A operação da Polícia Civil que resultou na prisão de cinco pessoas envolvidas em fraudes de documentos de automóveis - incluindo entre os presos um servidor graduado do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) - esbarrou num esquema que não se limita a veículos irregulares. A quadrilha desarticulada é suspeita de fraudar pelo menos 500 documentos diversos, envolvendo, além de carros, golpes com sites de vendas, com empréstimos, com aluguéis e confecção de identidades falsas para foragidos.
A Operação Kynos, da 1ª Delegacia de Combate à Corrupção (Decor) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil, prendeu na terça-feira (16) envolvidos na adulteração de documentos de veículos para revenda. Entre os presos está Diógenes Grubel Kleinubing, chefe da Seção de Depósitos do Detran (que abrange os 152 Centros de Remoção e Depósito de veículos apreendidos existentes no RS) e funcionário público de carreira. Outros alvos são o dono de um depósito de peças (CDV) credenciado pelo Detran, um despachante, um falsário e vendedores de carros.
O servidor graduado do Detran teve a senha usada várias vezes para pesquisar veículos que acabaram com dados adulterados. Até existe possibilidade de que ela tenha sido usada sem conhecimento de Diógenes, mas os policiais detectaram também mensagens com prints de dados veiculares enviadas por ele para outros envolvidos no esquema, que também são alvo da operação.
Dois dos alvos da Operação Kynos, o falsificador (que já estava preso, mas continuava agindo de dentro da Penitenciária Estadual do Jacuí) e um vendedor de carros, já foram alvo da Polícia Civil na Operação Gravataí Papers II, desencadeada em julho de 2022. A quadrilha, ligada à maior facção criminosa de Porto Alegre, trabalhava com falsificações para lavar o dinheiro oriundo do narcotráfico e de roubos. Eles adulteravam diversos tipos de documentos, usando inclusive nomes de inocentes para fazer empréstimos, identidades falsas e contratos de locação. Das 500 fraudes, pelo menos 200 envolveriam automóveis.
Conforme investigação da Delegacia de Polícia de Investigação de Crimes Carcerários (Dicar) da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), os criminosos chegaram a forjar assinaturas para conseguir liberar veículos apreendidos que estavam confiscados em depósitos do Detran. O delegado Marco Souza, da Core, confirma que servidores públicos (inclusive das polícias Civil e Militar) tiveram senhas utilizadas pelo grupo investigado na Gravataí Papers II. Auditoria comprovou que os acessos aos computadores foram usados sem conhecimento dos funcionários, por ação de hackers ou por descuido dos servidores no manuseio do computador.
A mesma investigação de Gravataí esbarrou no uso da senha do servidor graduado do Detran (Diógenes) e o caso foi repassado para a delegacia que investiga corrupção, a Decor, e para a Corregedoria do Detran. Contra esse funcionário existem outros indícios, como trocas de mensagens, o que acabou resultando na sua prisão preventiva. Uma das metas dos policiais, agora, é checar o tamanho do golpe usado pela quadrilha.
Em 2019 o uso de senhas do Detran já tinha sido detectado. Investigação descobriu que a senha de um servidor foi usada por dois criminosos (um deles, ex-empregado num Centro de Registro de Veículos Automotores) para adulterar cadastros de 322 veículos. Em alguns casos, os criminosos transferiram a propriedade dos carros para seu nome. Em outros, adulteravam numeração do chassis para clonagem de automóveis. E também adulteravam dados para que veículos deixassem de pagar multas e licenciamentos.
Apoio a servidor preso
Colegas de setor de Diógenes Kleinubing, da Divisão de Depósitos do Detran, lançaram nas redes sociais uma nota em solidariedade a ele. Eles reproduzem relatos de que ele é "uma pessoa trabalhadora e correta" e ressaltam não acreditar o servidor possa estar envolvido em alguma irregularidade. "Esperamos que os fatos sejam todos esclarecidos, que os culpados sejam severamente punidos, e que, caso seja comprovada a inocência do colega Diógenes, que tenha espaço e divulgação na recuperação da sua imagem (da sua honra) e dos servidores do Detran", conclui a nota, também enviada a GZH.
Procurado pela reportagem, o advogado de Diógenes Kleinubing, Ananias Rodrigues, afirmou que aguarda ter acesso à integralidade das informações sobre os procedimentos policiais para se manifestar sobre o caso.