Na tarde de 4 de maio de 2013, José Augusto Amorim, então com 28 anos, saiu de casa em Porto Alegre para caminhar e pegar sol. Algum tempo depois, Irene Alves foi procurada por um amigo do filho, informando que o advogado estava hospitalizado. A primeira reação da mãe foi negar aquela possibilidade.
— Não, o Guto está na Redenção tomando sol — respondeu.
Irene estava enganada. Pouco antes, Guto havia sido atacado enquanto andava pelo parque. Pelas costas, o criminoso cravou uma faca na testa do advogado, logo acima do supercílio direito. Dois policiais militares encontraram a vítima e chamaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que levou Guto ao Hospital de Pronto Socorro. Foi para lá que a mãe se dirigiu num táxi, no qual embarcou às pressas.
Quando chegou à casa de saúde, amigos do filho já aguardavam no local. Ao conversar com a equipe médica, foi alertada de que o caso era "muito grave". A mãe passou a primeira noite em desespero. Chorava e pedia a Deus que não lhe tirasse o filho. Dali, em coma, Guto foi transferido para o Hospital Mãe de Deus.
— Ali, todos os dias, eu ficava na antessala esperando uma notícia (de melhora), que nunca vinha. Um dia, me desesperei e não fui mais, fiquei em casa. Não queria mais ver o sol, porque o Guto não via, não queria mais sentir o vento porque ele não sentia, não queria comer porque o Guto não comia. Não tinha meu parceiro, não queria mais viver — narra a mãe, que entrou numa fase de depressão e chegou a perder 20 quilos naquele período.
Dez anos depois, Irene ainda descreve em detalhes cada um dos momentos vividos desde aquele sábado que mudou a vida da família. Recentemente, lançou o livro O Caminho: Mãe e Filho – Uma Superação Pela Fé, no qual narra a batalha enfrentada durante esse período. A obra, escrita nos últimos anos, reflete, segundo a autora, uma nova fase da vida dela e de Guto.
— Hoje vivemos uma nova vida, uma vida de esperança. Estou aqui para contar minha história, que é puro amor. É fé, amor e superação. Meu filho está aí para mostrar que Deus pode tudo — diz, convicta de que a recuperação do filho se trata de um milagre.
O livro pode ser encontrado na livraria A Página, no Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre.
Evoluções
Quando Guto recebeu alta hospitalar, em março de 2014, segundo a mãe, os médicos lhe informaram que as chances de recuperação eram quase nulas. A família contratou profissionais e preparou uma estrutura para que ele seguisse o tratamento em casa. Guto não conseguia olhar para os familiares, gesticular, conversar nem mesmo se alimentar.
— Ele que era falante, estava imóvel. E aí começou meu martírio. Fui me agarrando com Deus. E gradativamente o Guto começou a apresentar pequena melhora — diz Irene.
Uma das possibilidades de evolução surgiu cerca de seis meses depois de ele retornar para casa, com a remoção da cânula da traqueostomia — procedimento no qual é feito uma abertura frontal na traqueia do paciente. Guto poderia voltar a falar. Havia, no entanto, risco de que ele pudesse aspirar os alimentos. A mãe passou a dar ao filho goiabada com leite em colherzinha.
— Ele foi respondendo, engolindo. Foi muito grande a emoção em saber que não estava aspirando. Era uma luzinha no fim do túnel, e fui me apegando. Dizia para mim: "Vai dar certo" — recorda.
Irene começou a perceber outros avanços, como o olhar de Guto. Sentia que ele estava conseguindo lhe ver. Decidiu fazer alguns testes, e pedir ao filho que apertasse sua mão, se estava compreendo. Com lágrimas nos olhos, o rapaz correspondia suavemente.
— Eu criava grande esperança de que ele estava reagindo. Até que um dia eu falei assim: "Amor, a mãe tá aqui. Fala qualquer coisa. Estou com muita saudade da tua voz. Ele olhou pra mim e disse: mãe, eu te amo". Nunca vou esquecer disso — narra.
