Na sexta-feira (7), a professora Isabel Oliveira denunciou ter sido vítima de racismo dentro de um mercado da rede Atacadão, do grupo Carrefour, em Curitiba. No sábado (8), Vinicius de Paula publicou um vídeo denunciando uma situação que ocorreu em uma unidade do Carrefour em São Paulo. Em razão dos relatos, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, criticou a empresa na segunda-feira (10).
O primeiro caso aconteceu com Isabel, no Paraná. Na última sexta-feira, a professora foi ao mercado e disse que foi seguida por um segurança dentro do estabelecimento e que, horas mais tarde, voltou para finalizar suas compras e ficou apenas de calcinha e sutiã, para mostrar que não estava furtando.
No corpo, ela escreveu: "Sou uma ameaça?".
— Quando eu vim vestida, havia um segurança atrás de mim. Eu voltei, agora nua, para levar a latinha de leite para a minha bebê e mostrar que não estou roubando nada — disse a professora para uma atendente.
Isabel registrou um boletim de ocorrência e prestou depoimento sobre o fato. A Polícia Civil do Paraná, na segunda-feira, abriu um inquérito para investigar a denúncia.
No sábado, veio à tona outra denúncia de racismo contra o Carrefour. Vinicius de Paula, marido de Fabiana Claudino, bicampeã olímpica de vôlei, postou um vídeo nas redes sociais no qual afirma que não foi atendido em um caixa preferencial de uma unidade do grupo, mas viu uma mulher branca receber o atendimento em seguida.
Apesar da denúncia ter sido feita no sábado, o fato também aconteceu na sexta-feira, em uma loja localizada em Alphaville, São Paulo. Vinicius diz que vai ingressar com uma ação, pedindo indenização da empresa.
Crítica de Lula
Os novos casos de denúncias de racismo contra o Carrefour renderam criticas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Na segunda-feira, durante reunião ministerial no Palácio do Planalto, Lula destacou especialmente a denúncia feita por Isabel.
— O Carrefour cometeu mais um crime de racismo. Um fiscal do Carrefour acompanhou uma moça negra, que ia fazer compra, achando que ela ia roubar, ela teve que ficar só de calcinha e sutiã para provar que ela não ia roubar. Se eles querem fazer isso no país de origem deles, que façam, mas não iremos permitir que eles ajam assim aqui — afirmou.
Contrapontos do Carrefour
Contatado, o Carrefour se manifestou sobre as duas denúncias.
Em relação ao caso de Curitiba, o grupo afirma:
"O Grupo Carrefour Brasil está completamente comprometido com uma total transparência e segue postura de tolerância zero contra qualquer tipo de racismo.
A companhia abriu apuração interna sobre o caso e suspendeu o funcionário indicado pela senhora Isabel durante esse período de investigação. Imagens internas das câmeras da loja serão disponibilizadas às autoridades.
O Grupo Carrefour Brasil é uma empresa brasileira de capital aberto com 47 anos de presença no país, a maior empregadora privada do Brasil, com mais de 150 mil colaboradores, e comprometida com uma extensa agenda antirracista."
O Atacadão, na sexta-feira, havia informado que "não identificou indícios de abordagem indevida" no caso, mas que se colocou à disposição da denunciante. A reportagem de GZH tentou novo contato com a empresa nesta terça-feira, para atualização do posicionamento, e aguarda retorno.
Em relação ao caso de São Paulo, o Carrefour Brasil afirma:
"O Carrefour informa que às 15h do dia 07/04 o Sr. Vinicius teve o atendimento recusado por uma operadora de caixa na fila preferencial, sem justificativa. A colaboradora, que estava em período de experiência, foi imediatamente afastada pela gerência e desligada no mesmo dia. Acolhemos o cliente no momento do ocorrido, tendo seguido em contato com ele desde então - e continuamos abertos ao diálogo. Temos uma política de tolerância zero contra qualquer tipo de comportamento desrespeitoso, além de promover esforços constantes na conscientização dos nossos colaboradores.
Nos últimos dois anos o Carrefour assumiu a responsabilidade de fazer uma transformação de dentro para fora no combate ao racismo estrutural no país, com investimento de mais de R$ 115 milhões em ações a favor do empreendedorismo negro e na área de educação. Por exemplo, todos os nossos colaboradores são constantemente capacitados para uma postura antirracista; lançamos o maior programa de bolsas de estudo e permanência privadas do país, para graduação, mestrado e doutorado de pessoas negras; e recentemente firmamos uma parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares para criação do primeiro curso de nível superior para formação de profissionais antirracistas na área de segurança."
Caso João Alberto Silveira Freitas
Em novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, morreu após ter sido espancado na porta de uma loja do supermercado Carrefour, no bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre. O caso teve grande repercussão, gerando protestos em todo o Brasil.
O Grupo Carrefour Brasil prestou auxílio financeiro e psiquiátrico aos familiares de Freitas, disponibilizando assistente social e custeio de gastos do dia a dia (supermercados, aluguéis, transportes, educação, entre outros). Além disso, nove familiares (a viúva, o pai, a irmã, a enteada, a neta e os quatro filhos) foram indenizados.
Em junho de 2021, o Carrefour assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) prevendo o investimento de R$ 115 milhões em ações de enfrentamento ao racismo. Segundo a empresa, a partir das propostas de um comitê externo independente, foi elaborado um plano de ação de curto, médio e longo prazos estruturado em cinco pontos:
- Tolerância zero ao racismo e à discriminação;
- Transformação radical do modelo de segurança do Grupo Carrefour Brasil;
- Divulgação da política de tolerância zero à discriminação;
- Mecanismo de denúncia de preconceito e discriminação;
- Punições e/ou sanções disciplinares para caso de descumprimento das políticas.
Em novembro de 2022, a Justiça decidiu que seis réus no caso devem ir a júri.