O comandante-geral da Brigada Militar (BM), coronel Cláudio Feoli, afirmou nesta terça-feira (23), considerar importante que a corporação que ele lidera compreenda e debata o fenômeno do racismo estrutural. Feoli se referia aos dados revelados em reportagem de GZH que mostram que o cidadão ser negro, jovem e tatuado são as características que mais motivam abordagens policiais, segundo pesquisa coordenada por um braço da Organização das Nações Unidas (ONU) baseado em um questionário respondido por agentes de segurança na região metropolitana de Porto Alegre.
— O racismo estrutural, na verdade, a gente vê em todos os segmentos. E a discussão e a compreensão do fenômeno (racismo estrutural) é importante para todas as profissões, sobretudo a (profissão) policial. Hoje a gente se vê com a discussão envolvendo um jogador de futebol na Espanha, né? E a mudança dessa cultura nefasta é necessária para uma civilização atual e solidária. A Brigada não se dissocia disso, né? Porque a mesma sociedade que na Europa faz esse tipo de discriminação no Brasil também não é diferente no Rio Grande do Sul. Como o nosso policial sai do mesmo núcleo social, nós temos uma amostra que é indivisível da sociedade — destacou o comandante da BM.
O problema estrutural, de acordo com Feoli, vem sendo atacado dentro da Brigada Militar desde a década de 1990, quando foram incluídos cursos de direitos humanos e abordagens policiais a pessoas de grupos minoritários.
O comandante da Brigada Militar também destaca as ferramentas de análise de dados usadas pela corporação para definir os locais e horários de policiamento. Isso, segundo Feoli, ajuda a afastar a subjetividade das abordagens.
— Nós temos um sistema de gestão que consegue viabilizar a alocação de recursos humanos nos horários e locais em que nós temos maior incidência de ocorrências. Isso faz com que as abordagens sejam muito mais em razão dos locais do que do estereótipo — afirma Feoli.
As características que mais motivam abordagens na Grande Porto Alegre
Na segunda-feira (22), GZH revelou em primeira mão dados de uma pesquisa que mostra que um cidadão ser negro, jovem e tatuado são as três características mais percebidas como suspeitas por um grupo de policiais para justificar abordagens em seis territórios da Região Metropolitana. A pesquisa, coordenada por um braço da Organização das Nações Unidas (ONU), revela como ocorre a tomada de decisão para a abordagem, pela declaração dos próprios agentes de segurança pública.
Entenda a pesquisa
Os dados estão presentes em um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), publicado em 2023, que detalhou o trabalho de oito anos sobre o uso da força e o cumprimento de normas por parte de policiais da Capital, de Alvorada e de Viamão.
Durante os trabalhos do Escritório da ONU, um questionário com 30 perguntas sobre a rotina de trabalho foi enviado para os 400 policiais militares e civis dos territórios analisados. As questões foram respondidas, de forma anônima, por 113 agentes.
A principal pergunta destacada no relatório do Escritório da ONU foi: "Na sua atuação profissional cotidiana (...), o quanto as características abaixo são compreendidas como suspeitas a ponto de gerar uma abordagem?".
A partir das respostas dos policiais, os pesquisadores montaram um ranking. A característica "ser negro" foi aquela mais respondida como suspeita pelos policiais para justificar uma abordagem. Em uma escala de 0 a 3,5, teve peso 2,95. A característica menos relevante foi "parecer estar vendendo drogas" — com peso 1,15.
Apesar de reconhecer o problema estrutural, o comandante da BM ponderou que o número de policiais que responderam o questionário representa uma amostra que não é relevante dentro do universo de mais de 22 mil brigadianos.