Sem querer assustar o filho, Irene só respondeu que também o amava. Depois correu para a sacada do apartamento, agradeceu a Deus e desabou em lágrimas. "Meu filho vai falar", convencia-se. A partir dali, Guto foi conseguindo dizer outras palavras e completar frases, até voltar a se comunicar.
Expectativas
Enquanto o filho apresentava melhoras, Irene seguia pesquisando tudo que podia sobre a situação de Guto. A mãe relata que contratou empréstimo bancário para dar a ele uma cadeira de rodas elétrica, que lhe permitisse ter mais independência. O advogado passou a frequentar clínica de reabilitação em neurologia duas vezes por semana. Passou a ter melhoras nos movimentos e voltou até mesmo a cantar. Comemorou novamente com os amigos os aniversários e a vida.
— Ele já sai com amigos, participa de festa. Está com a cabeça perfeita. Agora, o milagre final é ele largar essa cadeira e andar sozinho — projeta Irene.
"Renasci", conta Guto
No apartamento de Irene, onde estão espalhadas fotos da família por todos os cantos, no bairro Cidade Baixa, Guto segura a mão da mãe enquanto fala sobre o livro.
— Sou teu fã incondicional — diz para a mãe.
Emociona-se ao ouvi-la recordar a história dessa última década, especialmente o momento em que ele falou pela primeira vez:
— É um grande orgulho, muito orgulhoso. Eu estou até emocionado. Ela passou por tudo isso comigo, juntinho. Eu renasci.
Quero mostrar para as pessoas que não se deve perder a fé. Eu quase perdi. Acredite, não perca a esperança. O Guto está aí para mostrar que milagres sim acontecem.
IRENE ALVES
Mãe de Guto
Na clínica, segundo a mãe, o advogado está ensaiando os primeiros passos. Irene espera que Guto tenha devolvida a liberdade, que lhe foi roubada às 17h40min daquele sábado ensolarado. Sonha com o dia em que o filho voltará a caminhar pelas ruas de Porto Alegre, e "embelezar a cidade", como ela diz. Tem certeza de que quando isso acontecer, estará ao lado dele:
— Quero mostrar para as pessoas que não se deve perder a fé. Eu quase perdi. Acredite, não perca a esperança. O Guto está aí para mostrar que milagres acontecem.
O sonho de Guto, além de caminhar novamente, é poder voltar a trabalhar e ajudar outras pessoas, como fazia antes de tudo isso.
Autor foi condenado
Em junho de 2016, Rodrigo Borges Pereira foi sentenciado a 12 anos de prisão pelo crime de tentativa de homicídio contra o advogado. Quando recebeu a sentença, ele já estava preso desde 24 de maio de 2013. Permaneceu detido, até progredir ao regime semiaberto em 4 de fevereiro de 2019.
Em março do ano passado, Pereira recebeu da Justiça de Santa Catarina — Estado onde reside atualmente — o direito de permanecer em liberdade, desde que comprove que está trabalhando, comunique a ocupação sempre que solicitado, permaneça em casa à noite e não se mude sem autorização judicial, entre outras obrigações. A previsão é de que ele encerre o cumprimento da pena em 18 de dezembro de 2024.
A investigação apontou que o motivo do crime foi um desentendimento entre os dois, dias antes do fato. Guto teria avistado o agressor com uma faca na cintura, nas proximidades da Rua Sofia Veloso, no bairro Cidade Baixa, onde ambos moravam. Passados alguns dias, conforme a polícia, Guto deparou novamente com Pereira na mesma rua, dessa vez sem a faca, e o questionou sobre o fato de andar portando o objeto. Em 4 de maio de 2013, Pereira teria atacado Guto pelas costas enquanto ele caminhava na Redenção.
Quando foi interrogado, Pereira alegou que não conhecia a vítima e que estava preso injustamente.