Moradora de Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, Paola Dornelles da Silveira, 23 anos, seria frequentemente questionada pelo seu ex-companheiro sobre suas atividades e localização. Túlio Alves Silveira, 28 anos, exigiria que a mulher, com quem teve um relacionamento de 12 anos, desse satisfações sobre sua rotina. Desconfiado de que a ex pudesse o estar enganando, o homem teria começado a persegui-la.
Paola relatou isso em uma ocorrência junto à Polícia Civil. Segundo ela, Túlio teria tirado fotos dela e de seu carro, para provar que estaria “de olho nela”.
Ele foi preso em flagrante pelo crime de perseguição, ou, em inglês, stalking. Porém, foi solto horas depois em audiência de custódia, pois, segundo o Tribunal de Justiça, não havia requerimento para uma prisão preventiva.
Seis dias depois, o homem perseguiria a ex-companheira no trajeto para o trabalho pela última vez. No dia 21 de agosto, ele abordou Paola e atirou duas vezes contra ela.
O stalking, que Túlio teria praticado contra a ex-companheira nos dias que antecederam o feminicídio, passou a ser considerado crime em março de 2021.
A Lei 14.132/2021 define a prática como “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”
Intimidação e assédio
Raquel Sparemberger, professora da Faculdade de Direto do Ministério Público, explica que o stalking é uma conduta de perseguição, "onde o agente, com o intuito de amedrontar a vítima, segue um padrão de assédio dirigido a ela”.
A especialista dá exemplos de ações que fazem parte do padrão de comportamento de um stalker:
- Enviar mensagens de texto indesejadas.
- Fazer ligações telefônicas incessantemente.
- Aparecer ou esperar no local de trabalho.
- Deixar presentes indesejados do lado de fora da porta ou no carro.
- Passar de carro pela casa a qualquer hora.
- Danificar o carro ou outra propriedade da vítima.
- Postar mensagens cruéis ou falsas nas redes sociais.
- Postar fotos íntimas ou declarações falsas para atingir a reputação da vítima.
- Forçar uma aproximação ou uma conversa indesejada.
Raquel diz que algumas dessas atitudes podem parecer inofensivas individualmente, mas quando realizadas de forma constante e intrusiva, a ponto de afetar a privacidade e o bem-estar da vítima, caracterizam o crime de stalking:
— A vítima passa a ter receio de desenvolver suas atividades corriqueiras, com medo de que seja prejudicada pelo perseguidor.
A pessoa te segue, te persegue. Tenta fazer parte da tua vida e viver uma realidade que não é a dela.
RAQUEL SPAREMBERGER
Professora de Direito
Crime afeta mais mulheres
Gabriela Souza, advogada e sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, argumenta que não se deve menosprezar o perigo deste crime, principalmente quando cometido contra mulheres:
— Existe uma ideia de que o stalker não se aproxima e fica observando de longe. Como um amor à moda antiga, ou que é uma coisa inofensiva. Não se percebe que na verdade é uma imposição de uma vontade de presença que, quando negada, pode levar a um feminicídio.
Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, mulheres são vítimas de 84% das denúncias de stalking recebidas pelo Disque 100 e Disque 180. Destes relatos, 76% têm homens como autores do crime.
O stalking é uma incapacidade de ouvir um não, de respeitar a vontade da vítima
GABRIELA SOUZA
Advogada
A pena para quem for condenado por esse crime vai de seis meses a dois anos de prisão, além de multa. A punição é aumentada se o crime tiver sido contra mulher por razões da condição do sexo feminino.
Crescimento
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado este ano mostram crescimento do número de casos. Confira:
- O crime de stalking no país aumentou 34,5% de 2022 a 2023. Dentro dos crimes de violência contra as mulheres, foi a tipificação que mais cresceu.
- Em três anos, ou seja, desde que perseguição virou crime, os casos somam mais de 9 mil ocorrências no Rio Grande do Sul.
- Em 2023, o Estado foi o terceiro no país em números de denúncias de stalking, com 6.569 registros. Atrás apenas de São Paulo (25.510) e Paraná (7.004).
Como pedir ajuda
Brigada Militar — 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, há duas Delegacias da Mulher. Uma fica na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- A outra fica entre as zonas Leste e Norte, na Rua Tenente Ary Tarrago, 685, no Morro Santana. A repartição funciona de segunda a sexta, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h.
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas — Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública — Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado.
* Produção: Camila Mendes