Há cerca de dois anos, mais de cem mulheres procuraram a polícia em Porto Alegre para relatar casos que, segundo as autoridades, indicavam crimes contra a dignidade sexual, que abrange assédio sexual, importunação, violação sexual mediante fraude e estupro. Elas afirmaram que os episódios aconteceram durante consultas com o cirurgião plástico Klaus Wietzke Brodbeck.
Os relatos resultaram em denúncia na Justiça contra o homem, que é réu por crimes contra 18 pacientes. Atualmente, ele responde em liberdade ao processo que tramita em segredo de Justiça e não tem data para conclusão.
A defesa de Brodbeck diz que o cirurgião se declara inocente de todas as acusações e acredita que será inocentado (leia mais abaixo). O homem chegou a ficar cerca de cem dias preso em 2021, e desde então está em liberdade.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), o réu foi interrogado e a fase de instrução do processo foi encerrada. Atualmente, está aberto, para a defesa, prazo para oferecimento de alegações finais.
Em razão "da complexidade da causa", foi concedido período de 30 dias para a manifestação. Depois, deve ocorrer a sentença. Não há prazo para a decisão em primeiro grau ser tomada.
Mais de cem mulheres
O caso veio à tona em julho de 2021, quando a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão na residência do médico e na clínica em que ele atendia, no bairro Três Figueiras, na Capital. Na ocasião, ao menos 12 mulheres tinham procurado a polícia. Seriam pacientes que buscaram a clínica para algum procedimento estético e dizem ter se tornado vítimas.
Nos dias seguintes, o número de relatos foi aumentando. Na época, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Capital chegou a pedir reforço de agentes para dar conta da demanda, devido ao alto número de pacientes do cirurgião procurando a equipe.
A investigação identificou 140 mulheres, sendo que mais de cem afirmaram ter sofrido abusos, e as demais seriam testemunhas. Em agosto, ele foi indiciado por meio de 10 inquéritos policiais, contendo os depoimentos.
Um mês depois, Brodbeck foi denunciado pelo Ministério Público do Estado (MP) por cometer ao menos 34 vezes os crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e importunação e assédio sexual contra 18 mulheres entre 2005 e 2021. Ao menos quatro vítimas eram adolescentes à época dos casos. O homem virou réu no mesmo mês, em setembro de 2021.
— As vítimas o procuravam por ser um especialista em bioplastia de glúteos. Elas chegavam no consultório e, diante de uma sumidade na área da cirurgia plástica, não imaginavam que aquele médico respeitado, com tantas clientes bonitas, abusaria delas. Pensavam estar imaginando coisas — disse a promotora Claudia Regina Lenz Rosa, na época da denúncia.
Conforme o Ministério Público, dos registros constantes nos 10 inquéritos policiais, alguns deles apesar de apresentarem indícios de autoria e materialidade, não avançaram por já se encontram abarcados pela prescrição e demais regras que os desqualificaram.
Afastado da medicina temporariamente
De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), o homem responde a um processo ético-profissional na entidade, que tramita em sigilo. Enquanto isso, Brodbeck "está com interdição cautelar total, portanto impedido de exercer a medicina", disse o conselho em nota.
A interdição é temporária, e vale enquanto tramita o procedimento interno na casa. Segundo o Cremers, o processo "está em fase final, aguardando julgamento de recursos".
Em julho de 2021, GZH mostrou que o cirurgião plástico já havia sido absolvido ou teve arquivados ao menos 15 sindicâncias abertas no Cremers. Os motivos que geraram as procedimentos não foram revelados pela entidade. No total, conforme documento obtido pela reportagem na ocasião, 23 sindicâncias ou processos ético-profissionais haviam sido abertos contra o médico nos últimos 20 anos.
Tipos de violações
De acordo com as autoridades, os relatos trazidos por mulheres mostram que a conduta do médico em relação às vítimas variava, com diferentes tipos de violações.
Conforme a Polícia Civil, havia ocasiões em que o cirurgião propunha sexo como forma de pagamento por procedimentos, praticando o estupro no caso de negativa da cliente. Em outras, segundo a investigação, passava a mão em seios de pacientes e as masturbava quando estavam sedadas, durante procedimentos. Algumas das vítimas afirmaram que os abusos foram filmados pelo homem.
— Ele fazia até uma espécie de cantada nas pacientes. Uma postura totalmente inadequada do que se espera de um médico, de um bom profissional. Tinha inclusive toques nas partes íntimas que não estavam adequados ao contexto da consulta. Nós temos investigação que vai desde importunação sexual, assédio sexual. Tem inclusive o estupro de vulnerável, de mulheres que relatam que durante a sedação, durante os procedimentos, teriam sofrido violência sexual — disse a delegada responsável pela investigação em 2021, Jeiselaure Rocha de Souza.
Em geral, as mulheres relataram que os casos ocorreram depois de elas terem procurado o profissional para realizar avaliações. Um dos relatos mais antigos, segundo a polícia, é de um caso que teria ocorrido em 2001.
Médico nega acusações, diz defesa
O advogado Luciano Mallmann Cardoso, que atende Brodbeck, conversou com a reportagem nesta segunda-feira (7). Ele disse que o cirurgião responde em liberdade, está contribuindo com o processo e se declara inocente de todas as acusações. O médico foi intimado e ouvido pela Justiça há cerca de dois meses, segundo a defesa.
Cardoso ressaltou que duas das mulheres que acusam o médico foram namoradas dele e mantiveram "relacionamento duradouro".
— Uma delas, que relatou supostos abusos sexuais, fez exigências de valores a ele, responde por crime de extorsão — alegou Cardoso.
Questionado sobre a razão para mais mulheres terem procurado as autoridades, a defesa afirmou que as primeiras denúncias motivaram as demais "em um instinto de manada".
— Algumas informações constam em segredo de Justiça e não podem ser trazidas a conhecimento público.
O advogado também lembrou que o médico ficou preso preventivamente por cem dias.
— Ele está, até hoje, com o peso da espada de Damocles sobre a sua cabeça. Mas ele muito acredita na Justiça e que terá seu pedido de absolvição reconhecido em primeiro grau — disse Cardoso.