Sancionada no dia 1º pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 14.717, que institui o direito a pensão especial para os filhos das vítimas de feminicídio no Brasil, ainda não gerou acesso a benefícios. O texto define que filhos e dependentes, menores de 18 anos e componentes de famílias com renda per capita mensal igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo, podem solicitar o recurso. Entretanto, a norma ainda não vigora efetivamente pela falta de regulamentação.
A nova lei trata do amparo com caráter de celeridade. O texto diz que a pensão pode ser concedida na data do óbito de mulher. Além disso, aponta que o benefício será concedido, ainda que provisoriamente e mediante requerimento, sempre que houver "fundados indícios de materialidade do feminicídio".
Conforme o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ainda não está definido se a autarquia federal irá operacionalizar os pagamentos. "No momento oportuno, as novas diretrizes serão amplamente divulgadas", informa o INSS, por meio de nota.
Para a autora do projeto que deu origem à lei, deputada federal Maria do Rosário (PT), a regulamentação que está em andamento na Casa Civil da Presidência da República, encerrará esta pendência e definirá outras disposições necessárias à aplicação efetiva da nova norma.
— Há o comprometimento dos ministérios (do Desenvolvimento e) da Assistência Social, da Mulher e da Casa Civil em definir brevemente esta regulamentação. Um dos pontos mais importantes já foi superado com encaminhamento da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que era o apontamento sobre a fonte orçamentária e a garantia da previsão de recursos para o cumprimento da lei — indica a parlamentar gaúcha.
Segundo a deputada, os valores previstos não são classificados como "indenização", mas como uma ferramenta de suporte social a vítimas que perderam a mãe em ato de violência geralmente praticado pelo pai ou pelo padrasto.
— Em 97,8% dos casos no país, as vítimas foram mortas por um companheiro atual, antigo ou outro parente. Trata-se da proteção à infância e à adolescência, pois a pensão permite suporte a familiares que irão acolher estes menores para que a extensão da família seja alternativa ao acolhimento em abrigos — descreve.
De acordo com o Laboratório de Estudos de Feminicídios da Universidade Estadual de Londrina, o Brasil teve 1.153 feminicídios entre janeiro e julho deste ano. Dados da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul indicam que ocorreram 74 casos entre janeiro e outubro de 2023.
São histórias como a de Chaiane Patrícia Proença, 25 anos, morta em Erechim na noite de 20 de outubro, tendo como principal suspeito da autoria o ex-companheiro, de 49 anos, com quem a vítima tinha dois filhos.
Para Maria do Rosário, o cenário no país permanece muito preocupante.
— O que pode impedir que esta tragédias familiares aconteçam é uma profunda mudança de cultura e comportamento, na qual os homens não tenham a ideia absurda de que as mulheres são suas propriedades — analisa.
Regra afasta agressor de usufruto indevido
A forma definida no regulamento proíbe o autor, coautor ou participante do feminicídio de representar crianças ou adolescentes no pleito e na administração da pensão especial. A redação da lei também aponta que ocorrerá o cancelamento definitivo do recebimento do benefício para criança ou adolescente que tiver sido condenado, mediante sentença com trânsito em julgado, pela prática de ato infracional análogo a crime, consumado ou tentado. Contudo, o dispositivo não se aplica a incapazes e inimputáveis.
A pensão se encerra quando o beneficiário completa 18 anos ou por seu falecimento. Se isso ocorrer, a respectiva cota será reversível aos demais beneficiários. O recebimento de benefício previdenciário não encerra a obrigação do agressor de indenizar a família da vítima.
Crimes anteriores à lei produzem direito
Em seu segundo artigo, a lei traz um dispositivo de alta relevância. Ele define que crianças e adolescentes filhos ou dependentes legais das vítimas de feminicídios ocorridos anteriormente também têm assegurado o direito de solicitar a pensão especial. Contudo, o direito não se manifesta com acesso a pagamentos retroativos à data do crime.
Os valores empregados para o pagamento das pensões deverão estar classificados na função orçamentária de Assistência Social e previstos nas leis orçamentárias anuais. De acordo com a nova lei, caso o processo judicial com trânsito em julgado defina que não houve o crime de feminicídio, o pagamento do benefício será imediatamente interrompido. Nesta hipótese, exceto por constatação de má-fé, os beneficiários não são obrigados de ressarcir os valores recebidos à União.
O texto determina que o benefício não pode ser acumulado com benefícios previdenciários de outra natureza, sejam recebidos do Regime Geral de Previdência Social, dos regimes próprios de previdência, nem de pensões ou benefícios provenientes do sistema de proteção social dos militares.
Sem demandas no Poder Judiciário federal
Por solicitação da reportagem de GZH, a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) realizou busca por informação de processos em andamento relacionados a feminicídio e pedidos de pensão por morte, constatando que ainda não há demandas judiciais sobre o tema.