga se a suspeita teria abordado outras grávidas com o propósito de se apossar de outros bebês.
— Isso a gente precisa apurar ao longo da investigação, mas eu acredito que havia uma determinação de que ela teria essa criança independentemente de quem fosse o filho. Então, alguém possivelmente seria a vítima dela — afirma a delegada.
Na delegacia, a suspeita decidiu permanecer em silêncio.
O velório da mãe e do bebê começa nesta quarta-feira, às 23h, e o sepultamento está marcado para as 10h30min de quinta-feira, no cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre.
Em busca de outras grávidas
Uma moradora do bairro Mario Quintana, onde o crime aconteceu na zona norte da Capital, é mãe de um recém-nascido com menos de um mês. Ela, que não quis se identificar, contou que durante a gestação, entre agosto e setembro, passou a conversar com a mulher presa pelo assassinato. Joseane a atraiu com promessa de doações para a criança, com a desculpa de que também estava grávida, mas queria ajudar outras mulheres pois havia ganhado muitos presentes. Conforme a mulher, a única exigência era que ela fosse pessoalmente buscar os presentes.
— Ela insistia muito, porque queria me conhecer antes de eu ganhar (o bebê) e já ter as coisas. Ela dizia que estava grávida e gostaria de me ajudar, pois tinha ganho muita coisa — relatou.
A mulher chegou a pedir que a doação fosse enviada por aplicativo ou buscada por outra pessoa, mas Joseane desconversava.
— Eu disse que iria acompanhada, aí ela sempre inventava desculpas, me perguntava se eu estava com alguém, e quando eu não podia ir sozinha, ela adiava e dizia que iria guardar as coisas pra mim. Quando eu disse que ia, ela disse que iria comprar algo pra gente tomar café. No dia de manhã estava chovendo, aí eu pedi pra ela mandar (a doação) de Uber. Ela disse que precisava ir lá, pra comprovar pra ONG que ela fazia parte — completou a mulher.
No condomínio em que Joseane vivia, uma moradora conta que ela pediu, insistentemente, o telefone de uma jovem que estava grávida e morava no mesmo bloco. Contudo, a moça havia se mudado e o contato não ocorreu.
Uma outra moradora do bairro também contou sobre um contato com Joseane, a partir de uma publicação em grupo de moradores com a oferta de uma doação de carrinho. Essa moradora, que não estava grávida, pretendia buscar a doação para uma amiga grávida de gêmeos. Ao chamar a mulher em uma rede social, recebeu a resposta de que o carrinho já havia sido doado.
Aproximação com os vizinhos
Joseane morava há dois anos com o companheiro no condomínio localizado no bairro Mario Quintana. Aos vizinhos, ela disse que vinha de uma cidade da Fronteira. Segundo relatos, eram um casal fechado e não costumavam interagir.
O comportamento da mulher teria mudado desde agosto, quando ela começou a se aproximar das vizinhas e contou que estava grávida. Ela teria dito a elas que procurou atendimento no posto de saúde, que teria sido negado, pois sua gestação já estaria no quarto mês.
Uma vizinha diz que desconfiou da gravidez por três razões. A primeira, porque, segundo ela, Joseane não tinha barriga de gestante, apenas aparentava estar acima do peso. Outro ponto de questionamento foram as medicações que a mulher disse que tomava, que, em geral, são interrompidas durante a gestação.
O terceiro ponto de dúvida foi justamente a negativa da consulta que ela alegou ter recebido no posto de saúde, pois, na sequência, Joseane disse que conseguiu o pré-natal em um hospital. Nessa consulta, ela saberia com quantos meses estaria.
Ecografia e parto em casa
Na volta da consulta, a mulher mostrou uma ecografia em seu celular para as vizinhas. Em um primeiro momento, ela disse que o bebê seria uma menina, mas depois mudou a versão e disse que o marido conseguiu ver que era um menino. Ambos estavam emocionados. Segundo relato, Joseane chegou ao condomínio chorando enquanto compartilhava a notícia.
De acordo com as vizinhas, diversas vezes a mulher teria dito que gostaria de ter o filho em casa. Além disso, Joseane afirmava que seu sonho era que elas fizessem o seu parto.
No domingo, a suposta autora do crime disse às vizinhas que estava com três dedos de dilatação. Ela teria ido ao médico, que deu prazo até segunda-feira (14) – mesma data do seu aniversário – para o nascimento do suposto bebê, quando se completariam 42 semanas.
O dia do suposto nascimento
Na segunda-feira, uma vizinha foi surpreendida com uma videochamada da mulher pedindo ajuda. Ela foi até o apartamento e se deparou com a cena montada por ela. Segundo o relato, ela estava sem a parte debaixo da roupa, suja com sangue e uma placenta. O bebê estava entre as pernas dela.
Outras vizinhas foram até o apartamento para ajudar. Uma delas chamou uma ambulância. Elas contam que a mulher gritava com o bebê em seus braços.
— Ela estava com o bebê no colo e ela não queria deixar ninguém tocar no bebê. E ela apertava a criança, apertava os braços da gente. E ela gritava: "Socorro, gente, meu filho tá morto! Meu filho!" Aí daqui a um pouquinho ela se desligava, voltava: "Meu filho tá morto! Meu filho!".
Uma das mulheres disse que até tentou fazer a manobra de Heimlich e respiração boca a boca, mas o bebê aparentava já estar sem vida.
Outra vizinha relata que foi ao quarto buscar uma toalha para envolver o bebê, sem saber que o corpo da vítima estava sob a cama. No local, ela relata que havia sacolas com o nome Braian (que seria dado ao bebê) estampado, além de fraldas, roupinhas e um carrinho. Um forte cheiro de incenso pairava no ar.
A vizinha comenta que desconfiou, também, das manchas de sangue que havia no chão, pois parecia sangue seco. A mulher, que também é mãe e teve filhos em casa, diz que suspeitou da forma como a placenta estava disposta em Joseane, e diz que não aparentava ter ocorrido um parto ali.
Comunidade em choque
Os moradores do condomínio ficaram chocados ao saber da história. A primeira vizinha que ajudou Joseane conta que ficou atônita quando a polícia bateu em sua porta. Todos dizem que acreditavam na gravidez.
Algumas moradoras receberam mensagens de Joseane ainda do hospital e se solidarizaram pela perda do suposto filho. Uma das vizinhas diz que, inclusive, deixava os filhos dormirem no apartamento do casal. Eles afirmam que o local sempre foi pacífico e que eles jamais imaginaram o que estava acontecendo.
Investigação
Joseane foi presa em flagrante na noite de terça-feira (15), em um hospital de Porto Alegre, sob a suspeita de matar Paula. A polícia solicitou a prisão preventiva da suspeita nesta quarta-feira.
Durante a perícia foi constatado que o corpo da vítima estava embaixo da cama, embalado em cobertores e sacos plásticos. A suspeita já havia limpado o quarto onde o corpo estava, de modo que quem foi ao local, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) não teria como perceber de imediato que havia um corpo escondido ali.
A vítima apresentou duas lesões na cabeça e uma no abdômen. O feto não tinha nenhum sinal de violência externa.
A mulher apontada como assassina tinha remédios para depressão em casa. Segundo a investigação, no decorrer do inquérito pode ser solicitada uma análise de insanidade mental.
De acordo com a vizinhança, Joseane tem dois filhos adultos, que eram adotados. Eles já não viviam com ela.
A polícia ainda investiga a participação do marido da presa no crime. Não há indícios até o momento de que ele soubesse sobre o plano ou que teria participado do homicídio. O homem já foi ouvido pela polícia.