Correção: as quatro Decrabs ficam em Bagé, Alegrete, Camaquã e Cruz Alta, e não em Bagé, Alegrete, Camaquã e Santo Ângelo como publicado entre 22h de sábado (29) e 13h40min deste domingo (30). O texto já foi corrigido.
As noites de lua cheia e vésperas de feriado costumavam proporcionar momentos de tensão à família da produtora rural Antônia Scalzilli. Proprietária de uma fazenda na cidade de Cacequi, na Região Central, ela conta que inúmeras vezes o local foi alvo de abigeato — roubo ou furto de gado.
Antônia explica que a luminosidade da lua melhora a visibilidade no campo, facilitando a atuação dos criminosos. Já nas vésperas de feriado, os saqueadores costumam furtar gado para o preparo de churrasco nas festividades.
— Tínhamos cerca elétrica em uma lateral e eles sempre cortavam durante a madrugada. Algumas vezes, carneavam os animais e levavam a carne, outras vezes, vinham a cavalo e levavam os animais de caminhão — lembra a produtora.
Histórias como a de Antônia são recorrentes nas regiões fronteiriças do RS. Com a implementação de esforços integrados das forças de segurança, os números desse tipo de crime vêm diminuindo ano após ano. Entre 2023 e 2024, os casos de abigeato caíram 30% no Estado. Ainda assim, há uma média de oito casos registrados todos os dias no RS.
Antônia Scalzilli conta que a casa da sua propriedade fica a cerca de cinco quilômetros do rebanho, o que dificulta a percepção da presença dos criminosos, principalmente à noite. Além disso, ela pontua que em muitas localidades o acesso à internet e o sinal de telefonia móvel são restritos, o que inviabiliza o contato com as autoridades.
A produtora, que hoje é presidente do Instituto Desenvolve Pecuária e já integrou a Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), conta que em 2013 passou a integrar o comitê de combate ao abigeato do governo do Estado. Segundo ela, foi montada uma força-tarefa e o que se observou foi que os ataques às propriedades rurais não eram casos isolados, mas uma prática sistemática. Desde então, ela vem acompanhando as mobilizações em defesa dos produtores junto às forças de segurança pública e apresentando demandas às autoridades.
Operação Boi Garantido
No dia 21 de junho, a Polícia Civil deflagrou a Operação Boi Garantido, com foco na repressão ao abigeato na Fronteira Oeste. Na ofensiva, foram cumpridas 14 ordens judiciais, entre mandados de busca e apreensão, prisão e sequestro de bens utilizados nos crimes, em Uruguaiana, Itaqui e Quaraí.
As investigações tratam de crimes cometidos em Uruguaiana, Itaqui, São Borja e Quaraí. A operação contou com a participação de 65 policiais. Seis suspeitos foram presos, dois deles preventivamente. Quatro foram detidos em flagrante por posse irregular de arma de fogo e munição. Os nomes deles não foram divulgados pela polícia. Foram apreendidas 10 armas, munições, um caminhão e mais de R$ 4 mil em espécie.
Segundo a polícia, os presos eram trabalhadores das propriedades locais, com conhecimento da área e da rotina do campo. Desde janeiro, quando as investigações tiveram início, foram apurados os furtos de 120 bovinos e 300 de ovinos. O prejuízo causado aos produtores é estimado em mais de R$ 600 mil.
Os policiais apuraram que os suspeitos tanto realizavam as carneadas — abate do gado no próprio local — quanto levavam os animais vivos para outros locais. Em alguns casos, eram usados veículos. Em outros, os animais eram levados para locais diferentes onde eram embarcados em caminhões.
Titular da 2ª Decrab, de Alegrete, que abrange 42 municípios da Fronteira Oeste, o delegado Ewerton Melo pontua que dois presos na operação têm vasta ficha criminal. Conforme o policial, ambos já são conhecidos na região pela prática deste tipo de crime.
— Além das rondas ostensivas, visitas às propriedades rurais e conversas com as vítimas, nosso principal mecanismo são as prisões dos líderes desses grupos criminosos. Esses dois indivíduos recebiam informações privilegiadas que eram pagas ou com gado ou com dinheiro a pessoas que trabalhavam nas fazendas — esclarece o delegado.
