A edição desta quarta-feira (19) do Tá na Mesa, almoço temático promovido pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), debateu “a lei, a jurisprudência e a impunidade em crimes violentos”. Em entrevista coletiva, representantes do Poder Executivo estadual e do sistema de Justiça comentaram, entre outros casos e temas, a progressão de regime do médico Leandro Boldrini, concedida no dia 14 de julho.
Boldrini foi um dos condenados pela morte do filho Bernardo Uglione Boldrini e recebeu sentença de 31 anos e oito meses de prisão. O médico passou mais de nove anos encarcerado e, por ter trabalhado na prisão, teve o benefício da remição. Com isso, somou mais de 12 anos de cumprimento da pena. Foi o suficiente para atingir a marca de dois quintos da sanção, ou 40%, conforme a lei atual prevê para primários que cometem crimes hediondos, e receber a progressão de regime. Como não havia vaga no semiaberto, o médico foi enviado à reclusão domiciliar, com o uso da tornozeleira eletrônica.
Houve concordância entre os debatedores de que Boldrini atingiu os critérios objetivos para obter a progressão, conforme os mandamentos da legislação atual. Para João Ricardo Tavares, presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMP-RS), é preciso fazer uma alteração legislativa nas regras. Ele sugere o debate sobre a adoção de penas de prisão menores, mas com a imposição do tempo determinado de privação da liberdade, o que limitaria diretamente o sistema de progressão.
— Sai um julgamento de 31 anos e oito meses de condenação, e o efetivo cumprimento é nove anos, e é esse o tempo que ele deveria cumprir, causa na população esse sentimento de descrédito — avalia Tavares.
O secretário estadual da Segurança Pública, Sandro Caron, diz que as polícias, o MP e o Judiciário “agem aplicando a lei”. O entendimento dele é de que é preciso mudar o ordenamento e torná-lo mais rigoroso na execução penal. Caron defende que homicídios, roubos e tráfico de drogas — devido à relação de causa e efeito das quadrilhas de entorpecentes com os delitos de sangue — deveriam ter aumento de pena ou endurecimento das regras de progressão.
— Não defendo o encarceramento generalizado, mas homicídio, roubo e tráfico de drogas teriam de deixar preso por tempo maior. Precisamos de urgentes alterações nas legislações penal e processual — disse Caron.
Ele destacou que o tema será debatido na próxima reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança, em agosto, em Brasília. A ideia, afirmou, é formalizar ao Ministério da Justiça o que ele considera uma necessidade de revisão da lei.
O desembargador Jayme Weingartner Neto, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, destacou que o chamado pacote anticrime, aprovado em 2019, aumentou o efetivo cumprimento da pena antes do direito à progressão de regime na maioria das situações. Ele ainda mencionou a experiência de alto índice de encarceramento dos Estados Unidos. Segundo Neto, as prisões federais norte-americanas tiveram superlotações a ponto de as comunidades de alguns Estados manifestarem contrariedade com o financiamento deste modelo.
— Tivemos leis que, gradativamente, endureceram. Mas há um momento, até por razões financeiras, que o encarceramento se limita. Eu não apostaria tanto que simplesmente a golpes de lei a gente vai resolver isso — afirmou Neto.
Ele ainda destacou a baixa resolução dos crimes de homicídio.
— Estamos focando nos casos que vêm para a Justiça. Se está progredindo de regime, impune não ficou. Está sendo cumprida a pena. E os outros tantos que não foram sequer apontados como autores de homicídio? Dados do Instituto Sou da Paz falavam no ano passado em 44% de homicídios elucidados. Esse índice baixou para 37% na média nacional. São 63% de homicídios em que sequer foi apurada a autoria. Onde é que está a impunidade? O que podemos fazer para melhorar? — questionou o magistrado.
Ainda foram debatidos temas como ressocialização de apenados, qualificação e controle dos presídios e houve alguma ênfase nos feminicídios, um delito que fechou 2022 em alta no Rio Grande do Sul.
— Os crimes previstos na Lei Maria da Penha são também um problema cultural. Sem uma mudança cultural, não vamos ter a diminuição desses índices — avaliou Tavares, da AMP-RS.
Titular da SSP-RS, Caron destacou a iniciativa do Estado de implementar o monitoramento eletrônico de agressores. O objetivo é efetivar o cumprimento de medidas protetivas decretadas pelo Poder Judiciário, para que os denunciados mantenham distância das vítimas, por exemplo.
— O combate ao feminicídio é uma das ações mais desafiadoras da segurança pública. É um crime que, via de regra, acontece dentro dos lares. Não se reduz o feminicídio com policiamento nas ruas. O grande desafio é o trabalho de conscientização das vítimas. Existe todo um sofrimento, inclusive psíquico, que cria uma barreira e a mulher tem dificuldade de comparecer perante a autoridade policial. Apesar do sofrimento, é importante comparecer à delegacia — diz Caron.
Dos 107 feminicídios registrados no Rio Grande do Sul em 2022, em 21 casos a vítima tinha medida protetiva.