Obsessão nunca será amor.
Testemunhamos um dos casos mais cruéis e inverossímeis na história policial gaúcha.
A fixação de uma mulher em querer um filho resultou num dos homicídios mais assustadores de Porto Alegre. Nenhum enredo de Stephen King admitiria tal quebra nas regras de humanidade.
Trata-se de uma mulher de 42 anos que está sendo investigada por matar uma grávida para roubar o bebê. Foi presa em flagrante na noite de terça-feira (15), em um hospital da Capital. Segurava um feto ensanguentado nas mãos, e médicos constataram que não havia indícios de gravidez recente.
O pequeno menino, de 46 cm e 2,1 quilos, não resistiu, e morreu.
A suspeita sonhava em engravidar e, nas últimas semanas, simulou uma gravidez para familiares e conhecidos, com o intuito de justificar o surgimento de um bebê em sua vida.
Na segunda-feira (14), no bairro Mario Quintana, viria a acontecer a armadilha insidiosa. Convidou uma amiga grávida de oito meses e 25 dias, de 25 anos, para ir a sua casa sob a promessa de que desejava entregar brinquedos e itens de enxoval. No local, de acordo com apuração inicial da polícia, a mulher teria matado a amiga grávida e roubado o feto de nove meses. Ou seja, usou como isca a generosidade, um encontro com aparentes boas intenções, para consumar a emboscada.
A investigada estava de aniversário, e gostaria, numa abominável ilusão, de realizar um parto no mesmo dia. Não mediria esforços para atingir seu objetivo.
Em vez de celebrar seu nascimento, com torta e velas, dentro do que se espera da normalidade, investiu com inveja assassina contra a amiga. Não dá para compreender os detalhes. Não dá para imaginar o ritual macabro.
Não consistiu num furto de uma criança, mas na morte de uma gestante com a extração violenta do seu filho. O feto foi roubado do ventre, após o óbito da mãe.
Existe um alto grau de alucinação, pois a suspeita acreditava piamente que o hospital aceitaria a sua versão, sem pé nem cabeça, de que havia dado à luz sozinha, e que jamais seria examinada.
O diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado Mario Souza, destaca a exceção da tragédia:
— Trabalhamos com a preocupação de reduzir os homicídios, combater o crime organizado. É o nosso dia a dia. Quando nos deparamos com uma situação dessas, ficamos chocados. É um caso cruel e absolutamente violento. Nunca vi nada parecido em minha carreira. Totalmente fora da curva.
Não temos todas as informações da apuração em andamento pelas autoridades. Mas percebo, desde já, uma perversidade misteriosa no episódio, como se a investigada procurasse pegar emprestada a existência da outra, simplesmente trocar de papel, substituí-la a qualquer custo. Predomina um aspecto doentio de transferência de personalidade, de clonagem psicológica.
É uma nova modalidade de crime, a gerar pesadelos e nos tirar o sono, em que o direito sagrado da maternidade é vilipendiado.
Não calculo onde vamos parar. São aberrações que não podem ser admitidas. Parece bem mais do que um duplo homicídio, evidenciando uma patologia comportamental de cobiçar aquilo que o outro é, mais do que aquilo que ele tem. De arrancar à força a realidade dos sonhos. De esvaziar uma trajetória para tomar o seu lugar.
Faltava muito pouco para a gestação da vítima. Faltavam alguns dias para a mãe aninhar seu bebê no colo. Ninguém era capaz, até hoje, de conceber tal monstruosidade.