O desaparecimento e a morte de Evandro Ramos Caetano, aos seis anos, chocaram o Brasil em abril de 1992. Em julho do mesmo ano, sete pessoas confessaram o crime e disseram que usaram o menino em um ritual macabro – o que levou o caso a ser conhecido como o das “Bruxas de Guaratuba” (cidade do litoral do Paraná, onde ocorreram os fatos). As informações são do portal g1.
Dias depois do sumiço, o corpo de Evandro foi encontrado em um matagal sem alguns órgãos e com pés e mãos cortadas. Ademir Ramos Caetano, que naquele momento desempenhava a função de funcionário público na cidade, identificou o corpo como sendo de seu filho mais novo graças a uma pequena marca de nascença nas costas. Mais tarde, próximo ao local onde o corpo foi descoberto, também foram localizadas as chaves da residência do menino e o par de chinelos que ele usava naquele dia.
Durante as investigações iniciais, sete pessoas foram acusadas de envolvimento no assassinato: Airton Bardelli dos Santos; Francisco Sérgio Cristofolini; Vicente de Paula; Osvaldo Marcineiro; Davi dos Santos Soares; Celina Abagge; e Beatriz Abagge.
Na época, o inquérito policial apontou que a criança foi morta em um ritual religioso encomendado por Celina e Beatriz, esposa e filha do então prefeito da cidade, Aldo Abagge; o pai de santo Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira, colega/ajudante de Marcineiro; e Davi dos Santos Soares, artesão de Guaratuba.
Das sete pessoas inicialmente acusadas, quatro foram condenadas ao longo dos anos. Beatriz ficou presa por três anos e nove meses em um penitenciária feminina e por mais dois anos em prisão domiciliar. As penas de Osvaldo e Davi se extinguiram pelo cumprimento. Vicente morreu por complicações de um câncer em 2011 no presídio onde estava. Francisco e Airton foram acusados na época, mas posteriormente absolvidos. Celina, mãe de Beatriz, não foi julgada por que tinha mais de 70 anos e o crime prescreveu.
Fitas e "novo investigador"
Em 2015, o jornalista e designer Ivan Mizanzuk desenvolveu um interesse por podcasts criminais, que eram onda nos Estados Unidos, e imaginava que o produto faria sucesso no Brasil. Assim, ao conversar com jornalistas que cobriram o caso Evandro, ele passou a investigar a história e, em 2016, teve acesso aos autos do processo na Justiça: eram 60 volumes e mais de 20 mil páginas, que foram liberadas por 10 dias pelo juiz responsável. Mizanzuk contou com a ajuda de 40 pessoas na decupagem, que incluía a transcrição dos áudios e fitas de vídeo, além de catalogar diferentes informações.
Até o lançamento do podcast, que era a quarta série do Projeto Humanos, desenvolvido por Mizanzuk, o pesquisador também entrevistou advogados, parentes da criança, testemunhas e acusados. Assim, no dia 31 de outubro de 2018, nasceu o primeiro episódio da série de áudios O Caso Evandro, que tem 36 capítulos. Posteriormente, uma série documental sobre o caso foi produzida e lançada no GloboPlay.
Os áudios completos das confissões dos suspeitos durante a investigação, na década de 1990, vieram a público com o podcast. As gravações evidenciam que os réus admitiram os alegados crimes sob coação e ao receberem orientações para a confissão.
As fitas contendo as gravações estavam anexadas aos documentos do processo desde o período da condenação, entretanto, a versão utilizada para incriminar os réus excluía os segmentos que apontavam para a prática de tortura.
Revisão dos casos
Em decorrência dos áudios divulgados no podcast, a defesa de Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro protocolou, em dezembro de 2021, um pedido de revisão criminal das condenações relacionadas à morte do menino.
O documento que embasou o pedido alega que as gravações, que indicam tortura dos suspeitos para obtenção de confissões, são autênticas. A defesa contratou duas perícias para analisar as condições das gravações e o conteúdo delas.
A defesa argumentou que as confissões apresentadas durante os julgamentos foram mostradas editadas e acabaram contaminando o restante do processo. Além disso, alegou que as provas usadas nos julgamentos são ilícitas, uma vez que foram obtidas mediante tortura. Por isso, solicitou que os processos fossem anulados.
Em agosto de 2023, desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) optaram por autorizar a utilização, como evidência, das gravações que sugeriam que os réus foram submetidos a torturas por parte de policiais no julgamento.
Na quinta-feira (9), durante a revisão criminal do caso, desembargadores anularam as condenações dos quatro acusados de matar o garoto. Com isso, Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira (falecido em 2011, em razão de complicações de um câncer), foram absolvidos. Foram três votos a favor e dois contrários.
Para o relator do caso, o desembargador Miguel Kfouri Neto, “as novas fitas acabaram instruindo o pedido revisional”, as quais “a defesa não tinha tido acesso” durante os primeiros julgamentos.
No podcast e na série da Globoplay, Beatriz Abagge detalhou a violência que sofreu durante o interrogatório policial: "Eles me ditavam e quando eu errava, eles paravam essa fita e ditavam de novo. Se eu errasse, me davam choque de novo. Até sair o que eles queriam", disse na série documental.
O que pode acontecer com o caso
Defesa vai pedir indenização
A defesa dos agora inocentes pelo crime afirmou que pedirá na Justiça, nas próximas semanas, uma indenização pelos atos sofridos pelos ex-condenados. Ainda não há conhecimento de quanto eles pedirão na Justiça em reais.
Ministério Público não vai recorrer
Durante a sessão de revisão criminal de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares, na quinta-feira (10), o Ministério Público do Paraná disse entender que as condenações dos sete acusados pela morte do menino Evandro "podem ser injustas", segundo a rádio Banda B, de Curitiba. O procurador Silvio Couto Neto, que disse não ver provas conclusivas de que eles teriam cometido um crime. O MP estadual informou que não pretende recorrer da decisão.