A Polícia Civil cumpre uma série de mandados de busca, apreensão e prisão contra pessoas suspeitas de adulterar dados de veículos para revendê-los, inclusive com ações em outros Estados. A operação deflagrada nesta terça-feira (16), denominada Kynos, é feita pela 1ª Delegacia de Combate à Corrupção (Decor) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). A ação conta com apoio e investigação compartilhada pela Corregedoria do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS).
É que entre os presos está um servidor do Detran, cuja senha foi utilizada por uma quadrilha especializada em fraudes envolvendo documentação veicular. A investigação constatou falsificações de documentos públicos e particulares, clonagem de veículos e estelionatos de vários tipos, praticados por uma facção criminosa com base em Porto Alegre. No caso do funcionário do Detran, o crime principal é a violação de sigilo funcional. A suspeita é de que ele tenha fornecido informações privilegiadas à quadrilha.
Os policiais não revelam os nomes das pessoas que foram alvo da ação, mas a reportagem descobriu que o servidor do Detran que foi preso preventivamente é Diógenes Grubel Kleinubing, chefe da Seção de Depósitos (que abrange os Centros de Remoção e Depósito de veículos apreendidos) e funcionário público de carreira.
A partir dos interrogatórios, os policiais querem descobrir se o próprio servidor usou sua senha ou se ela foi emprestada (ou pirateada por outras pessoas).
São sete ordens judiciais de busca e apreensão em residências e endereços profissionais de investigados, em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Um dos mandados é cumprido na sede do Detran (Rua Washington Luiz, 904, centro da Capital). O número de ordens de prisão não foi revelado, para não prejudicar as investigações. Uma das prisões atinge um homem que já está preso, na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ). Ele é apontado como falsificador, especializado em clonar veículos. Outros quatro alvos da operação desta terça-feira estão envolvidos na venda de carros e de peças na Região Metropolitana, todos com antecedentes criminais. Um deles foi preso no aeroporto de Fortaleza (CE), pela Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Draco) da Polícia Civil daquele Estado, a pedido da Polícia Civil gaúcha. Ele é investigado por lavagem de dinheiro.
A suspeita é que esses criminosos tenham convencido o funcionário do Detran a "esquentar" (legalizar) veículos em situação irregular, providenciando dados com uso de senhas de acesso restrito ao departamento que fiscaliza o trânsito no Rio Grande do Sul.
Conforme o delegado Max Otto Ritter, da Decor, as investigações tiveram início a partir dos desdobramentos da Operação Gravataí Papers II, desencadeada pela Delegacia de Polícia de Repressão dos Crimes Carcerários em 2022. Na ocasião, os policiais civis prenderam 11 pessoas envolvidas em falsificações e estelionatos contra mais de 200 vítimas. Entre os golpes estava o anúncio de carros à venda, em sites, por preços abaixo dos praticados no mercado. Só que toda a documentação do veículo era falsificada. Quando a vítima ia retirar o automóvel, descobria que era roubado ou furtado e que os documentos tinham sido adulterados.
A investigação
A Delegacia de Repressão a Crimes Carcerários descobriu possível envolvimento de funcionário público naquele caso e compartilhou provas com a 1ª Decor. A partir das ações desencadeadas nesta manhã, serão realizados os interrogatórios e a análise dos objetos apreendidos, com o objetivo de se comprovar a materialidade dos crimes e os indícios de autoria dos integrantes da organização criminosa investigada.
Outras duas operações realizadas pelo Deic também envolveram delitos dos quais o Detran foi vítima. Uma delas, a Hot Stamp (de 2018), foi deflagrada em 37 municípios gaúchos e reprimiu a confecção de laudos de capacidade técnica fraudulentos em favor de, ao menos, 55 empresas interessadas em se credenciar junto ao Detran para a emissão de placas veiculares no novo padrão adotado pelo Mercosul. A outra operação, Transitório (de 2019), descobriu quase mil procedimentos realizados no Sistema Informatizado do Detran/RS que propiciaram inclusão, alteração e transferência irregular de veículos. Entre as irregularidades estão mudanças de numerações de chassis, reativações de veículos baixados (inabilitados), alterações de números de motor e Renavam, liberações para uso de diesel, liberações de restrições administrativas e até transferências de veículos de pessoas falecidas. Isso era feito mediante uso de senha de servidor do Detran.
O que diz o Detran
"A autarquia distribuiu nota oficial a respeito da prisão do servidor: "Na manhã desta terça-feira (16/04), a Polícia Civil realizou uma operação de combate à fraude em documentos veiculares por solicitação do próprio Departamento Estadual de Trânsito, o qual está contribuindo com todas as informações necessárias. Durante as diligências, foi averiguado que os suspeitos utilizavam as informações privilegiadas para a prática de falsificações, clonagem e a prática de crime de estelionato. Conforme o Chefe de Polícia, Delegado Fernando Sodré, o Detran está colaborando de forma célere efetiva com o trabalho da Polícia. “O Detran-RS é uma vítima, tendo as investigações sido iniciadas por conta da Corregedoria do Detran que está nos auxiliando nas investigações”, ressaltou o Chefe. Até o momento, são cumpridos seis mandados de prisão e oito ordens judiciais de busca e apreensão nas residências e endereços profissionais dos investigados, situados em Porto Alegre e na região Metropolitana, bem como em desmanche credenciado do Detran."