Encarregado em uma obra na zona norte da Capital, um morador de Alvorada, na Região Metropolitana, acordou atrasado na manhã da última terça-feira (21). Sem saber que ele iria trabalhar, em razão do feriado facultativo de Carnaval, a esposa havia desligado o despertador. O homem de 36 anos acredita que tudo tenha convergido para que ele interviesse no ataque a uma idosa naquela mesma manhã. Quando cruzava pela Avenida São Pedro, no bairro São Geraldo, de carro, acompanhado dos colegas de serviço, o motorista estranhou uma cena e parou.
Segundos antes, Tatiana Topala, 63 anos, havia sido interceptada por um criminoso armado com uma faca. Quando os quatro trabalhadores se aproximaram no veículo, a vítima já havia sido atingida por diversos golpes e estava caída no chão.
— Quando fui atravessar a Benjamin Constant, vi um tumulto. Achei que era briga de casal e fiquei esperando. Mas quando ele a puxou para o canto, passei o sinal vermelho porque vi que era uma coisa mais grave. Quando encostei o carro, eu falei “oh, meu, o que é isso, tá ficando louco?” — recorda o motorista de 36 anos, que prefere ter a identidade preservada.
Assim que eles desceram do veículo, o criminoso largou a vítima, que seguia caída na calçada, e chegou a mostrar a faca que carregava. Logo depois, ele fugiu correndo. Os trabalhadores decidiram se dividir, dois permaneceram ali em auxílio à vítima, e os outros ingressaram de volta no carro para iniciar uma perseguição ao assaltante.
— Não sabia o que fazer. Se socorria ela, ou se ia atrás dele. Como estava entre quatro, pedi para os guris, ficam dois aqui, chamem a Samu, a Brigada, que vamos atrás dele — narra.
O motorista conta que ficou cerca de meia hora em perseguição ao criminoso. Chegou a ingressar mais de uma vez na contramão para não perder o bandido de vista. Até que o assaltante se embrenhou numa praça e saiu de lá na sequência vestindo outra camiseta, e sem a faca.
— Ele não conseguia mais correr. Fui seguindo, não deixei mais ele me ver. Ao mesmo tempo, fomos comunicando a Brigada. Quando chegamos na Farrapos, eu vi lá adiante que ele estava caminhando. Assim que enxergamos a viatura da BM eu fiz sinal e eles abordaram — descreve.
Adriano Cristiano da Silva, 50 anos, que estava foragido da Justiça e possui condenações anteriores por assaltos e estupros, foi preso em flagrante. Na mesma praça, os policiais localizaram uma camiseta idêntica à que aparece nas imagens – a peça foi recolhida e apreendida. Já a faca usada no crime ainda não foi localizada.
Após ser acudida, Tatiana ainda agradeceu aos trabalhadores por terem lhe ajudado. A vítima foi socorrida e encaminhada ao Hospital Cristo Redentor. No entanto, acabou falecendo no início da tarde daquela terça-feira. Somente no outro dia, eles souberam que a idosa não tinha resistido aos ferimentos.
— Pensei que tínhamos salvado ela. Fiquei triste. Fiz de tudo para ajudar. Ela a gente não conseguiu (salvar), mas ele a gente pegou. Agora acredito que vai ficar preso, pelo menos — diz.
Histórico de roubos e crimes sexuais
Após ser detido, Silva admitiu ter cometido o crime, mas negou que se tratasse de um assalto ou tentativa de estupro. Narrou aos policiais militares que se tratava de um homicídio e que havia sido contratado para cometer o crime. Afirmou que um homem havia lhe entregue a faca para cometer o assassinato. Em razão disso, o caso inicialmente foi encaminhado ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
No entanto, os depoimentos iniciais coletas e as imagens de câmeras obtidas nas proximidades do local levaram a polícia a acreditar que ele tentou assaltar a vítima, e acabou fugindo sem nada em razão da aproximação dos trabalhadores. O caso está sob investigação da 4ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. Segundo o delegado Arthur Raldi, embora a apuração ainda esteja no início, os elementos reunidos até agora indicam para essa possibilidade do latrocínio.
Um dos pontos que é levado em consideração é o histórico do preso. Silva possui condenação de 67 anos e oito meses, dos quais ainda tem 39 anos a cumprir, por crimes como assalto e estupro. A maior parte desses casos ocorreu em Porto Alegre, especialmente na Zona Norte. Os crimes anteriores foram registrados em bairros como Higienópolis, Rio Branco, Montserrat, Passo D’Areia, São Geraldo, Farroupilha, Santana e Cidade Baixa.
Além de diversos casos anteriores se concentrarem na mesma região do ataque da última terça-feira, algumas das vítimas também eram mulheres, que foram interceptadas com faca.
— Ele nunca teve nenhuma ocorrência de homicídio e tem mais de uma dezena de roubos. Das mais diversas formas, crimes de roubos simples, roubos a pedestres, roubos a estabelecimento comercial, roubos a residências e, alguns desses, além da própria violência física contra a pessoa também essas acusações dão conta do cometimento do crime de estupro. E boa parte deles com uso de armas brancas, com uso de facas — afirma o delegado Raldi.
Antes de retornar para Porto Alegre, o preso estava segregado em Ijuí, onde se tornou foragido. Silva esteve recolhido anteriormente na Penitenciária Modulada de Ijuí, mas havia progredido para o regime semiaberto em janeiro. Foi liberado em 24 de janeiro para visitar familiares – segundo o Judiciário ele preenchia os requisitos exigidos pela lei, como estar no regime semiaberto, ter cumprido um quarto da pena e apresentar bom comportamento. Como não retornou ao término dos três dias da saída temporária, foi considerado foragido e teve o mandado de prisão expedido em 15 de fevereiro. Ele se encontrava nessa condição, quando foi preso na Capital.
— É bom destacar que o criminoso está preso, mas que infelizmente estava na rua no gozo das beneficies que a legislação oferece para esse tipo de criminoso, com a progressão de regime e a saída temporária. Não retornou e deu seguimento aos crimes, como ele já fez em todo seu longo histórico de acusações, que já contam com mais de uma dezena de crimes violentos, de roubos, e outros tão violentos quanto, que são os crimes sexuais — diz o delegado Raldi.
A polícia pretende ouvir ainda os familiares da vítima e também testemunhas. Quando foi interceptada pelo criminoso, a vítima estava seguindo para a rodoviária, onde pretendia embarcar num ônibus para encontrar parentes no Litoral Norte. Tatiana teve o corpo velado na Igreja Ortodoxa de São Sérgio de Radonej, no bairro Santa Maria Goretti, e sepultado no fim da manhã desta quarta-feira, no Cemitério São João, no Higienópolis.
O que diz a defesa
A Defensoria Pública do Estado informou que acompanhou o preso durante a audiência de custódia realizada no Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp) nesta quarta-feira (22), na qual foi mantida a prisão do suspeito. Segundo a instituição, Silva precisará ainda definir se seguirá assistido pela DPE ou se irá constituir advogado particular. Caso siga atuando no caso, a Defensoria pretende se manifestar somente nos autos do processo. Embora tenha admitido informalmente a autoria, em depoimento à Polícia Civil o preso optou por permanecer em silêncio sobre o caso.