O Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil gaúcha (Deic) realiza, na manhã desta terça-feira (28) ,a Operação Aposta Suja, contra lavagem de dinheiro ganho com a jogatina ilegal - sobretudo caça-níqueis e jogo do bicho. Os alvos são empresários gaúchos e catarinenses. Entre eles, familiares de João Carlos Franco Cunha, o Jonca, bicheiro morto a tiros em 2021 e um dos líderes do Grupo da Sorte, consórcio que banca a jogatina clandestina em Porto Alegre.
Segundo a polícia, os alvos da ofensiva exploram a jogatina ilegal e investem o dinheiro arrecadado em diversas atividades lícitas. Entre elas, casas lotéricas, livrarias, gráficas, restaurantes, cafeterias, empresas de marketing e compra de imóveis. Teriam também investimentos diretos na área de jogos, como aluguel de máquinas caça-níqueis e impressão de bilhetes lotéricos. Os policiais calculam que mais de R$ 50 milhões tenham sido movimentados pelos empresários, parte dos quais de forma ilegal.
A maior parte desse esquema teria começado ainda quando Jonca era vivo. De acordo com a investigação, em 2019, por exemplo, ele investiu quase R$ 15 milhões numa construtora, além de ter adquirido um apartamento de luxo.
A Polícia Civil não revela nomes, mas a reportagem apurou que os principais atingidos pela operação são a viúva de Jonca, Maria Elizabeth Chiodo Cunha, e dois filhos do bicheiro, os empresários Eduardo e Diego Cunha. Ela seria sócia de 11 empresas e seus filhos, de 10 cada um. Entre os empreendimentos estão estacionamentos, agências de marketing, sorteios lotéricos (com resultados anunciados via TV) e casas de vendas de loterias. A reportagem ainda não conseguiu contato com os investigados ou seus advogados. O espaço está aberto para se pronunciarem.
Um dos cafés é situado no local onde ficava o bingo Coliseu-Roma, que pertenceu ao bicheiro Jonca, no bairro Azenha.
É alvo também da ofensiva um conhecido empresário da jogatina em Santa Catarina, Osni Medeiros Filho, sócio dos Cunha em empreendimentos de jogos no Rio Grande do Sul. Conforme policiais, ele é investigado porque é sócio de Maria Elizabeth numa empresa de sorteios legalizada.
Osni e Maria Elizabeth Cunha foram dirigentes da Federação Brasileira de Bingos (Febrabingo), que defende a legalização do jogo no Brasil.
A operação cumpre 16 mandados de busca e apreensão, mobilizou mais de 150 agentes e foi coordenada pelo delegado Cassiano Cabral, diretor da Divisão de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro do Deic. A investigação é do delegado Filipe Bringhenti, da Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro. Os mandados são cumpridos em Porto Alegre. Dois bingos foram fechados. A polícia apreendeu ainda mais de R$ 1 milhão em espécie.
— O objetivo da investigação atual do Deic é mostrar que a maior parte do dinheiro adquirido com jogo ilegal foi aplicado em atividades legalizadas. Foram pedidos congelamento de bens e contas bancárias das pessoas que são alvo da operação — explica o delegado Cassiano Cabral.
Estão sendo cumpridas ordens de sequestro de 14 imóveis e 11 veículos, além de bloqueio de 18 contas bancárias e corretoras de criptoativos. Outras 29 pessoas terão seus sigilos bancário, fiscal e bursátil (investimentos em ações) afastados quebrados.
Bingos e jogo do bicho
A investigação envolvendo familiares de Jonca remonta à época em que o bicheiro foi assassinado. Policiais de diversos setores vasculharam a vida da vítima, até porque ele era a principal referência gaúcha em termos de jogatina. Nos anos 1990, quando interrogado pela Polícia Civil, o bicheiro admitiu que explorava 150 pontos de apostas clandestinas no Centro e na Cidade Baixa, empregando 180 pessoas.
Além do Centro, Jonca atuava na Restinga, zona sul da Capital, onde patrocinava escola de samba. Mas seu principal domínio era a a área central: Azenha, Menino Deus, Cidade Baixa, Centro Histórico e Bom Fim, entre outros. Explorava tanto o jogo do bicho quanto bingos.
Jonca chegou a ser sócio de uma das maiores casas de apostas ilegais em Porto Alegre, o Bingo Coliseu-Roma, no bairro Azenha, que, no auge, recebia 2 mil clientes por dia, contava com cem máquinas caça-níqueis e 70 empregados.
Depois, Jonca deixou essa sociedade (formalmente, embora seus familiares continuassem donos de um café no prédio) e continuou com bingo num estabelecimento menor, na Avenida Princesa Isabel, a poucos metros de onde foi assassinado.
O assassinato de Jonca
João Carlos Franco Cunha, o Jonca, foi morto com dois tiros de revólver em plena luz do dia, em 15 de maio de 2021, quando parou sua Pajero em uma sinaleira, na Avenida Princesa Isabel, no bairro Santana. O assassino estava vestido de guardador de automóveis, chegou a pé e saiu na carona de uma moto. Ele nunca foi localizado.
Investigação da 2ª Delegacia de Homicídios da Capital (2ª DHPP), a cargo do delegado Eric Dutra, concluiu que o contraventor foi morto por rivais, num contexto de disputa pela lucratividade na exploração de pontos do jogo do bicho. Gravações que chegaram à Polícia mostram diálogos entre criminosos que combinam a melhor forma de assassinar Jonca.
Foi indiciado como mandante do crime um empresário, filho de um bicheiro já morto, que fora sócio de Jonca. Entre as provas reunidas pelos policiais estão mensagens nas quais o suposto mandante ameaçava Jonca.