Aos 17 anos, Kauã Taylon Fontana Frasan tinha uma rotina intensa. Além de ajudar o pai, Luíz Henrique Frasan, 59, no trabalho com poda de árvores e manutenção de terrenos pela região de Taquara, onde mora a família, em casa, auxiliava a mãe, Ivanir Fontana, 41, na lida doméstica, lavando roupa e cuidando dos irmãos menores, de oito e 15 anos. Os planos para o futuro incluíam cursar supletivo para finalizar o Ensino Médio e a ansiosa espera pelos 18 anos, quando poderia tirar a carteira de habilitação e ajudar o pai a dirigir o caminhão que usam no trabalho.
— Quando eu pegava algum trabalho pesado, ele me dizia: “Para, pai, vai descansar. Eu faço para ti, tu precisa se cuidar”. Ele queria que a gente descansasse, ficava nos poupando. Era muito protetor, meu braço direito — lembra Luiz.
Além do trabalho em sítios e chácaras pela região, a família mantém há 20 anos uma tenda com lanches e produtos coloniais às margens da RS-239, em Taquara, no Vale do Paranhana. Em duas décadas, o local nunca havia sido assaltado — até o fim da tarde de segunda-feira (20), quando Kauã viu os pais serem rendidos por três criminosos.
Os familiares foram levados para a casa, nos fundos do comércio, e trancados em uma sacada. Kauã conseguiu entrar na residência e, com uma espingarda do pai, disparou contra um dos criminosos e deu uma coronhada no segundo homem, que antes efetuou um disparo que acertou o tórax do adolescente. Os dois criminosos fugiram logo em seguida, abandonando o comparsa e uma mochila com dinheiro e luvas.
Como o tiro que atingiu Kauã não causou sangramento, levou alguns minutos para que Ivanir percebesse que o filho estava ferido:
— Não tinha sangue, não vi que tinha sido baleado. Depois ele me disse: “Mãe, levei um tiro, não me deixa morrer”. Eu saí dali desesperada e me ajoelhei na beira da estrada, pedindo ajuda. O pai dele foi ligar para a polícia. Eu nunca imaginei que ele fosse morrer, senão, tinha ficado do ladinho dele.
A conversa com a reportagem ocorreu na mesa em que Kauã viveu seus últimos momentos. Menos de cinco minutos antes da chegada dos criminosos, o adolescente havia entrado no quiosque ao lado da tenda, onde a mãe lavava louças. Ele sentou à mesa para comer um pão que Ivanir tinha feito. O garoto se preparava para ir até o centro jogar sinuca com amigos. Tinha tentado chamar uma corrida de aplicativo para ir até o local, mas não encontrou motoristas próximos. Pediu aos amigos que lhe buscassem a pé, com um guarda-chuva, para se proteger do mau tempo daquela segunda.
Não tinha sangue, não vi que tinha sido baleado. Depois ele me disse: 'Mãe, levei um tiro, não me deixa morrer'. Eu saí dali desesperada e me ajoelhei na beira da estrada, pedindo ajuda. O pai dele foi ligar para a polícia. Eu nunca imaginei que ele fosse morrer, senão, tinha ficado do ladinho dele.
IVANIR FONTANA
Mãe de Kauã
— Os últimos minutinhos dele foram nessa mesa, comendo um pão que eu recém tinha feito. Ele sempre era carinhoso e vivia do meu lado, na minha volta. Ele tinha recém lavado a roupa porque eu estava com dor no peito. Não sei como vai ser agora. Eu não tenho mais vida, não tenho mais chão — diz a mãe, desolada. — Morreu salvando toda a família — acrescenta.
O pai conta que foi ele quem ensinou Kauã a utilizar equipamentos como a motosserra e a fazer os trabalhos de limpeza pela região. A perda do filho traz de volta uma dor já conhecida por Luiz. Há cerca de oito anos, ele perdeu outro filho, baleado em um bar, em Rolante.
A tenda da família foi aberta nesta quarta-feira (22) para evitar que alimentos comprados para o comércio estragassem. A vontade dos pais de Kauã era outra.
— Estamos aqui hoje porque é nosso sustento. Se eu tivesse como vender tudo, ia embora. Além do que aconteceu, sabemos que eles podem voltar. É a coisa mais triste que tem. Toda vez que olho para o lado, vejo eles chegando aqui de novo, com capuz e arma na mão —diz o pai.
Reação
A ação, que começou por volta das 17h45min de segunda, foi flagrada por câmeras de segurança do local. Os três assaltantes chegam a pé à tenda, exigindo dinheiro, chaves de uma caminhonete e armas — o que levanta a suspeita da família de que os criminosos pudessem ter informações sobre os moradores do local.
Kauã, a mãe e o pai estão no quiosque ao lado da tenda. O adolescente e o pai saem correndo em direção à casa, nos fundos, e são seguidos por dois dos criminosos. O terceiro aborda a mãe e a leva para a tenda, onde obriga a mulher, que tem problema cardíaco e usa marca-passo, a entregar o dinheiro do caixa e depois amarra as mãos de Ivanir com cadarços. Passando mal, ela pede que uma ambulância seja chamada, mas é levada para a residência e fica rendida com os demais familiares na varanda. Os filhos mais novos, de oito e 15 anos, tomavam banho, após uma pescaria.
— O Kauã disse para o assaltante que tinha mais um tio dormindo dentro de casa. Aí, mandaram trazer ele também. Mas era uma desculpa dele, o objetivo era pegar a espingarda — lembra Luiz.
O Kauã disse para o assaltante que tinha mais um tio dormindo dentro de casa. Aí, mandaram trazer ele também. Mas era uma desculpa dele, o objetivo era pegar a espingarda.
LUÍZ HENRIQUE FRASAN
Pai de Kauã
O equipamento, de cano longo, permite apenas um disparo — Kauã, então, ao voltar, atira contra o homem que rendia Ivanir e, em seguida, dá uma coronhada com a arma no outro criminoso, que atira contra Kauã, atingindo o menino no tórax. Os dois criminosos deixam o comparsa ferido na casa e fogem do local a pé, logo em seguida, como é possível ver nas imagens das câmeras.
Luiz chamou a polícia, mas decidiu levar o filho ao hospital. Kauã foi levado no colo do irmão de 15 anos, que lembra:
— Ele só pedia ajuda para não deixar ele morrer.
Kauã morreu por volta das 19h30min, no Hospital Bom Jesus. O assaltante baleado foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) na casa da família e encaminhado à mesma casa de saúde, mas também não resistiu. O nome dele não divulgado.
Investigação e buscas
O caso é investigado pela Polícia Civil de Taquara, que tenta identificar os dois homens que fugiram do local. Segundo a delegada Fernanda Aranha, que responde interinamente pela DP na cidade, diligências estão sendo feitas. Até o momento, ninguém foi preso.
O comandante da Brigada Militar que atende Taquara, Capitão Patrick Zambeli, afirmou que equipes fizeram buscas na segunda-feira, mas não localizaram os criminosos:
— É um fato que entristece a comunidade, algo que lamentamos. Nossa equipe de inteligência segue atuando para identificar o paradeiro dos outros dois assaltantes.