O último 22 de agosto deveria ser uma data de comemoração para Leandra Vitória Franco Rossales da Silva. Naquela terça-feira, a jovem, moradora de Pelotas, no sul do Estado, completava 25 anos. Em lugar de festividade, o dia foi convertido em desespero e trauma para a família. Vitória, como era chamada, foi morta com um disparo de arma de fogo no peito e teve o corpo carbonizado num matagal na localidade de Colônia Santa Áurea. O namorado dela, suspeito do feminicídio, foi preso no mesmo dia.
Mãe de um menino de cinco anos, Vitória vivia em Pelotas, no bairro Guabiroba, com a avó. Era naquele bairro que morava desde a adolescência. Ali, ajudava a cuidar de duas sobrinhas, filhas de uma das irmãs, no período da manhã. Amorosa, era apegada às crianças e não desgrudava do filho. Há cerca de um mês, no entanto, havia mudado com o menino para a área rural de Pelotas, onde passou a residir com o namorado, Lucas Loi Potenza, 27 anos. O relacionamento entre os dois era recente. A família estima que o namoro tivesse se iniciado havia cerca de três meses.
Os contatos entre Vitória e os familiares ficaram mais escassos nesse período. Numa troca de mensagens, por telefone, na segunda-feira, dia 21 de agosto, a jovem prometeu a uma das irmãs que passaria o aniversário com a família no dia seguinte. Mas isso não chegou a acontecer. A família suspeita de que Vitória já estivesse sofrendo violência doméstica, mas não conseguia pedir ajuda.
— Estamos arrasados, meu neto está arrasado. Esse monstro destruiu uma família toda. Minha filha não merecia, nenhuma mulher merece morrer dessa forma. Ele tirou a vida dela, e me tirou até o direito de ver o rosto da minha filha, de abraçar uma última vez. Sabe o que é abraçar uma caixa fechada? E ter a sensação de estar com seu filho nos braços? Eu precisei abraçar um caixão. Ele me tirou tudo — desabafa a mãe, Maiza Franco da Silva, 47 anos.
Filho presenciou crime
No início da manhã da terça-feira, dia 22, o namorado de Vitória apareceu na casa de familiares dela. Levava o filho da jovem, de cinco anos, e os pertences dela. Alegou que a mulher havia saído de casa durante a madrugada, após uma discussão, e desaparecido. A história não convenceu os parentes da jovem.
— Estranhamos, porque ela nunca ia deixar o filho. Vivia 24 horas com ele, não deixava para nada — recorda a irmã Olilia Rossales da Silva, 23 anos.
O comportamento da criança, que estava assustada, também chamou atenção. Por suspeitarem da situação, os familiares decidiram telefonar para a Brigada Militar. O menino teria presenciado o momento em que a mãe foi alvejada com um tiro no peito. Os policiais seguiram até a localidade onde eles residiam e, após realizar buscas no entorno, encontraram o corpo de Vitória, carbonizado numa área de mato. O revólver que teria sido usado no crime foi apreendido e encaminhado para perícia.
Um dia antes de ser morta, segundo a mãe, a jovem teria chegado a colocar o filho dentro de um carro e tentado sair da localidade, mas não conseguiu e acabou batendo o veículo.
— Acho que ela estava tentando fugir. Tenho certeza que a minha filha queria sair da lá. Minha filha morreu com medo — lamenta Maiza.
O homem, suspeito do feminicídio, foi preso em flagrante, mas na delegacia optou por permanecer em silêncio. Segundo a polícia, não havia nenhum registro de Vitória contra o namorado, mas Potenza já tinha histórico de violência doméstica, com outra vítima.
Sonhava em ter casa própria
Conforme os familiares, Vitória era uma mãe dedicada e recorria a diferentes empregos para sustentar a criança. Trabalhava, inclusive, como auxiliar em obras. Quando estava sem serviço, vendia meias e panos de prato nas ruas.
— Minha irmã era cheia de sonhos. Sempre brincalhona, sorrindo. Gostava de trabalhar para comprar as coisas para o filho dela. Sonhava em ter a casa própria — diz Olilia.
A família tenta lidar com a perda de Vitória e com o trauma do menino, que presenciou a morte da mãe. Os familiares estão encaminhando a criança para tratamento psicológico.
— Ele chama por ela, chora. Às vezes, ele olha para minha filha Olilia e diz "mãe". Depois, se desculpa, envergonhado, e diz: "Esqueço que ela não está aqui". Estamos tentando distrair, evitar que ele veja qualquer notícia. Nada vai trazer a minha filha de volta. Mas quero que esse monstro pague pelo que fez, e pelo trauma que meu neto está passando — diz a avó.
Investigação
Além do namorado, os pais dele, que residem na mesma localidade, também foram presos em flagrante, por suspeita de terem participação na ocultação do cadáver da vítima, mas foram liberados após pagamento de fiança. A liberação deles causou revolta na família da jovem. Segundo os parentes, o pai levou Potenza até a casa dos familiares, após o crime. A mãe teria negado inicialmente conhecer a jovem.
— Não é justo. Todos precisam pagar pelo crime — lamenta a mãe de Vitória, que organiza uma passeata em protesto pelo crime para a próxima semana.
A Polícia Civil afirma que a investigação está em andamento e que continua apurando qual a possível participação dos dois investigados no crime.
— Ainda estamos apurando se houve a participação deles e de que forma ocorreu a participação — afirma a delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Pelotas, Márcia Chiviacowsky.
Os familiares também ficaram em silêncio durante depoimento na Delegacia de Polícia.
Contraponto
Os advogados Konstantin Knebel e Guilherme Schaun representam Lucas Loi Potenza e os pais dele. À reportagem, Knebel disse que aguardará o andamento das investigações antes de se pronunciar:
— Para uma manifestação, vamos aguardar o relatório do inquérito policial.
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)