Com relatos de ao menos 32 mulheres até o momento, a Polícia Civil investiga o caso de um cirurgião plástico que teria cometido supostos abusos sexuais contra pacientes em Porto Alegre. Em geral, as mulheres afirmam que os casos teriam ocorrido depois de elas terem procurado o profissional para realizar avaliação. Durante os atendimentos, elas dizem ter sofrido crimes contra a dignidade sexual. De acordo com a investigação, as denúncias incluem atos que configuram assédio sexual, importunação e estupro de vulnerável, que teria ocorrido durante a sedação das pacientes.
Segundo as apurações, os casos teriam ocorrido no consultório do homem no bairro Três Figueiras, além de outros locais em que ele prestava atendimento. O relato mais antigo até o momento é de um caso que teria ocorrido em 2001.
No caso de Amanda (nome fictício), a jovem relata que procurou o médico no fim de 2020, para avaliar a possibilidade de realizar uma bioplastia de glúteo. No consultório, em uma sala reservada, a jovem afirma que o médico pediu para que ela se despisse completamente.
— Eu comecei a achar que ele estava me apalpando demais e comecei a ficar nervosa, tremendo. Então ele me puxou para sentar no colo dele, mas eu me segurei e ele puxou outra cadeira, e me fez sentar na frente dele.
A jovem conta que o médico passou a questionar por que ela estava nervosa, e a oferecer procedimentos de graça, como preenchimento labial, dizendo que seria para ela ficar mais tranquila.
— Aí ele começou a botar os dedos na minha boca, eu tirava a cabeça e ele empurrava de novo, pressionando. Eu estava muito nervosa, meus olhos encheram de lágrimas. Eu não conseguia ter reação nenhuma, estava em choque. Eu só tremia, não conseguia falar nada. Ele percebeu isso e não me deixava sair da sala de jeito nenhum. Ele segurava minhas mãos e tentava botar no corpo dele. Ele se aproveitou do fato de que eu fiquei em choque e paralisada, para continuar com aquilo — contou.
Amanda relata que só conseguiu deixar a sala depois que uma secretária do médico entrou no local avisando que outra paciente havia chegado.
A jovem diz que procurou familiares e amigos para conversar sobre o episódio e, no dia seguinte, foi até a delegacia. Ela afirma que, apesar de ter feito a ocorrência, preferiu não seguir com o processo criminal por medo, vergonha de uma possível exposição e dificuldades em falar sobre o caso.
Outra jovem ouvida por GZH afirma que também foi vítima do cirurgião, após ter realizado consulta em 2019. Vanessa (nome fictício) relata que procurou atendimento porque tinha interesse em colocar prótese nos seios.
— Eu percebi que algo estava errado quando fiquei apenas com as roupas íntimas e ele começou a fazer perguntas que não eram profissionais enquanto segurava nas minhas mãos — lembra.
No processo que move na Justiça contra o médico, iniciado naquele ano, Vanessa relatou que, durante avaliação, o homem teria se tocado. A mulher diz ainda que o cirurgião teria dito que cobraria R$ 8 mil pelo procedimento e que outros "R$ 6 mil restantes seriam pagos com sexo".
— Eu me senti acuada, com vergonha. Desde 2019, quando fiz a denúncia, continuava vendo ele divulgar seu trabalho, vi outras pessoas indicando ele. No começo, eu estava muito vulnerável, aquilo me abalou, decidi que não iria mais fazer a cirurgia. Sinto que só consegui denunciar porque tive todo o suporte da minha família e sabia que meu relato poderia encorajar outras mulheres — afirma Vanessa.
Advogada de uma das vítimas, Gabriela Souza avalia que a atuação do médico o caracteriza como um "predador sexual": homens que "se valem de sua hierarquia, seja ela econômica, social ou religiosa, para cometer violências" e que "buscam vítimas fragilizadas", afirma.
— Eles operam também em cima do medo e da vergonha dessas vítimas, para que fiquem em silêncio, dificultando muito que as denúncias sejam feitas. Predadores sexuais são pessoas públicas, que postam fotos com pessoas famosas, aparecem fazendo caridade, e fazem com que as pessoas se choquem quando denúncias são feitas — afirma a advogada.
Na terça-feira (13), o médico foi alvo de uma operação da Polícia Civil. Durante o cumprimento dos mandados na residência dele e na clínica foram apreendidos aparelhos eletrônicos. Conforme algumas das vítimas, os abusos eram filmados pelo suspeito. A polícia também pretende fazer comparação de material genético para auxiliar na investigação de estupros. Os policiais ainda apreenderam armas de fogo e estão averiguando a procedência de animais exóticos localizados na residência do médico.
Crises de ansiedade, medicação e atendimento psicológico
Amanda diz que já fazia acompanhamento psicológico antes do episódio, mas que buscou também atendimento psiquiátrico e passou a utilizar antidepressivos e medicamentos para amenizar crises de ansiedade que, afirma , se intensificaram após a consulta.
— Na hora, eu senti muito medo. Depois, quando parei para pensar sobre o que tinha acontecido, também senti muito nojo. Vejo que foi algo que me traumatizou muito, que a gente não espera para ninguém — diz Amanda.
Vanessa diz que também precisou de atendimento psicológico e que faz uso de medicamentos. Após a divulgação do caso, as duas mulheres afirmam que aguardam por justiça.
— Precisei de acompanhamento psicológico e de medicamentos para que eu conseguisse pelo menos falar sobre aquilo, porque não é normal. Só conseguia pensar em quantas outras mulheres passariam por essa situação. Eu espero, do fundo do coração, que ele seja responsabilizado por cada ato que cometeu, porque a gente está ali buscando melhorar nossa autoestima, e não buscando mais problemas. Só quero justiça, que ele pague, que veja que não é por terem status ou dinheiro que as pessoas podem fazer o que quiserem e não sofrer consequências — diz Vanessa.
— Apesar de não acreditar que isso vá acontecer, gostaria muito que ele fosse preso. Espero que ele ao menos perca a licença e seja impedido de atuar, depois de tudo que causou — completa Amanda.
O que diz a defesa do médico
Procurado, Gustavo Nagelstein, advogado do médico, afirmou que o cirurgião plástico nega as acusações. No entanto, a defesa disse que só irá se manifestar após o depoimento do médico na delegacia, previsto para esta quinta-feira (15), às 14h. Depois, uma nota de esclarecimento será divulgada.
Como denunciar
Denúncias podem ser feitas pelos telefone (51) 98402-2495 e 98682-9585, ou pelo WhatsApp da Polícia Civil (51) 98444-0606.
Por que GZH não publica o nome do investigado?
Preservamos a identidade do médico porque ele não foi preso, nem indiciado ou denunciado pelo Ministério Público. Até este momento, ele é tratado como um suspeito.