Investigado pela Polícia Civil por suspeita de abuso sexual contra pacientes, o cirurgião plástico Klaus Brodbeck, 54 anos, já havia sido alvo de inquéritos policiais em outras duas oportunidades nos anos 2000. Em uma delas, em 2003, duas pacientes denunciaram que teriam sido vítimas de abuso pelo médico durante consultas. Conforme a polícia, os relatos se assemelham com o das 117 mulheres que procuraram as autoridades nos últimos dias para relatar outros casos, 18 anos depois. Outro inquérito, em 2001, indiciou o homem por erro médico.
No caso de 2003, a Polícia Civil chegou a indiciar o médico ao final do inquérito por atentado violento ao pudor, com base na legislação da época. A então Delegacia para a Mulher pediu a prisão de Brodbeck naquele ano, solicitação que foi negada pela Justiça, assim como voltaria a ser negada em 2021, no início da operação policial contra o cirurgião plástico. A detenção foi acatada na última semana, quando a polícia já contava com o relato de 95 mulheres.
GZH procurou, na manhã de quinta-feira (22), o Ministério Público para verificar se houve denúncia por parte da entidade contra o médico no caso de 2003 e qual foi o parecer do promotor responsável sobre o pedido de prisão na época. A entidade também foi questionada sobre o caso de 2001. O MP afirmou que encontra dificuldade para acessar os processos porque o sistema Themis, do Tribunal de Justiça, apresenta instabilidade. A reportagem aguarda retorno do órgão.
No inquérito de 2003, a investigação reuniu o relato de três mulheres, apesar de sete terem sido identificadas, segundo a polícia. Duas afirmam ter sido vítimas de abuso por parte do médico durante consultas, o que levou ao indiciamento pelo atentado violento ao pudor. A terceira alegou que teve lesões no corpo após realizar um procedimento cirúrgico com o médico — que, por isso, também foi indiciado por lesão corporal no mesmo procedimento.
Responsável pela investigação daquela época, a delegada Sílvia Coccaro acompanhou pela imprensa as novas denúncias contra o cirurgião. Para ela, não há surpresa: o relato das mulheres nos últimos dias se assemelham com os de vítimas que ouviu há quase duas décadas:
— Ele fazia como ele faz agora, ele passava a mão, ele passava a mão nos seios, masturbava as mulheres, fazia muita coisa quando elas estavam dormindo (sedadas). Na época, uma delas encontrou vestígios de sêmen, mas não tinha como provar que era dele. Eram coisas bem sérias.
À frente da investigação atual, a delegada Jeiselaure Rocha analisou o inquérito antigo para se inteirar dos fatos. Para ela, está claro que o caso antigo mostra que a "conduta lasciva, que ultrapassa e muito a boa relação entre médico e paciente" ocorre "há muito tempo".
— Temos aí um conjunto probatório bem significativo no sentido de um padrão de conduta, um modus operandi do médico. São relatos impressionantemente semelhantes. O relato das vítimas de 2000 e 2003 são muito semelhantes com o das vítimas de 2020 e 2021. Ao longo desses anos, temos essas condutas reiteradas que vieram sendo praticadas de forma sequencial contra diversas mulheres. Isso está cabalmente provado — complementou Jeiselaure.
Alguns dos casos antigos já são considerados prescritos, mas, ainda assim, a delegacia faz esforço para ouvir as vítimas que já relataram abusos em outros anos. Uma delas foi encontrada. É uma mulher que no ano de 2000 disse à polícia que foi abusada por Klaus. O caso não foi adiante à época por falta de provas. Ao saber da nova investigação, a mulher fez questão de voltar ao Palácio da Polícia para prestar depoimento, segundo Jeiselaure.
Um dos desafios encontrados em 2003, de acordo com a delegada Silvia, foi que o relato das mulheres acabou descredibilizado.
— Ele é uma pessoa muito famosa. Então, ninguém dava credibilidade para as mulheres, até porque muita gente achava que podia ser invenção, e não era. Então, fico muito feliz de saber que está sendo feito o que tem de ser feito. O mal sempre aparece — pontua Silvia.
O Tribunal de Justiça do Estado também foi procurado, na tarde de quinta, para esclarecer a decisão de 2003. A corte respondeu dizendo que não encontrou, em seu sistema, o arquivo com o processo sobre o caso de 2003 até o momento.
O advogado Gustavo Nagelstein, responsável pela defesa do médico, disse que não irá se manifestar sobre os inquéritos que Klaus já respondeu. Nos últimos dias, o advogado vem afirmando que o cirurgião é inocente e que seu cliente vem colaborando com as investigações.
Absolvido 15 vezes
Além do caso de 2003, o homem também foi indiciado por erro médico em 2001, enquadrado no crime de lesão corporal. A investigação teve como base o relato de uma paciente que afirmou ter ficado com lesões decorrentes de erro no procedimento cirúrgico. Segundo a polícia, não houve pedido de prisão neste caso, porque não cabe para esse tipo de delito.
Conforme outro documento obtido por GZH, o médico foi alvo de 23 sindicâncias ou processos ético-profissionais abertos no Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers) nos últimos 20 anos. Em pelo menos 15 desses casos, o homem foi absolvido ou teve as denúncias arquivadas. Os motivos que geraram as procedimentos não foram revelados pelo conselho regional, que também não confirmou a existência desses processos junto à entidade.
Mulher relata abuso e erro médico após passar por atendimento
Uma das mulheres que procurou a polícia nos últimos dias e afirma ter sido vítima do homem é a vendedora Sabrina Freitas, 35 anos, que conversou com a reportagem de GZH. Ela relata as duas situações: diz que Klaus Brodbeck errou a cirurgia e, ainda, teria dito à ela que faria outros procedimentos gratuitamente caso ela tivesse relações com ele.
Em 2018, Sabrina procurou o profissional para aplicar PMMA (polimetilmetacrilato) nos glúteos. Ela afirma que o produto deixou necrosada sua pele e causa dores. Além disso, afirma que uma cirurgia de reparação feita por Klaus em sua prótese de silicone a teria deixado com os pontos abertos. Em uma das consultas de acompanhamento, contou ter sido abusada:
— Ele me ofereceu para colocar botox na boca. Botou os dedos na minha boca e fez menção de vaivém. Além disso, quando eu tirei a roupa para fazer avaliação, ele me puxou para o colo dele, e eu me assustei.
Sabrina é uma das mulheres que até o momento não havia se encorajado a denunciá-lo. A revelação de que existiam outras vítimas a fez mudar de ideia, procurar a delegacia e registrar ocorrência.
Investigação segue em andamento
Até esta sexta-feira (23), a polícia soma 117 mulheres identificadas que teriam sido vítimas do homem. Cinquenta delas já foram ouvidas. O prazo do inquérito termina na segunda-feira (26). Para ouvir todas as vítimas, a tendência é de que a polícia peça a prorrogação do prazo à Justiça.
Klaus está preso preventivamente na Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul desde a última sexta-feira (16). Dois habeas corpus foram negados pelo Tribunal de Justiça.