Três meses após quatro crianças serem encontradas mortas dentro de uma casa no bairro Piratini, em Alvorada, na Região Metropolitana, a Polícia Civil concluiu nesta semana a investigação sobre o caso. David da Silva Lemos, 28 anos, preso um dia depois da descoberta do crime brutal, foi indiciado pelos assassinatos de Yasmin, 11 anos, Donavan, oito, Giovanna, seis, e a caçula Kimberlly, três.
À frente da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) do município, o delegado Edimar Machado foi responsável por conduzir o inquérito, que foi remetido ao Judiciário na quarta-feira (15). Lemos foi indiciado por quatro homicídios qualificados. A polícia entendeu que o crime foi cometido por motivo torpe, meio cruel, dissimulação e também qualificado em razão de as vítimas serem menores de 14 anos.
Sobre a motivação, a polícia concluiu que o pai agiu na intenção de atingir a ex-companheira. A mulher tinha medida protetiva contra Lemos, mas a ordem judicial não se estendia às crianças. Em depoimento, Thays Antunes, 26 anos, negou que tivesse havido algum episódio anterior de violência do ex contra os filhos, mas relatou ter sido agredida e que ele não aceitava o fim do relacionamento. Quando foi ouvido pelos policiais, no fim de dezembro, Lemos disse que se sentia traído por acreditar que a ex estaria mantendo relação com outra pessoa. Isso teria motivado o crime.
Uma semana após os assassinatos, Thays disse em entrevista à RBS TV que manteve relacionamento de 11 anos com Lemos e que estava separada dele havia cerca de três meses. Narrou que foi agredida pelo ex com uma série de socos na cabeça, em setembro, motivo pelo qual terminou a relação e teve concedida medida protetiva. Thays disse ainda que, embora o ex não aceitasse a separação, em nenhum momento ele deu algum sinal de que poderia fazer algo contra os filhos.
— Ele estava normal, não demonstrou raiva, ódio, nem que pudesse fazer alguma coisa com as crianças. Ele não demonstrou em momento algum — descreveu.
Meio cruel e dissimulação
Durante o interrogatório da polícia, o pai não quis detalhar como teria ocorrido o crime, embora tenha admitido que matou os filhos. Mas em relato anterior, em 14 de dezembro, após ser preso em flagrante na recepção de um hotel em Porto Alegre, narrou informalmente as mortes. A polícia entendeu que o crime foi cometido com meio cruel, já que Yasmin, Donavan e Giovana foram mortos a facadas. As causas das mortes foram confirmadas pelos laudos de necropsia da perícia, com exceção de Kimberlly. Não foi possível identificar o que provocou a morte da caçula.
— No caso dela, não foi possível apontar se houve a asfixia, como ele relatou, mas tudo leva a crer que sim. Um dos laudos técnicos da perícia indica esse meio cruel, devido ao número de golpes de faca desferido nas crianças. Foi uma coisa brutal — diz o delegado.
O crime teria acontecido no fim da tarde de 12 de dezembro. As crianças tinham passado o fim de semana na casa do pai e da avó paterna, que ficava no mesmo pátio. Naquela segunda-feira, deveriam ter retornado para a mãe, que estava residindo em Porto Alegre, mas isso não aconteceu. No início da noite de 13 de dezembro, a avó paterna das crianças, que morava no mesmo pátio que o filho, foi até a residência dele e deparou com os corpos dos netos. Lemos já havia deixado o local.
Sobre a qualificadora de dissimulação, o delegado entendeu que Lemos usou desse recurso para conseguir cometer o crime.
— Os filhos jamais imaginavam que o pai iria matá-los. As crianças estavam brincando no pátio, pelo que ele relatou, chamou uma por uma para cometer os homicídios. Se fosse um estranho que chamasse, eles não iriam. Mas era o pai. Eles jamais pensariam que estava chamando para cometer um crime — afirma Machado.
No primeiro relato à polícia, o pai disse também que teria usado chá para fazer os filhos dormirem antes de matá-los. Mas não detalhou que tipo de bebida tinha sido essa. A polícia solicitou ao todo 48 análises ao Instituto-Geral de Perícias (IGP), sendo 23 delas da área de toxicologia, para descobrir se havia alguma substância sedativa nos corpos das crianças. Os laudos descartaram a possibilidade de que elas tenham sido dopadas.
— Não foi constado pela perícia nenhum tipo de substância para causar sonolência nas crianças — explica o delegado.
Análises pendentes
A polícia ainda aguarda o retorno sobre a análise do celular de Lemos. O aparelho foi apreendido com ele no dia em que foi preso pela Brigada Militar na recepção de um hotel nas proximidades da Estação Rodoviária de Porto Alegre. Foi necessária autorização judicial para vasculhar o celular, que posteriormente foi encaminhado para tentativa de acesso (o telefone estava bloqueado) pela própria equipe da Polícia Civil. Um dos intuitos é verificar se há algum indício de premeditação do crime, como pesquisas anteriores na internet, por exemplo.
— Ele alega que não premeditou. Diz que foi algo impulsivo, um momento de raiva — diz Machado.
Há ainda uma perícia para ser concluída para comparar o material genético encontrado numa faca apreendida na casa com o DNA das crianças e do pai. Quando essas análises forem finalizadas, serão encaminhadas ao Judiciário. Com a conclusão da investigação, cabe ao Ministério Público decidir se denuncia o preso e por quais crimes.
Contraponto
O que diz a defesa de David da Silva Lemos
A Defensoria Pública do Estado enviou nota, na qual afirma que "por seu dever constitucional, visando garantir a plena defesa do contraditório, segue atuando na defesa do réu". A DPE já havia informado que só deve se manifestar sobre o caso nos autos do processo.
Como buscar ajuda
Em casos de violência doméstica, qualquer pessoa pode informar sobre casos e orientar a mulher a buscar um serviço de atendimento. Conheça algumas formas de pedir ajuda:
- Para socorro urgente, o número é o 190;
- Além do Disque Denúncia 181, está disponível o Denúncia Digital 181, no site da Secretaria da Segurança Pública;
- O WhatsApp da Polícia Civil (51 98444-0606) recebe mensagens 24 horas, sem a necessidade de se identificar;
- A Delegacia Online tem novas possibilidades de registro para receber os relatos de violência doméstica. Permite fazer o boletim de ocorrência, com a mesma validade do documento emitido presencialmente, a qualquer horário e por qualquer dispositivo com internet;
- Salas das Margaridas nas Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPAs), para levar o acolhimento e o amparo especializado nessas unidades, que frequentemente são a primeira parada das mulheres em busca de ajuda;
- Quem não tem acesso pode procurar qualquer Delegacia de Polícia, além das 23 Deams hoje existentes no Estado;
- A Defensoria Pública presta orientação e a defesa em juízo das mulheres de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade. Orienta vítimas pelo Disque Acolhimento: 0800-644-5556. Também há o Alô Defensoria: (51) 3225-0777;
- No Ministério Público, há a Promotoria Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar, no prédio do Instituto de Previdência do Estado (IPE) do RS, na Avenida Borges de Medeiros, 1.945. Telefone: (51) 3295-9782 ou 3295-9700. E-mail: promotoriadamulherpoa@mprs.mp.br;
- Também no MP, há o Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Aceita qualquer tipo de denúncia e dá orientações. E-mail: gepevid@mprs.mp.br.