Até o fim desta semana deve ser concluída a investigação sobre o ataque a tiros sofrido por um promotor de Justiça em Teutônia, no Vale do Taquari. A Polícia Civil pretende encaminhar ao Judiciário o inquérito com o indiciamento de uma advogada e outros três suspeitos do crime. Os quatro são investigados por associação criminosa e tentativa de homicídio. Jair João Franz, 54 anos, foi baleado na noite de 17 de agosto, quando chegava de carro em casa, após uma partida de futebol com amigos.
Estão presos de forma preventiva a advogada Daiana Silva Toledo, José Izidoro Kovalski, 38, Eliandro Maria Vedoy da Silva, 40, e Éder de Souza Lucas.
— Ainda estamos finalizando o inquérito, com últimos elementos que foram colhidos por conta das apreensões que foram feitas. Nossa ideia é terminar o quanto antes, entre amanhã (quinta) e sexta-feira, e encaminhar ao Judiciário com os indiciamentos, tanto dos mandantes como de quem executou — afirma o delegado Juliano Stobbe.
Segundo o que foi apurado pela investigação até o momento, a advogada e Kovalski teriam sido os mandantes do crime. Conhecido como Dedé, Kovalski já tem ao menos 22 anos de condenação e cumpria pena na Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos. Segundo a Polícia Civil, o preso integra facção com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre, e seria um dos líderes da organização no Vale do Taquari.
Num dos casos pelo qual foi condenado, em agosto de 2006, Kovalski teria participado de outra tentativa de homicídio, em Teutônia. Segundo o processo, ele atirou contra um homem com quem tinha desavenças. A investigação indicou que Kovalski aguardou a vítima em um local que sabia que ela passaria, escondido entre arbustos às margens da RS-128. Ao perceber a aproximação do veículo do desafeto, um Fusca, disparou uma arma. Assim como no caso do promotor, a maioria dos tiros atingiu o veículo da vítima e apenas um feriu o desafeto, no braço esquerdo, que sobreviveu.
Desavenças
Daiana atuava na defesa de Kovalski e de Silva, que foi o último a ser preso. As desavenças entre a advogada e o promotor já ocorriam ao menos desde 2018. Naquele ano, em uma postagem nas redes sociais, Daiana alegou que Franz a havia agredido num evento público para retirar o celular das mãos dela. A defesa da advogada admite a inimizade, mas nega que ela tenha sido a mandante do crime.
Também em 2018, Franz investigou suspeitas de fraude na prefeitura de Teutônia, na época em que a advogada era servidora no local. Depois disso, a mulher teria sido exonerada e passou a atuar na advocacia. A advogada já teria dito ao promotor que ele devia ir “embora de Teutônia” e que “iria pagar tudo o que tem feito”. A polícia acredita que Daiana e Kovalski teriam contratado o atirador e organizado a execução do promotor, numa emboscada.
Papéis dos suspeitos
Eliandro Maria Vedoy da Silva foi preso em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, na noite de 28 de agosto, na semana seguinte às primeiras prisões. Segundo o delegado, o homem teria sido o responsável por atirar contra o promotor. Em depoimento, ele permaneceu em silêncio. Éder de Souza Lucas, que chegou a ser investigado como possível autor dos disparos, é apontado como um dos responsáveis por executar outras tarefas para a concretização do atentado.
— Muito embora ele possa não ter participação de executor e nem de mandante, tem atos acessórios, que permitem incluí-lo como partícipe, como preparação para o crime, vigilância e acompanhamento. Nesse sentido, foi mantida a prisão — diz o delegado.
Ainda conforme Stobbe, o entendimento é de que o crime contra Franz foi motivado pela atuação profissional dele. Segundo o delegado, foram obtidas provas ao longo da apuração que indicam que o crime foi uma resposta à discordância com a atuação de Franz.
— Mesmo diante da atuação absolutamente legítima da parte dele (do promotor) houve este atentando por discordância das manifestações, mas nada que normalmente não se resolva com os devidos recursos, devidas análises por advogados, nada fora do comum. Isso que nos chamou atenção. A polícia se juntou numa espécie de força-tarefa, inclusive em conjunto com o MP, porque o atentado foi contra o Estado, contra decisões do promotor, manifestações dele. Quando tu passas de uma simples questão pessoal ou vingança privada para um ataque ao Estado, isso precisa ser firme e exemplarmente punido — explica Stobbe.
