Na tentativa de tornar menos traumático o caminho que as vítimas de violência contra a mulher precisam trilhar para buscar ajuda, a Polícia Civil de Canguçu vem se mobilizando para implantar uma sala de acolhimento. O projeto chamado Sala das Margaridas já está presente em outras delegacias do Rio Grande do Sul. Nas últimas semanas, um caso envolvendo supostos abusos sexuais cometidos por um ginecologista escandalizaram o município no sul do Estado.
No caso das pacientes que relatam ter sido abusadas pelo médico, uma das duas únicas policiais mulheres da DP foi destacada para fazer as oitivas. A escrivã Luana Cavedon é quem ouve as pacientes do ginecologista.
— Está bem pesado. Muitas nem sequer entendiam, acharam que era um procedimento, confiaram por ser um médico. Outras se sentem culpadas, achando que deram causa para o abuso — afirma a escrivã.
Mas ter uma policial mulher destacada para ouvir os depoimentos foi um cuidado adotado em relação a esse caso especificamente. Via de regra, quando uma vítima de violência doméstica ou violência de gênero busca a DP de Canguçu, os atendimentos são realizados da mesma forma que os demais crimes.
É isso que o delegado César Braga Rodrigues Nogueira, que assumiu a delegacia em setembro, pretende mudar. A busca agora é pela implantação do projeto, que permitirá ter um espaço separado para realizar a escuta das mulheres, com maior acolhimento. Somente no ano passado, 154 medidas protetivas foram solicitadas no município.
— É um pedido de medida protetiva a cada dois dias. Fora os casos das que não pedem a medida protetiva, porque ainda tem dependência financeira ou psicológica e não tem para onde ir. Às vezes, ela vem no centro com o marido, numa consulta médica, foge do marido e vem na delegacia. Diz que não quer o afastamento, só quer que saibam porque se acontecer alguma coisa com ela, já vão saber — afirma o delegado.
O município não possui casa de acolhimento para mulheres que necessitam ser abrigadas. O secretário municipal de Assistência Social, Eliezer Timm, diz que há possibilidade de manter a vítima em hotel da cidade. Mas reconhece que essa não é a situação ideal, já que uma casa de acolhimento possui profissionais para dar apoio às mulheres.
— Saber que ao denunciar, expor a situação, terá uma equipe de suporte e local adequado, é uma forma de fortalecer a capacidade dessa mulher de pedir ajuda. Dá uma maior segurança. A casa é fundamental, essencial, mas depende de termos recursos e profissionais — diz o secretário.
No ano passado em Canguçu, foram 87 ameaças, 62 lesões corporais, nove estupros de vulnerável, dois estupros e um assédio sexual (nenhum feminicídio foi registrado) contra mulheres. A DP não possui plantão 24 horas, devido ao número de servidores. Por isso, o atendimento de casos graves é feito por sobreaviso.
— Muitos casos de violência doméstica acontecem justamente à noite e nos fins de semana — diz o delegado.
Os dados citados pelo policial constam em um relatório produzido por ele na tentativa de obter apoio municipal. Na busca pela instalação da sala, o delegado conta com a única vereadora do município. A agricultora Iasmin Roloff (PT), 23 anos, é a mais jovem já eleita em Canguçu e quarta mulher a ocupar o cargo na Câmara – a última tinha sido em 2001.
— Não temos casa da acolhida e nem estrutura para ter uma Delegacia da Mulher. O caminho que vimos é a Sala das Margaridas e vamos focar nesse projeto. Queremos que se conclua ainda neste ano. Isso vai garantir melhor atendimento para as vítimas, para que se sintam mais acolhidas – afirma a vereadora.
O prefeito Marcus Vinicius Muller Pegoraro diz que o município vai doar a mobília para ajudar na instalação do projeto e que está realizando reparos, como pintura de paredes e grades, na fachada da delegacia.
— É obvio uma situação que choca o município — afirma sobre o episódio envolvendo o ginecologista.
Outras iniciativas
Para atender as mulheres que afirmam ter sido abusadas pelo médico, a prefeitura pretende remanejar uma psicóloga para esses atendimentos — atualmente há somente uma, além de três assistentes sociais no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas).
O secretário Timm diz que uma das medidas que deve ser adotada é repassar o contato da psicóloga diretamente para as mulheres que forem até a DP, para que elas não precisem ir até a sede do serviço solicitar o apoio.
— Em cidade pequena, sabemos que elas podem se constranger de ir até lá pessoalmente. Por isso, estamos estudando essa possibilidade junto ao Ministério Público de que o contato seja feito direto com a psicóloga para preservar a identidade das vítimas — afirma.
Com extensa área rural, o município enfrenta também o desafio de levar a informação para locais afastados, onde pedir ajuda nesses casos pode ser ainda mais difícil. Para isso, uma das apostas é a realização de eventos em escolas nessas localidades.
— É a forma que temos de acessar as famílias e levar informativos sobre violência doméstica, abuso infantil. Houve um caso em que um delegado estava falando na escola e uma menina pediu para conversar com ele. Se sentiu confiante para denunciar o abuso de um parente. A escola é o nosso elo porque ela já tem a confiança das crianças e das famílias — recorda.