No ano passado, 44% dos homicídios ocorridos em Porto Alegre aconteceram na Zona Norte — 112 dos 253 assassinatos. Por trás dessas execuções, segundo a polícia, estavam conflitos que envolvem disputas de poder do crime organizado. No último sábado (2), a Polícia Civil conseguiu desvendar o paradeiro de um dos líderes do tráfico apontado como um dos responsáveis por essa onda de violência. Luís Guilherme Dias da Silva, o LG, 31 anos, foi preso pela equipe do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) em Torres, no Litoral Norte.
A ofensiva, chamada de Operação Ultima Captis, que resultaria na prisão de LG se iniciou bem antes. Havia pouco mais de um ano que a polícia tentava rastrear o paradeiro dele. Em dezembro de 2022, quando deveria ter recebido uma tornozeleira eletrônica, ao progredir para o regime semiaberto, o condenado não se apresentou. Passou então a ser considerado foragido.
Responsável por comandar, segundo a polícia, o tráfico de drogas na área da Vila Timbaúva, no bairro Rubem Berta, LG estaria por trás de um conflito que se iniciou em 2022. Essas disputas teriam desencadeado cerca de 50 homicídios na Zona Norte.
Na semana passada, a polícia descobriu que um homem, que atuaria como segurança de LG estava de volta ao Rio Grande do Sul. O suspeito foi preso em Gravataí, na Região Metropolitana, na casa de familiares, com duas pistolas. Os investigadores já sabiam que LG também costumava permanecer próximo da família. Os policias seguiram buscando o paradeiro do foragido, até obter uma informação de que ele estaria em Torres – a cerca de 190 quilômetros da Capital.
Após mapearem o endereço, os policiais passaram a madrugada do último sábado monitorando a residência. O local havia sido alugado por meio de aplicativo para o veraneio.
— Precisávamos ter certeza de que era ele que estava na casa — explica o delegado Daniel Queiroz, da 5ª Delegacia de Homicídios.
Ao amanhecer, uma mulher, identificada como a companheira do foragido, saiu em frente a casa, mas polícia ainda não tinha certeza de que ele estava ali. Pouco depois, LG apareceu na varanda, e foi reconhecido pelos agentes.
— Foi complicado. Tinha várias rotas de fuga. Uma residência bem grande, bem ampla. Os agentes tiveram que fazer uma ação bem pontual — afirmou Queiroz.
Ao perceber a movimentação dos policiais, ele chegou a fechar a porta da sacada, mas desistiu quando a equipe ingressou no local.
— Perdi, perdi — gritou e se entregou.
O conflito
Segundo a polícia, LG estaria no epicentro de um conflito na zona norte de Porto Alegre, que resultou em cerca de 50 homicídios entre os anos de 2022 e 2023. Até o momento, segundo a polícia, ele foi indiciado em 13 inquéritos de homicídios, mas segue sendo investigado. As mortes ocorreram durante as disputas pelo tráfico de drogas. Essa desavença entre lideranças do tráfico teria iniciado bem antes.
No ano de 2017, LG, segundo a polícia, era uma das lideranças da facção criminosa na qual atua, mas era subordinado a outros dois criminosos – um deles seria o chefe principal da organização. Os dois, no entanto, foram transferidos para penitenciárias federais, deixando LG responsável pelo gerenciamento da facção. Quatro anos depois, em 2021, quando um dos líderes retornou do sistema federal, LG teria se negado a devolver a liderança, segundo a polícia.
Depois disso, teria se tornado responsável por dominar aquela região, desencadeando um conflito que resultou em série de homicídios. Em julho de 2022, um dos antigos chefes de LG no crime, visando reaver o que tinha, teria determinado a morte do irmão dele, em Santa Catarina. Esse crime intensificou ainda mais a onda de assassinatos na Capital.
Após perder o irmão, segundo a investigação da Polícia Civil, LG teria revidado orquestrando ataques em diversos pontos vinculados a facção do rival. Um dos crimes pelo quais LG é apontado pela polícia como mandante resultou no assassinato de quatro pessoas, entre elas uma mulher grávida. Essa chacina levou a polícia a desencadear a Operação Vendetta no ano passado. A ofensiva resultou na prisão de 12 suspeitos de serem executores da facção. Também foi determinada durante esta operação a prisão preventiva de LG, apontado como responsável por ordenar os crimes.
Enfrentamento aos homicídios
Esta é a segunda prisão de liderança ligada a homicídios em Porto Alegre nas últimas semanas. Em 22 de fevereiro, foi preso pelo DHPP em Santa Catarina Maicon Donizete Pires dos Santos, o Red Nose. Ele é suspeito de estar envolvido num conflito que gerou uma série de homicídios na Capital e na Região Metropolitana. Neste caso, segundo a polícia, o criminoso teria dado um golpe de Estado na facção da qual fazia parte.
O Secretário de Segurança Pública do Estado, Sandro Caron, afirmou que os conflitos na Zona Norte – parte deles gerados por esses dois presos – desencadearam 112 dos 253 homicídios ocorridos em Porto Alegre no ano passado.
— Essa liderança vinha causando aumento de homicídio na zona norte de Porto Alegre desde dezembro de 2022. Com essas duas prisões esperamos reduzir ainda mais os homicídios na Capital. Tem um trabalho agora que será realizado pelo DHPP que é desses 112 homicídios procurar provas de que eles foram os mandantes. Em cada um desses casos, quando se conseguir provas de que eles foram os mandantes, eles vão ser indiciados e vamos pedir a prisão deles, por cada um desses outros casos — disse.
Segundo o diretor do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza, a Zona Norte era a área na qual os homicídios seguiam ocorrendo de forma mais intensa na Capital. Em razão disso, foram tomadas uma série de medidas, que incluíam a captura das lideranças.
— Hoje temos no Estado as principais lideranças que praticamente coordenavam os ataques com mortes violentas presas. Esses dois criminosos foram os principais gatilhos para que isso acontecesse. O ciclo do Red acabou há uma semana e o do LG acaba hoje. Hoje termina esse ciclo de violência, de conflitos, na Zona Norte — enfatiza.
Com as prisões, a polícia espera que esses crimes violentos reduzam na Zona Norte. Ainda segundo o delegado, o próximo passo é a investigação de lavagem de dinheiro para descapitalizar essas organizações. Outra medida, segundo a polícia, é manter o monitoramento dessas lideranças e das organizações criminosas após as prisões.
— Nós, da segurança pública, estamos trabalhando integrados com a Brigada Militar e Polícia Penal. Temos o mapeamento dessa situação toda, e quais são as possibilidades, e nos levam a tomar decisões, pedir ao Judiciário e ajustar medidas que mantenham o isolamento (dos presos) para que eles não continuem de outra forma comandando os homicídios — afirmou o Chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré.
Contraponto
O advogado Jean Severo, que representa Luis Guilherme, nega que o cliente tenha posição de liderança no tráfico de drogas e tenha sido responsável por ordenar os homicídios.
— Luís Guilherme não possui liderança alguma e é completamente inocente das acusações que lhe são imputadas. Inclusive, ano passado foi absolvido pelo Tribunal do Júri em Porto Alegre. Com muita tranquilidade, vamos demonstrar que o acusado é mais uma vítima de perseguição por partes dos órgãos de persecução penal — disse o advogado.