Vítima do latrocínio no interior de Tio Hugo, no norte do RS, nessa terça-feira (21), Ana Kelen de Oliveira Ortiz, de 39 anos, teve seu velório realizado mais de 24 horas após sua morte. Entre o translado do corpo para o procedimento de necropsia, foram quase 200 km percorridos desde o local do crime, em Tio Hugo, até o Posto Médico-Legal de Carazinho e a entrega aos atos fúnebres, em Soledade.
Segundo o Instituto Geral de Perícias (IGP), o corpo da vítima foi liberado por volta das 14h de terça-feira (21), e apresentado pela funerária ao posto médico legal de Soledade após seu fechamento, que opera até as 21h. Assim, ela foi levada a Carazinho, onde passou por necropsia e só foi liberado para os familiares por volta das 11h de quarta-feira (22).
— Isso não tem explicação. O corpo saiu aqui de Tio Hugo era 13h, passou por três cidades a gente ficava sem saber o que estava acontecendo. É uma pouca vergonha — desabafa Daniel Ferreira Baumgadatd, neto da vítima.
O motivo da demora
Essa demora na liberação dos corpos e o deslocamento para municípios distantes é algo que têm se tornado cada vez mais comum, segundo o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Funerários do Rio Grande do Sul (Sesf-RS), Valdir Gomes Machado. Uma das explicações é a carência de médicos legistas.
— Esse é um problema que não afeta apenas a região Norte, mas todo o Estado. Já estamos há algum tempo cobrando melhorias no setor junto ao governo e pedimos prioridade nesse assunto. Tem dias que precisamos rodar mais de 80 km de uma cidade à outra para a realização dos tramites legais. Já solicitamos junto ao executivo estadual a reabertura de postos de atendimentos, fim do sistema de rodízio e mais profissionais. Pois o que vemos diariamente, são unidades sendo fechadas, falta de profissionais e famílias em luto que mal conseguem se despedir do seus entes queridos — relata o presidente com indignação.
Desde 2000, a remoção e translado dos corpos no interior do Estado é de responsabilidade das funerárias conveniadas. O serviço é gratuito, sem custo para as famílias. Em média, segundo o Sindicato são realizados quatro mil atendimentos por ano.
Na região Norte, a 4ª Coordenadoria Regional de Perícias, abrange 150 cidades, mas atua com apenas 10 peritos médico-legistas. Os municípios são atendidos por quatro postos de trabalho que atuam em situação de rodízio, onde os postos se intercalam para realizar o atendimento. As unidades ficam localizadas em Passo Fundo (seis legistas), Soledade (um legista), Carazinho (dois legistas) e Erechim (um legista). Como as cidades são distantes uma das outras, em muitos casos exige grandes deslocamentos que, somados a um quadro de funcionários enxuto, resulta na demora da liberação dos corpos para os atos fúnebres.
O que diz o IGP
Em nota, o IGP informou que desde 2017, cinco peritos já foram convocados para atender ao posto de Erechim, mas apenas um permaneceu no cargo. Atualmente, três peritos estão em formação no curso que deve encerrar em março, mas a lotação não está definida.
O caso de Tio Hugo
Neste caso em específico, segundo o sindicato das funerárias, o atraso se deu na liberação dos documentos necessários para solicitação da necropsia.
“Saindo do local, (a equipe) foi à delegacia de polícia indicada para requerer o boletim de ocorrência e o ofício de encaminhamento para necropsia, a serem obrigatoriamente apresentados no posto do Departamento Médico-Legal (DML). Tais documentos só foram disponibilizados pouco depois das 20h. Após isso, a funerária os recolheu e foi ao posto do DML de Soledade, chegando pouco depois das 21h, horário de término do plantão. Com isso, teve de retornar a Carazinho, que seria o próximo posto a operar no sistema de rodízio que fora implementado na região, para entregar o corpo”, diz a nota do Sindicato.
O delegado da Polícia Civil de Carazinho e responsável pela investigação, José Bastos, disse que não houve atraso na liberação dos documentos:
— Todos os procedimentos foram realizados dentro do tempo previsto. Por se tratar de um caso complexo, todo o trabalho de reconhecimento, isolamento do local, averiguação, investigação e perícia é feito com maior rigor possível — afirma.
O crime
Ana Kelen de Oliveira Ortiz foi morta durante latrocínio em Tio Hugo, na manhã de terça-feira (21). Cinco suspeitos entraram na casa e atiraram contra a vítima. Ela estava sozinha na residência no momento do crime. A Brigada Militar foi acionada e prendeu dois dos suspeitos ainda na residência. As buscas se intensificaram e outros dois foram capturados ainda na terça-feira (21). Na manha desta quina-feira (23) o último suspeito foi localizado e preso, após 51 horas de buscas.