O segundo dia do novo júri de Leandro Boldrini, nesta terça-feira (21), foi encerrado às 19h40min e será retomado na quarta (22), a partir das 9h. O médico, que é acusado de ser o mentor intelectual do assassinato do filho Bernardo, aos 11 anos, em 2014, não participou da sessão. Instantes antes de entrar no local, às 8h30min, Boldrini passou mal, precisou de atendimento médico e foi levado de volta ao presídio. A expectativa é de que o julgamento se encerre entre quinta (23) e sexta-feira (24).
O dia foi marcado pelo emocionante depoimento da vizinha da família, Juçara Petry, que, junto com o marido, Carlos Petry, acolhia o menino em sua casa com frequência, destinando a ele cuidados que iam desde educação até alimentação, vestimentas e sobretudo afeto. Antes dela, falaram a delegada Cristiane de Moura e Silva Braucks, que participou da investigação à época do crime, e a ex-secretária de Boldrini, Andressa Wagner, que pediu para não ter imagem e áudio divulgados, por isso, seu testemunho não foi transmitido.
Em um depoimento com pouco mais de duas horas, que encerrou a sessão desta terça, Juçara Petry foi às lágrimas diversas vezes, e em uma delas a sessão precisou ser interrompida para que a testemunha pudesse se recompor. Foi quando ela lembrou do dia em que deu dinheiro para Bernardo comer, uma das últimas vezes que recorda ter visto o menino vivo.
— Acho que era uma quarta-feira, eu estava no trabalho. Ele chegou e disse que não tinha almoçado, e isso já era de tarde. Eu não ia conseguir ir com ele aquela hora, então dei dinheiro para ele comer. Eu disse para comprar algo que alimentasse bem, não lanche. Para comprar suco e não refrigerante. Aí ele foi, comeu e voltou. Ele trouxe o troco para mim. É muito triste lembrar tudo isso — disse Juçara, levando as duas mãos ao rosto.
Juçara afirmou que, no dia anterior a esse fato, Bernardo havia almoçado com ela e sua família. A relação entre o garoto e a testemunha era tão forte que o menino tinha a chave da casa dela.
— Ele vivia na rua, então demos a chave para ele ficar lá. Quando a gente ia levar ele na casa dele, era sempre um estresse. Se íamos buscar algo, como um material escolar, não dava para entrar, às vezes, não estavam em casa. Ele nunca perdeu a chave da nossa casa, não deixava porta aberta. Era cuidadoso — relembrou.
Juçara relatou momentos que teve com o menino e declarou que nunca reclamou da presença de Bernardo. Segundo ela, o garoto era acolhido como um filho também pelo seu marido, Carlos Petry.
— Ele era um parceiro. Era um pedacinho de mim — lembrou, sorrindo.
A testemunha lembrou ainda que Bernardo, muitas vezes, não tinha lanche para levar para a escola e que, por isso, abriu uma conta na cantina, e ela acertava os valores no fim do mês. Ela contou também que o menino usava roupas e calçados velhos, e chegava em sua casa de chinelo de dedo, mesmo em dias de frio no município.
Questionada pelo Ministério Público se havia sido indagada por autoridades ou psicóloga a respeito de um possível interesse dela na guarda de Bernardo, Juçara relatou ter sido procurada "duas ou três vezes" pelo Conselho Tutelar, para explicar por que Bernardo estava sempre na casa dela e como era o tratamento que os pais dispensavam ao menino. Pela Justiça, explicou, houve alguns telefonemas no sentido de indagar sobre esse possível interesse na tutela de Bernardo:
— Eu já tinha dito, ele tem avós, ele tem tios, ele tem pai, como é que eu vou querer a guarda dessa criança? Nesse período, eu estava tratando um problema sério de saúde, meu marido também tinha acabado um tratamento pesado, como é que eu ia pedir a guarda de uma criança se eu não sabia o que eu podia esperar da minha saúde dali para a frente?
"Ela dizia que o consultório não era lugar do Bernardo", diz ex-secretária de Boldrini
No depoimento anterior ao de Juçara, a ex-secretária de Boldrini, Andressa Wagner, falou sobre a relação de Bernardo com a família e dos momentos em que viu a madrasta, Graciele, destratando o menino dentro do consultório do pai.
— Ela dizia que o consultório não era lugar dele. Tratava de forma ríspida, falava em tom mais alto — narrou Andressa.
A ex-secretária também relatou que o menino era bastante carente, que pedia colo e atenção:
— Ele sentava no meu colo, sempre me abraçava quando ia no consultório. Se via que precisava de colo, aconchego, que buscava atenção, afeto. Uma vez, ele estava meio triste porque disse que não deixavam ele brincar com a irmã (ainda bebê na época do crime). Mas não disse quem não permitia (se seria o pai ou a madrasta), só que "não deixavam".
Andressa também disse que o médico deixava receitas em branco, assinadas, apenas em casos muito específicos.
— Como o de alguns pacientes dele que precisavam de um remédio todo mês, aí ele deixava a receita assinada. Se ele não tinha tempo de preencher com o nome do medicamento, me dava a folha assinada e eu preenchia a receita. Aí o paciente só vinha buscar a receita. Mas isso era uma vez por mês, por exemplo, não era comum — destacou.
"Tinha interesse na morte do menino", diz delegada
Pela manhã, a delegada regional Cristiane de Moura e Silva Braucks, que participou da investigação na época do crime, falou por quatro horas e 30 minutos no plenário do Júri do Fórum de Três Passos. Ela elencou as razões que levaram ao indiciamento do médico — do tratamento dispensado ao menino, que andava com roupas inadequadas e pedia comida na casa das pessoas, por exemplo, à cumplicidade com a a mulher, Graciele Ugulini (condenada no primeiro julgamento como executora da morte de Bernardo), até o desprezo e falta de interesse pala criança.
— Primeiro, não tinha amor pelo filho, pelo contexto, que ele tinha uma relação muito forte de cumplicidade com a Graciele, que ela tinha dito: "Ou eu, ou ele", então, sim, o doutor Boldrini, diante de todos esses elementos, tinha interesse também na morte do menino — declarou Cristiane.
A delegada explicou como a investigação levou ao paradeiro de Bernardo. Ela contou que três hipóteses foram levantadas inicialmente: sequestro, fuga por conta própria e homicídio, sendo que a última ganhou força a partir dos primeiros depoimentos colhidos. Também disse que os relatos mostravam o "desprezo" da família pelo menino:
— O núcleo familiar era o Leandro, a Graciele (Ugulini, madrasta) e a filha. Não havia espaço para o Bernardo.
Cristiane também reforçou a tese de um possível conluio entre réus e advogados para isentar Leandro Boldrini das acusações, para financiar a defesa deles, já que o médico era o único com renda expressiva. O material foi obtido com escutas telefônicas.
"Não tem prova cabal", diz advogado de defesa
Mais cedo, respondendo a questionamentos da imprensa no intervalo do júri desta terça-feira (21), em Três Passos, Rodrigo Grecelle, um dos advogados de defesa de Leandro Boldrini, afirmou não existir nenhuma "prova cabal" do envolvimento dele no assassinato.
— Nenhuma (prova cabal do envolvimento dele). As delegadas foram categóricas em dizer isso. Não tem prova cabal. A única prova que se tentou fazer foi o receituário, a assinatura. Uma prova pericial que o Instituto Geral de Perícias (IGP) foi categórico, dizendo: "Olha, é inconclusivo, não temos como afirmar — declarou.
O julgamento
- Nesta quarta-feira (22), ainda deve ser ouvida mais uma testemunha de acusação, que seria uma psicóloga que atendeu Bernardo;
- Depois, serão ouvidas quatro testemunhas de defesa;
- A previsão é de que o réu seja ouvido na quinta-feira (23) pela manhã;
- O julgamento deve se encerrar entre quinta e sexta-feira (24).
A situação dos demais réus
- Graciele Ugulini (madrasta) — condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026;
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) — condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre;
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) — condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.