O terceiro dia do julgamento de Leandro Boldrini, em Três Passos, encerrou a etapa de depoimento de testemunhas do caso. A sessão desta quarta-feira (22) se encerrou às 22h, no fórum do município no noroeste do Estado. A expectativa é de que o réu seja ouvido na quinta-feira (23), em sessão que deve começar a partir das 9h — a menos que ele opte por não se manifestar no julgamento. Ele é acusado de ser mentor intelectual da morte do próprio filho, o menino Bernardo, em 2014. O júri deve ser encerrado também na quinta.
O dia começou com o depoimento da última testemunha de acusação do caso, a psicóloga Ariane Schmitt, que falou sobre como eram as sessões de terapia com Bernardo. A profissional pediu para depor sem a presença do réu — que se deslocou ao fórum, mas não acompanhou a audiência pelo segundo dia consecutivo.
A psicóloga disse que o garoto foi encaminhado para atendimento pela escola, a partir de 2011. Em um relato forte, contou que Bernardo, em algumas ocasiões, chegou para a consulta sozinho, dopado e com sinais de pneumonia. Questionada sobre como era a relação da criança com o pai, Ariane descreveu:
— Era órfão de pai vivo, órfão de uma família ausente. Isso é mais triste do que a perda, porque a orfandade é sentida no dia a dia, quando você chega com o trabalhinho escolar, você vai contar uma novidade pro papai e pra mamãe e eles estão ocupados.
Ela relatou ainda que, durante uma consulta, pediu para Bernardo dizer com qual personagem infantil ele se identificava, com a intenção de ouvir algo como "o patinho feio", pela rejeição que sofria. A resposta do menino foi ainda mais chocante, segundo ela:
— Ele me disse: "Tia, não sou personagem algum, ninguém conta histórias para mim".
A psicóloga completou dizendo que Bernardo era "louco pelo pai" e queria ser médico como ele:
— Ele era um excelente cirurgião, excelente médico. E é chocante essa diferença entre o profissional e o pai omisso.
Marido de uma babá, ex-funcionária e primo são ouvidos
O primeiro depoimento de testemunha arrolada pela defesa nesta quarta-feira foi o de Luis Omar Gomes Pinto, que na época era casado com uma das babás de Bernardo. Inicialmente, os advogados chegaram a dispensar a oitiva de Pinto, mas o Ministério Público pediu que o depoente fosse mantido em plenário e a juíza acatou o pedido.
O homem, que também realizou serviços gerais para a família desde a época que a mãe de Bernardo era viva, disse que nunca viu agressões ao menino por parte do pai. Ele completou que soube de um episódio de agressão por parte da madrasta, inclusive com tentativa de asfixia com uso de uma almofada.
Na sequência, foi ouvida a técnica em enfermagem e ex-funcionária de Boldrini, Marlise Cecília Rentz, que afirmou que a relação de Bernardo e Graciele era boa no início do casamento dela com o médico, mas que houve uma ruptura tempos depois.
— Ela vivia grudada no Bernardo, com se ele fosse dar o que ela queria. Mas depois chegou num limite. Ele não aguentava mais ficar na mesma casa que ela — afirmou Marlise.
Questionada inicialmente pelos advogados de Leandro Boldrini, a técnica de enfermagem destacou que o médico trabalhava "dia e noite", mas que ele sabia de episódios em que Bernardo era maltratado pela madrasta.
Dias antes da morte do menino, a técnica de enfermagem relatou que ampolas de Midazolam desapareceram da farmácia do hospital. O sedativo foi o mesmo utilizado na injeção que matou o menino.
As duas testemunhas seguintes tiveram relatos muito breves. Foram ouvidas Lori Heller (ex-babá do menino) e Rosângela Pinheiro (ex-colega de Boldrini).
Por último, foi ouvido o primo de Boldrini, Andrigo Rebelato. O advogado, que é morador de Porto Alegre, afirmou que acredita na inocência do parente.
Acusado não assiste à sessão novamente
Pelo segundo dia seguido, Boldrini não acompanhou os trabalhos em plenário. Na terça (21) e nesta quarta-feira (22), ele chegou a se deslocar ao fórum, mas foi embora logo depois. Segundo a defesa, ele passou mal e precisou receber atendimento médico. O réu foi levado ao presídio de Ijuí, onde foi atendido.
Ainda não foi confirmado se Boldrini vai falar na sessão de quinta.
A defesa do médico nega envolvimento dele no caso. Os advogados Rodrigo Grecellé Vares e Ezequiel Vetoretti admitem que o réu "falhou como pai", mas sustentam que "existe uma distância abismal entre não ser um bom pai" e "organizar a morte do filho".
Julgamento
Boldrini é acusado de ter sido o mentor intelectual da morte do filho. O réu havia sido condenado, em 2019, a 33 anos e oito meses de prisão em regime fechado, mas a decisão foi anulada em 2021 - fazendo com que ele seja submetido a novo julgamento.
A anulação ocorreu porque o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) entendeu que o Ministério Público violou o direito do médico de ficar em silêncio no interrogatório daquela sessão.
O novo júri teve início na segunda-feira (20) e a previsão de encerramento é para a quinta-feira (23). Os outros três réus não serão julgados novamente porque suas condenações foram mantidas (confira abaixo a situação de cada um deles).
A situação dos demais réus
- Graciele Ugulini (madrasta) - condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026;
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) - condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre;
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) - condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.