Quando ingressaram na casa verde da Rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo, na manhã de quarta-feira (23), policiais depararam com um cenário de guerra. Por todos os lados, as paredes estavam repletas de perfurações por disparos de arma de fogo. Era o resultado de uma ação de mais de nove horas de tentativa de conter um atirador, munido com um arsenal e refugiado dentro da moradia.
Em um dos cômodos no andar superior, encontraram o corpo de Edson Fernando Crippa, 45 anos, caído de bruços. No braço direito, ele tinha um torniquete, usado para o estancamento de hemorragias. O próprio atirador havia aplicado o dispositivo médico, após ser baleado enquanto disparava contra as guarnições.
Foi deste local que ele atirou por uma janela centenas de vezes contra quem tentava se aproximar da residência. Sempre que os policiais tentavam algum contato, eram recebidos a bala. O resultado da empreitada criminosa inesperada foram quatro mortos — dois soldados da Brigada Militar, o pai e um irmão do atirador — além de oito feridos.
Os policiais encontraram duas pistolas na cintura do atirador, uma carabina, que ele segurava, e outra espingarda. Crippa possuía armamento registrado tanto na Polícia Federal quanto no Exército. Dentro da casa, havia ainda 300 munições intactas, além de estoque de água e bebida isotônica — o que levanta a suspeita de que ele pudesse ter planejado algum tipo de ação e pretendia ficar abrigado na casa.
Para fazer os resgates dos baleados e, por fim, ingressar na residência, os policiais dispararam repetidas vezes contra o criminoso, usando fuzis e submetralhadoras, numa técnica militar chamada de “saturação de fogo”. Foram três incursões realizadas pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) e pelo Batalhão de Choque, nos quais eram efetuados disparos constantes contra a casa, enquanto as tropas avançavam pelo pátio.
Na primeira, foram retirados os policiais feridos, na segunda, o corpo do soldado Éverton Kirsch Júnior, 31 anos, e na terceira, os familiares do atirador, que estavam abrigados em uma garagem em andar inferior. Além do pai e do irmão, que acabaram morrendo, ficaram feridas a tiros a mãe e uma cunhada. Os policiais usaram escudos balísticos e capacetes para poder entrar no local.
— A progressão para um local abrigado se dá com cobertura de fogo, quando tu tem um oponente que está frequentemente atirando contra ti. E foi o que foi feito ali. O atirador efetuava vários disparos contra os policiais. Os dois primeiros foram baleados porque foram surpreendidos por ele enquanto conversavam com os familiares. São os dois que ele atirou na cabeça — explica o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli.
Maus-tratos
Os dois soldados que fizeram o primeiro atendimento, após serem acionados pelo pai do atirador, chegaram ao local pensando se tratar de outro tipo de caso. Um dos PMs chegou a iniciar o registro da ocorrência de maus-tratos pelo sistema online da Brigada Militar. Isso aconteceu antes de eles serem surpreendidos pelos disparos. Além do soldado Kirsch, foi alvejado na cabeça o soldado Rodrigo Weber Volz, 31 anos, que chegou a ficar hospitalizado em estado gravíssimo, e morreu nesta quinta-feira (24).
— Os dois policiais, já baleados, conseguiram dar alguns passos para trás, sacaram a arma e desfaleceram no pátio. Enquanto os familiares ficaram na garagem, também feridos — descreve o comandante da BM.
Reforços
Na sequência, um agente da Guarda Municipal tentou ingressar no pátio para socorrer os PMs e foi baleado três vezes. Logo depois, outra viatura da BM chegou ao local e mais três policiais foram baleados. Os policiais do Bope e do Batalhão de Choque passaram a atuar na ocorrência no início da madrugada.
Em uma das incursões, um soldado do Bope foi alvejado de raspão e o comandante do Bope, tenente-coronel Felipe Costa Santos Rocha, pensou ter sido atingido somente por estilhaços e um disparo de raspão na mão.
— Eles seguiram na ocorrência até o desfecho. Ontem à noite, a mão do comandante do Bope começou a inchar. Até então, ele pensava que tinha sido somente um disparo de raspão, e ele foi surpreendido com um projétil de 380 dentro dela. Era o calibre usado pelo atirador. A BM não usa esse calibre. Esse camarada, mesmo com cobertura de fogo, continuava atirando — explica Feoli.
Ao todo, cerca de 60 policiais militares se envolveram na ação, na tentativa de conter os ataques.
No início da manhã, quando os disparos haviam cessado, os policiais usaram um drone que adentrou a casa. Foi ali que concluíram que o atirador estava desacordado. Não havia certeza até aquele momento de que ele estivesse morto.
Os PMs fizeram então uma última incursão para ingressar na residência. Usaram bombas de gás lacrimogêneo, criando uma cortina de fumaça. Foi quando encontraram o corpo de Crippa. A polícia ainda não sabe ao certo em que momento ele morreu, mas acredita que ele tenha sido baleado durante uma das incursões.
— Em 34 anos de Brigada Militar, é a primeira vez que vejo algo assim — diz o comandante.
Crippa, segundo a polícia, já havia sido internado quatro vezes por esquizofrenia. A Polícia Federal solicitou investigação sobre o exame psicotécnico que atestou capacidade para posse de arma por parte do atirador.
Cronologia
Ligação ao 190
Por volta das 22h30min da terça-feira (22), o aposentado Eugênio Crippa, 74 anos, liga para o 190 da Brigada Militar. Alega que ele e a esposa estão sendo intimidados pelo filho Edson Fernando Crippa, 45 anos. Uma guarnição da BM é despachada para atender a ocorrência.
Atirador surpreende policiais
Dois soldados chegam à residência, na Rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco. Encontram a família no pátio da moradia, onde iniciam o atendimento da ocorrência. Durante o registro, Edson saca a arma da cintura e dispara contra a cabeça do soldado Everton Ranieri Kirsch Júnior, 31 anos, que cai morto no pátio. O outro soldado, Rodrigo Weber Volz, 31, também é alvejado na cabeça. Na sequência, Crippa atira contra o pai, Eugênio, a mãe, Cleris, 70, o irmão, Everton, 49, e a cunhada, Priscilla, 41.
Reforços e troca de tiros
Uma guarnição da Guarda Municipal chega ao local e um dos servidores é baleado. Os reforços seguem chegando e outros três PMs são alvejados.
O Bope e o Batalhão de Choque chegam à residência por volta de 0h30min e iniciam o resgate dos policiais feridos, com uso de escudos. Na sequência, fazem a retirada do corpo do soldado que está no pátio. E, por fim, retiram os familiares de Crippa feridos.
Edson Crippa se posiciona numa janela do andar superior da residência e segue disparando contra as guarnições.
Dois policiais do Bope são feridos: um soldado é alvejado com um tiro de raspão na cabeça, e o comandante do Bope, tenente-coronel Felipe Costa Santos Rocha, é atingido por estilhaços também na cabeça, mas sem gravidade, e um tiro na mão.
Drones abatidos
Dois drones usados para monitorar a situação na casa, um da BM e outro da Guarda Municipal, são abatidos com disparos pelo atirador. Os confrontos seguem ao longo da madrugada, um deles às 3h30min, e outro próximo das 6h.
Atirador morto
Os policiais usam um drone pra verificar a situação na casa e constatam que o atirador está desacordado. Às 8h30min, o Bope faz uso de bombas de gás e ingressa na casa, protegido por escudos. O cenário dentro da casa é de guerra. Após nove horas do início dos confrontos, o corpo do atirador é localizado no andar superior. Dentro da residência, são encontradas 300 munições.