Assassinada pelo ex-marido com pelo menos um tiro pelas costas na última sexta-feira (6), em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte, a paulista Maraline Pardim, 45 anos, é descrita por familiares e amigos como mãe, irmã e filha amorosa, alegre e dedicada, sobretudo ao filho, de nove anos.
Maraline estava de passagem pelo município gaúcho, onde moram os avós paternos da criança, e retornaria para São Paulo. Na sexta-feira, no entanto, acabou tornando-se vítima de feminicídio.
Mara, como era conhecida, era a irmã do meio de um trio de filhos. Ela foi campeã brasileira e mundial de queda de braço diversas vezes. A atleta exibia com orgulho as medalhas que conquistou em competições, contam as pessoas que a conheceram de perto. Mas o amor pelo esporte ficou em segundo plano a partir do nascimento do filho.
— Minha irmã passou tanto tempo lutando, foi campeã paulista, mundial. Mas depois do nascimento do meu sobrinho, ela parou. Ela descobriu que estava grávida de três meses voltando de um mundial. A partir daí ela foi se dedicar ao filho. Foi uma mãe nota mil. Tinha um amor entre eles, um laço de amor que sinceramente não se vê entre todas as mães e filhos — conta a irmã mais velha e professora, Maria Izabel Gottardo, que mora em Indaiatuba (SP).
Luiz Antonio Barbieri, 62 anos, matou a ex-esposa na frente filho na residência onde os três moraram juntos até 2020. Ele foi preso em flagrante logo após o crime.
A criança foi levada provisoriamente para a casa da avó paterna, em Santo Antônio da Patrulha. Um dos tios viajou às pressas para o Rio Grande do Sul e levou o menino de volta para a casa dos familiares da mãe, em Indaiatuba. O reencontro com os parentes foi no final da tarde deste sábado (7).
— Foi triste, choroso, penoso. Agora ele está brincando com os primos. Vamos ter tempo para reconstruir, vamos fazer o possível para fazê-lo feliz. Dissemos que a mãe virou uma estrelinha — diz a tia.
Medida protetiva
Mara havia se separado de Barbieri em julho de 2020, quando deixou a residência do ex-companheiro sob proteção policial e pegou um ônibus com o filho em direção a São Paulo para voltar a morar com a sua família. Na época, ela obteve medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha.
Apesar da proteção judicial que proibia Barbieri de aproximar-se da ex-mulher, ele viajou para Indaiatuba, alugou uma quitenete no município e começou a rondar a casa da mãe de Mara. Acabou sendo preso em flagrante.
— Ele ficava na rua, no ponto de ônibus. Até que um dia, na igreja, ele simplesmente se aproximou dela dizendo que queria falar com o filho e entregar um presente. Quando ela (Mara) viu que ele se aproximou, ela pediu ajuda e a polícia chegou bem rápido. Ele passou alguns dias na cadeia. Sumiu daqui por um tempo e depois voltou para a cidade, sempre na mesma quitenete, que ele mantém alugada até hoje. Ele dizia que "perdoava" ela e queria se aproximar em nome do filho — conta Maria Izabel.
Com o tempo, Mara e Barbieri se aproximaram em uma relação de amizade. O ex-marido se mostrava "bem educado e sempre solícito", conta a irmã mais velha da atleta. Em dezembro passado, Barbieri propôs levar o filho para a praia, no litoral paulista. Como o menino só aceitava ir se a mãe fosse junto, os três acabaram viajando para a praia, onde passaram cerca de cinco dias.
A partir daí, surgiu um novo convite: Barbieri se ofereceu para levar a criança para Santo Antônio da Patrulha para ver a avó, que estava com saudade do neto. Novamente, Mara precisou arrumar as malas e os três viajaram juntos, de carro, fazendo paradas no Paraná e em Santa Catarina.
Já em Santo Antônio da Patrulha, Mara telefonou para e irmã, Maria Izabel, por volta da meia-noite de quinta-feira (5), dizendo que os três partiriam de volta para São Paulo naquele mesmo dia, ao meio-dia. Mas ela permaneceu na cidade com o filho por mais uma noite.
Segundo a irmã mais velha, Mara e o menino estavam em um hotel da cidade, mas teriam ido até a casa de Barbieri na sexta-feira de manhã para recolher pertences que ficaram para trás na saída de casa às pressas, em 2020. Nesse momento, o ex-marido cometeu o assassinato.
— Ele enrolou, fez alguma coisa para que não viessem embora na quinta. Na sexta-feira, ela passou na casa para buscar objetos como fotos pessoais, arquivos de infância. Tenho certeza de que foi premeditado. Quando vejo que o crime foi pelas costas, é uma atitude tão covarde que não posso chamá-lo de homem. Tenho certeza de que foi premeditado. Se tivesse luta corporal ela seria capaz de derrubá-lo.
A irmã espera por justiça.
— Faço questão de que a justiça seja feita. Ele matou a minha irmã e destruiu o filho. A minha dor é grande, ele tirou a minha irmã. Quem é ele para tirar a minha irmã, uma pessoa tão cheia de vida, alegria, irmã, filha, profissional — revolta-se.
O velório de Mara ocorre a partir do meio-dia neste domingo (8), em Indaiatuba. O sepultamento será no Cemitério Parque dos Indaiás.
Choque e comoção
O prefeito de Santo Antônio da Patrulha, Rodrigo Massulo, conhecia Mara dos tempos em que ele era vereador e ela ainda morava no município. Massulo conta que mantinha contato com a atleta, intermediava reuniões com a gestão municipal e divulgava o trabalho da profissional como forma de incentivar o esporte.
Ele relata que recebeu uma ligação de Mara na quarta-feira, mas não conseguiu atender porque estava em um compromisso. A atleta queria agendar uma visita na prefeitura. Eles acabaram não conversando mais.
— Ela era uma pessoa muito amiga de todas, bastante conhecida na cidade, morou aqui por muito tempo. O que mais choca é o fato de pegar a vítima de costas e em frente ao filho. A comunidade está muito chocada e revoltada.
A prefeitura divulgou uma nota lamentando o feminicídio e divulgou um número da Ouvidoria da Mulher para encaminhar denúncias de violência doméstica:
"A Prefeitura Municipal vem a público manifestar sua tristeza pela trágica morte da atleta Mara Pardim, que construiu uma bela trajetória no esporte da Luta de Braço. Mara representou Santo Antônio da Patrulha em importantes competições nacionais e internacionais, foi premiada e trouxe muito orgulho para nossa cidade. Expressamos nossa solidariedade com a família e amigos de Mara, neste momento tão difícil e injusto.
Mara foi vítima de feminicídio. Este crime é uma das violências mais frequentes sofridas por mulheres no Brasil e no mundo. A Administração Municipal repudia veementemente o ocorrido e reforça seu apoio à causa dos direitos das mulheres, bem como a importância da denúncia, que pode ser feita através dos nossos meios de prevenção.
A Ouvidoria da Mulher está disponível para auxiliar a todas as cidadãs que estejam sofrendo qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica. Você pode entrar em contato com a Ouvidoria da Mulher através do WhatsApp 51 99865.8227".
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.