Ainda segundo o delegado, os quatro investigados já se conheciam antes do crime. Conforme o responsável pela investigação, há perícias em andamento, que devem ser concluídas e juntadas ao caso após o indiciamento. A arma usada no crime não chegou a ser encontrada durante a apuração, que contou com apoio de outras delegacias da região e do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Promotor segue afastado
No MP desde 2002, Franz atua há mais de 10 anos em Teutônia, município com 32 mil habitantes. O promotor continua afastado das atividades, segundo o Ministério Público. Sobre o caso, a instituição enviou manifestação do procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, informando que, imediatamente após o atentado, o MP iniciou, juntamente com as forças de segurança do Estado, a investigação que resultou na elucidação do caso.
— Os suspeitos foram identificados, presos e o motivo rapidamente esclarecido. Desde o início, o MP também prestou todo apoio ao promotor e a sua família. Sempre importante reforçar que o ataque a um membro do Ministério Público é também um ataque à democracia e isso jamais pode passar impune em uma sociedade que entende e respeita o papel das instituições. A priorização na investigação do crime pela Secretaria de Segurança reforça o entendimento de que este tipo de covardia não será tolerado — afirma Saltz.
O caso
Franz foi alvejado por disparos de arma de fogo quando chegava em casa, na noite de 17 de agosto. Sem sair do carro, o promotor tentou se refugiar no pátio da residência, mas foi atingido por um tiro que atravessou o braço e se alojou no abdômen. Foram dados 15 tiros, segundo a perícia. Após o ataque, Franz foi levado ao hospital de Estrela, cidade vizinha a Teutônia, onde passou a noite e recebeu alta na manhã seguinte.
Contrapontos
O que diz a defesa de Daiana Silva Toledo
O advogado Ezequiel Vetoretti afirmou no fim de agosto que Daiana tinha inimizade com o promotor, mas negou envolvimento dela com o crime. Nesta quarta-feira (13), Vetoretti informou que a defesa aguarda a conclusão do caso e não pretende se manifestar neste momento.
O que diz a defesa de José Izidoro Kovalski
O advogado Rodrigo Torres enviou manifestação sobre o caso:
"A presente defesa técnica de José Isidoro Kovalski primeiramente em relação aos fatos que vem sendo acusado não teve acesso ao relatório final investigativo e seu conteúdo aguardando sua conclusão e juntada no processo para fins de manifestacao posterior, sendo que eventual indiciamento do presente investigado realizado pela autoridade policial ainda deve passar pelo crivo judicial recebendo ou não a denúncia ministerial que poderá ser ofertada. Novamente reafirma-se a inocência do investigado, bem como precários indícios de autoria delitiva voltados contra sua pessoa e se demonstrará cabalmente o ora afirmado buscando sua absolvição total através do devido processo legal proporcionado em juízo".
O que diz a defesa de Éder de Souza Lucas
GZH entrou em contato com o advogado que fez o acompanhamento de Lucas durante a audiência de custódia, mas o profissional informou que não atua mais no caso. A reportagem tenta contato com a nova defesa constituída pelo investigado.
O que diz a defesa de Eliandro Maria Vedoy da Silva
Em depoimento, o suspeito optou por permanecer em silêncio. Segundo a Polícia Civil, ele ainda não constituiu advogado.
O que diz a OAB
Após a divulgação do caso, a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul emitiu nota na qual afirma que "não admite nenhum tipo de violência ou atentado contra qualquer pessoa e/ou autoridades públicas, sobretudo quando relacionado ao exercício profissional". Confira na íntegra:
"A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul, em face do atentado relacionado ao Promotor Jair João Franz, que foi baleado em 17 de agosto, na cidade de Teutônia/RS, e que culminou na prisão de uma advogada na data de hoje, 24/08/2023, presta os seguintes esclarecimentos:
1 – A OAB/RS não admite nenhum tipo de violência ou atentado contra qualquer pessoa e/ou autoridades públicas, sobretudo quando relacionado ao exercício profissional;
2 – A Ordem Gaúcha defende as garantias constitucionais que consagram o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa dos acusados;
3 – A Entidade, por meio da Subseção de Estrela e de Lajeado, através de suas CDAPs, acompanhou todo procedimento relacionado à advogada em questão, desde o momento em que foi cientificada dos fatos, garantindo seus direitos previstos no artigo 7º da Lei 8.906/94;
4 – Esta Seccional manifesta solidariedade ao Promotor de Justiça Jair João Franz, aos seus familiares e ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul;
5 – A OAB/RS já oficiou ao Ministério Público, solicitando cópia integral do Inquérito Policial, visando à adoção de medidas administrativas cabíveis, e abriu processo interno no âmbito da Entidade para apuração da conduta e dos fatos, garantindo o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa."