Quase dois anos depois de ser preso por suspeita de ter abusado de pacientes em Canguçu, no sul do RS, Cairo Roberto de Ávila Barbosa, 67 anos, teve a pena reduzida por decisão do Tribunal de Justiça e foi solto. Em razão da nova pena, o médico passou para o regime aberto e deixou a prisão onde estava sendo mantido. Quando foi ouvido ao longo dos processos, o ginecologista, que atuava há quatro décadas no município, negou os crimes.
Após série de relatos das pacientes, que passaram a procurar a polícia de Canguçu, o médico foi indiciado e se tornou réu em três processos, na maioria dos casos pelo crime de violação sexual mediante fraude. Segundo a acusação, ele fingia realizar exame ginecológico com o objetivo de abusar das mulheres. A constatação de que ele teria agido contra pelo menos 19 pacientes – de forma reiterada – levou o Ministério Público a pedir a prisão preventiva do médico. Por isso, Barbosa foi detido em 17 de junho de 2021 na Praia do Cassino, em Rio Grande.
Em 20 de abril deste ano, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça analisou o pedido da defesa do médico em relação a um dos processos no qual ele é acusado de ter cometido o crime contra nove pacientes. Neste caso, o ginecologista havia sido condenado a 16 anos e cinco meses de prisão, em regime fechado. Mas na nova avaliação o TJ decidiu extinguir parte da pena do réu, e fixou a sentença em três anos, oito meses e quatro dias de reclusão.
O entendimento do TJ foi de que nos casos ocorridos antes de 2018 as vítimas deveriam ter registrado o fato até seis meses após ter acontecido. Até então, esse tipo de crime dependia de a vítima querer mover a ação – o que foi alterado por nova legislação. Em razão disso, foi extinta a punição em relação a três casos, que ocorreram entre 2014 e 2017. O TJ manteve, no entanto, a condenação do médico no que diz respeito a três casos que ocorridos em 2020. Em relação a outros três, já havia decisão anterior que reconhecia a perda do direito por parte das vítimas, por não terem cumprido o prazo do registro.
Para tentar reverter isso, o Ministério Público argumentou ao longo do processo que as vítimas se encontravam em situação de vulnerabilidade e, em razão disso, a ação pública seria incondicionada – o que ocorre em caso de vítimas vulneráveis – e não demandaria que elas tivessem feito o registro naquele prazo. Mas o TJ entendeu que a relação entre médico e paciente não é suficiente para determinar essa vulnerabilidade. Apesar de ter decidido extinguir parte da pena, o TJ reconheceu que existiam no processo provas de que os crimes foram realmente cometidos pelo médico.
“Frustrante”, diz vítima
Uma das mulheres que relata ter sido vítima do médico diz que sofreu ao longo dos últimos anos com a culpa e a depressão. Precisou passar a tomar medicamentos para dormir. Síndrome do pânico, insônia e crises de choro são alguns dos reflexos citados pelas mulheres que relatam terem sido abusadas. Ela soube da decisão de soltura do médico no fim de abril.
– É meio frustrante para nós, para todas as vítimas. Eu ainda estou conseguindo me equilibrar da depressão, mas tem outras que não, que quando souberam que ele foi solto tiveram uma recaída. É frustrante, mas infelizmente é isso – disse.
Além deste processo no qual foi sentenciado a 16 anos, o médico também foi condenado em outros dois processos – num deles a cinco anos, oito meses e sete dias e no outro a dois anos, sete meses e 15 dias. Nestes casos, ainda há recursos em andamento. O Tribunal de Justiça confirmou que a decisão da 5ª Câmara foi encaminhada para a Vara de Execuções Criminais de Pelotas, que determinou que o médico passasse ao regime de acordo com a condenação, no caso, o aberto. Em razão disso, Barbosa foi solto. Segundo o Tribunal de Justiça, ainda não foi finalizado o prazo para recurso.
O Ministério Público do RS enviou nota informando que apesar de "discordar da decisão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, é inviável, no presente caso, o ingresso de recursos aos Tribunais Superiores objetivando a análise de provas, conforme súmula do Superior Tribunal de Justiça". Ou seja, não será movido novo recurso em relação a esta decisão. Além dos processos criminais, o médico também responde a procedimento ético-profissional no Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), que continua em andamento e corre em sigilo.
Relembre
No Hospital de Caridade de Canguçu, a 200 metros da clínica particular que mantinha na área central do município, o médico cumpria plantões de 24 horas como obstetra, na maternidade, nas quintas e sábados. Por decisão da Justiça, após pedidos feitos pelo Ministério Público, ele foi afastado da casa de saúde. O médico foi acusado de ter abusado sexualmente das pacientes durante atendimentos realizados tanto no hospital como na clínica.
Os casos passaram a ser investigados pela Polícia Civil e, após a divulgação das denúncias, outras mulheres passaram a procurar a delegacia e o Ministério Público.
— Carreguei por anos isso comigo, contei somente para minha família. Tive crises de choro, depressão. A gente fica extremamente impotente. É uma coisa que não tem como esquecer — contou a GZH uma das mulheres, de 40 anos, que relata ter sido vítima do médico.
Na decisão que condenou o médico a 16 anos, a juíza Hélen Fernandes Paiva, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Canguçu, afirmou as vítimas "relataram terem a sensação de que o procedimento adotado era, no mínimo, estranho, contudo, não tiveram a certeza de que se tratava de um abuso sexual, já que tentaram acreditar no procedimento adotado pelo renomado médico".
Contraponto
GZH entrou em contato com o advogado Gustavo Goularte, um dos responsáveis pela defesa do médico, que informou que só se manifesta nos autos do processo. Quando foi ouvido na Justiça sobre os fatos apontados pelas mulheres, o ginecologista negou que tenha cometido os crimes, mesma versão que havia apresentado à Polícia Civil durante a investigação.