Também participaram da operação a delegada Regional Daniela Borba, o delegado Ericson Mota, titular da DP de Itaqui, além do tenente-coronel Laerte e capitã Amanda, ambos do da Patrulha Rural do 1º Batalhão de Policiamento de Área de Fronteira (1ºBPAF).
Delegacias especializadas
A Polícia Civil aposta no combate ao furto de gado por meio das Delegacias de Polícia Especializadas na Repressão aos Crimes Rurais e Abigeato (Decrabs). A primeira delas foi inaugurada em Bagé, na Campanha, em abril de 2018. Atualmente, existem quatro em atividade — em Bagé, Alegrete, Camaquã e Cruz Alta.
Na Expointer do ano passado, o governador Eduardo Leite prometeu a instalação de mais três Decrabs em pontos estratégicos, sendo uma em Osório, no Litoral Norte, uma em Santa Maria, na Região Central e outra em Vacaria, na Serra.
Questionada sobre a promessa dessas novas unidades, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-RS) informou que as novas Delegacias de Polícia Especializadas na Repressão aos Crimes Rurais e Abigeato (Decrabs) estão em fase de implantação sem data para inauguração.
Uma década em queda
Os casos de abigeato no RS tiveram queda de 58% na última década, se comparados os primeiros cinco meses do ano. De janeiro a maio de 2014, o Estado havia somado 2.820 casos, enquanto no mesmo período em 2024 foram 1.187 registros, o menor índice dos últimos 10 anos.
O subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Douglas da Rosa Soares, ressalta a importância das operações de patrulhamento rural realizadas, principalmente, nas áreas de risco. Ele também destaca o papel das ofensivas integradas entre forças do Estado e da União, como a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
— A instituição vem investindo em veículos adaptados, como picapes 4x4, em capacitação e na infraestrutura de radiocomunicação. Está em andamento a instalação de antenas para garantir que os rádios que usamos funcionem em longas distâncias com recurso de R$ 130 milhões na instalação de equipamentos para a melhoria da radiocomunicação em diferentes pontos do Estado. Estamos expandindo a metodologia que vem sendo usada na linha de fronteira para o restante do Estado — diz Soares.
Vigilância permanente
O subcomandante acredita que os investimentos tecnológicos da BM estejam fortalecendo e recuperando a crença dos produtores rurais no poder público, uma vez que os indicadores de abigeato vêm caindo. Outra aposta da BM é a operação permanente Agro-Hórus, que teve início em julho de 2022 e abrange 137 municípios entre Tiradentes do Sul, no Noroeste, até o Chuí, no sul do Estado, combatendo os chamados crimes transfronteiriços, como contrabando, descaminho, furto, roubo de veículos ou cargas, furtos de máquinas, transporte de cargas perigosas ou tráfico de animais, dentre outros.
— A gente teve importantes resultados. Essa operação ocorre todos os meses. A gente faz muitas barreiras que acabam pegando de tudo: armas drogas, foragidos, animais sem a procedência devida. Trabalhamos com base em evidências, com dados extraídos da Secretaria de Agricultura que indicaram que esses municípios eram os que tinham mais casos de furto e de abigeato. Em Uruguaiana, já tivemos mais de 300 casos em um ano — diz o oficial.
Números da Agro-Hórus*
Média de abordagens por dia
- 194 pessoas
- 138 veículos fiscalizados
- 4 estabelecimentos
- 10 propriedades rurais
Total de abordagens
- 354 embarcações
- 2.519 pessoas presas
- 410 foragidos capturados
- R$ 1,1 milhão em dinheiro apreendido
- 11 máquinas agrícolas recuperadas
- 12.149 propriedades rurais visitadas
- 91 toneladas de carne
- 74.299 litros de agrotóxicos
- 1.158 toneladas de grãos
- 507 armas
*Dados da Brigada Militar de julho de 2022 a maio de 2024.
Municípios com mais casos em 2024
- Santana do Livramento: 50
- Rio Grande: 43
- Bagé: 36
- Alegrete: 34
- São Pedro do Sul: 34
- Uruguaiana: 32
Fonte: Brigada Militar.
Como denunciar
Casos de abigeato podem ser denunciados pelo WhatsApp ou Telegram pelo (51) 98444-0606, pela Delegacia de Polícia Online do Agro (Agrodol), ou pelo 0800 642 0121. Também é possível acionar a Brigada Militar pelo 190.