A descoberta de um crime brutal em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana, levou a investigação da Polícia Civil a descortinar uma trama ainda mais complexa. No início de agosto do ano passado, enquanto apagavam as chamas de um incêndio em uma residência no bairro Califórnia, bombeiros depararam com um homem decapitado, e, na sequência, com a cabeça da vítima, em outro ponto da moradia.
O morto foi identificado como Péricles Antônio Langer Feijó, 58 anos, um metroviário aposentado que vivia no local. A filha dele e o genro foram indiciados nesta semana por suspeita de serem os autores do crime. A motivação para o assassinato, segundo a investigação, teria sido financeira. Keila Xavier Feijó e Jonatan Marques de Souza, ambos de 35 anos, foram presos no último dia 16 de agosto.
Segundo a polícia, os dois já vinham sendo investigados pelo assassinato de Péricles, tinham prisão preventiva decretada, mas ainda não haviam sido localizados. Conforme a Polícia Civil, após o crime os dois teriam partido para Santa Catarina, ainda no mesmo dia do homicídio. O casal teria passado a utilizar o cartão bancário do aposentado para custear a fuga.
No trajeto, hospedaram-se em hotéis, que foram pagos com o cartão da vítima, de acordo com a investigação. Durante as buscas pelo casal, os policiais refizeram o trajeto dos dois, passando por postos de combustíveis e pelas hospedagens onde eles estiveram. Ao chegarem ao Estado vizinho, no entanto, teriam perdido o rastro deles.
A polícia seguia tentando localizá-los, para cumprir os mandados de prisão preventiva. Um ano depois do crime, o casal foi flagrado pela Polícia Civil em outra ação, junto de dois suspeitos de envolvimento com tráfico de drogas em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Agentes da 2ª Delegacia de Gravataí faziam buscas em casas que serviriam de armazenamento de drogas, quando encontraram os dois foragidos na noite de 16 de agosto.
Motivação
Quando Péricles foi morto, fazia cerca de dois meses que a filha e o genro tinham passado a residir com ele. O casal morava no mesmo terreno onde ficava a casa do aposentado, em Nova Santa Rita. Depois que a moradia dele incendiou, os dois não foram mais encontrados. Ao longo da investigação, a polícia descobriu que o metroviário aposentado estaria sendo pressionado a entregar dinheiro aos dois.
— A vítima havia recebido uma indenização trabalhista e, ao que tudo indica, esse seria o fator principal do crime, ou seja, a motivação do crime foi financeira. Segundo relatos, a vítima já havia sido ameaçada de morte pelo genro — explica o delegado Cristiano Reschke, titular da Delegacia de Polícia de Nova Santa Rita.
Segundo a polícia, Keila estaria tentando interditar o pai para ter controle sobre seus bens, enquanto Souza teria sido o executor da morte. A suspeita é de que os dois tenham planejado o assassinato do aposentado. Após o crime, eles desapareceram da casa e não voltaram a fazer contato com familiares, segundo a polícia.
Além da atitude dos suspeitos e dos depoimentos ouvidos durante a investigação, conforme o delegado, a polícia obteve provas técnicas que indicam a participação dos dois no crime. O Instituto-Geral de Perícias (IGP) esteve mais de uma vez no local do assassinato para coletar indícios. Por meio da perícia, foi localizado material genético da vítima em pertences e roupas dos investigados apreendidos na residência do casal.
Os dois seguem presos, e ainda devem ser ouvidos pela Polícia Civil. O inquérito policial foi concluído nesta semana e encaminhado à Justiça. Keila e Souza foram indiciados pelo homicídio qualificado por motivo fútil e também por ter sido cometido por meio de traição ou emboscada. Souza foi indiciado também pelo incêndio.
Quem era a vítima
Pai de duas filhas, Feijó havia trabalhado como metroviário e estava aposentado. Morou boa parte da vida em Canoas, na Região Metropolitana, município de onde era natural. Havia cerca de 15 anos que residia nesta casa no bairro Califórnia. Na vizinhança, tornou-se uma pessoa conhecida e fez inúmeras amizades. Vizinhos relataram à polícia que se tratava de uma pessoa tranquila, de vida pacata, aparentemente sem inimizades.
— Ele era muito querido, se dava bem com os vizinhos. Um cara tranquilo, que não tinha problema com ninguém. A morte dele foi um choque. As pessoas queriam ele bem — relata um dos vizinhos, que preferiu não ser identificado na reportagem.
Causa da morte não foi apontada
Os bombeiros foram acionados no início da manhã de 7 de agosto de 2022, depois que o fogo tomou a moradia. A suspeita é de que o incêndio tenha sido uma tentativa de encobrir o crime, já que parte da residência foi totalmente destruída pelas chamas. O fogo teria se iniciado no mesmo cômodo onde foi encontrado o corpo.
A necropsia não conseguiu apontar a causa da morte da vítima. Como o corpo estava carbonizado, a perícia não pôde precisar se o aposentado foi decapitado antes ou após a morte, e nem mesmo se já estava morto quando se iniciou o incêndio. O exame também não conseguiu identificar qual instrumento teria sido usado para cortar a cabeça da vítima, que foi encontrada dentro de uma panela.
A morte de Péricles despertou a atenção também por ser um tipo de crime incomum no município de cerca de 30 mil habitantes. O meio empregado no homicídio, a decapitação, é semelhante ao usado em execuções e disputas envolvendo o tráfico de drogas. Num primeiro momento, a polícia passou a trabalhar com todas as linhas de investigação, mas essa possibilidade foi descartada. A vítima não tinha histórico de envolvimento criminal.
Contraponto
Segundo a Polícia Civil, os dois ainda não prestaram depoimento. A Defensoria Pública do Estado informou que atendeu os dois presos durante a audiência de custódia realizada no Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp). Os indiciados ainda precisam definir se seguirão sendo atendidos pela DPE durante o processo.