A violência contra a mulher no Rio Grande do Sul segue em trajetória ascendente em 2022. Ao menos 106 vítimas foram assassinadas por questões de gênero, segundo o mapa dos feminicídios, elaborado pela Polícia Civil. Em 2021, haviam sido 96 mortes. O aumento é de 10,4%. Muito mais que isso: são 10 vidas a mais que se foram e diversas outras que se modificaram em tragédias familiares.
Os dados são analisados todos os meses pela Polícia Civil gaúcha e geram um relatório anual. As informações também mostram que havia um movimento descendente de 2018 a 2020. Em 2021, voltou a aumentar os casos.
Em 2018, haviam sido investigados e confirmados 116 feminicídios. No ano seguinte, o Estado tinha registrado 97 casos. Em 2020, eram 80 o número de vidas perdidas para este tipo de violência.
A elevação dos casos a partir de 2021, chegando no ano passado à ocorrência de um feminicídio a cada 3,4 dias no Estado, revela como o cenário permanece desafiador para as autoridades, que investem em esclarecimento e prevenção:
— Nosso mapa diz que 80,2% das mulheres mortas em feminicídios não tinham nenhuma medida protetiva e metade nem sequer tinha registrado um fato anterior para que a polícia pudesse iniciar um atendimento. Por isso é tão importante que a mulher procure ajuda no início do ciclo de violência — aponta a delegada Cristiane Pires Ramos, diretora da Divisão de Proteção à Mulher da Polícia Civil.
Segundo Cristiane, a agressão pode começar com pressão psicológica, humilhação, xingamentos, privação pela dependência econômica, mas pode agravar-se até chegar a consequências irreversíveis, culminando, eventualmente, no feminicídio.
— Muitas vezes a vítima de violência precisa, não apenas ser incentivada, mas aconselhada e amparada por quem está próximo, pois em grande parte dos casos a opressão e o medo de represália ainda mais agressiva inibem uma atitude preventiva — explica a delegada.
A aposta em antecipar atos mais graves decorre do fato que o feminicídio é um tipo de crime que ocorre geralmente no ambiente privado. Para se ter uma percepção, bastam alguns números: em 92,4% dos casos, o autor é o atual companheiro ou tornou-se ex-companheiro da vítima e 72,6% dos feminicídios acontecem na residência da mulher.
Conforme a diretora da Divisão de Proteção à Mulher, diante da denúncia que acontece em tempo, a polícia entra em ação e tem mais possibilidade de interromper o ciclo de violência.
— Familiar, colega de trabalho, empregador. Todos podem contribuir com aquela pessoa que está fragilizada. Depois da denúncia, mulheres são resgatadas. Algumas só voltam para casa para pegar os filhos e os objetos pessoais. Há situações em que a polícia já leva o mandado de prisão para o agressor. Mas isso somente acontece quando a polícia é acionada — indica.
Procure ajuda
As vítimas ou aqueles que presenciam algum tipo de violência contra a mulher podem denunciar pelo Disque 180, pelo WhatsApp da Polícia Civil (51) 98444-0606 ou por meio da Delegacia Online da Mulher. A Polícia Civil do RS tem 86 unidades especializadas no atendimento.
Projeto em andamento, o monitoramento eletrônico de agressores por tornozeleira também será ferramenta de combate quando entrar em prática nos próximos meses.
A Atitude preventiva continua sendo a principal recomendação. Somente na unidade localizada no Palácio da Polícia, em Porto Alegre, chegam quase 1 mil registros por mês. Em 2022 foram 21.594 boletins de ocorrência que geraram inquéritos sobre o crime.
Há, atualmente, 28.462 medidas protetivas, solicitadas pela Polícia Civil e autorizadas pela Justiça, em vigor no Rio Grande do Sul. Em 2022, também foram registrados 154 casos de homicídios de mulheres. Homicídio é o ato de matar uma pessoa, independentemente de seu gênero; já o feminicídio é cometido exclusivamente pelo fato de a vítima ser mulher.
Outro aspecto abordado na análise é a comparação entre ocorrências de feminicídio e homicídio de mulheres. Ao passo que os crimes de gênero tiveram queda e retomada de curva ascendente, os homicídios vêm despencando nos últimos anos. Foram 316 em 2018; 257 em 2019; 233 e 236, em 2020 e 2021, respectivamente; chegando a 154 no ano passado. A polícia trabalha em estratégias para que práticas exitosas na redução de homicídios também contribuam para o enfrentamento dos feminicídios.
Crime contra mulheres deixa órfãos
Apesar de frios, os números traduzem a profundidade da tragédia humana ocasionada pelos casos de feminicídio no Rio Grande do Sul. Das 106 mulheres assassinadas em 2022, 89 eram mães. Em decorrência de 43 destes crimes consumados, 95 crianças e adolescentes deparam-se com a condição do pai ser o assassino da mãe.
Entre as vítimas de feminicídio do ano passado, três eram gestantes. Entre menores e adultos, 219 pessoas perderam suas mães para uma violência difícil de entender, já que o autor dos atos ainda faz ou um dia fez parte da família. A orfandade atingiu 35 crianças e adolescentes de pai que se matou após cometer feminicídio.
Ano de 2023 começa violento para mulheres
A primeira semana de 2023 exibiu, em pelo menos quatro casos de barbárie, indicativos preocupantes sobre a escalada de violência contra a mulher no Rio Grande do Sul. Naiara Ketlin Pereira Maricá, 18 anos, foi assassinada em Caxias do Sul, na Serra, com golpes de faca ou tesoura, depois de ter sido estuprada. O suspeito da autoria, de 26 anos, está preso.
No dia seguinte, Valéria Fischborn, 28 anos, foi morta a tiros dentro de casa, na zona rural do município de Passa Sete, no Vale do Rio Pardo. Conforme a polícia, ela foi atingida por seis disparos após uma discussão com o companheiro.
No dia 6, foram registrados dois crimes. Maraline Pardim, 45 anos, foi baleada pelo ex-companheiro em Santo Antônio da Patrulha. Ela esteve com o filho do casal em visita à avó paterna e antes de partir foi atacada e morta.
Na madrugada desse dia, Juliana Denise Ferreira, 39 anos, foi assassinada a golpes de machadinha, em Caxias do Sul. O assassino enforcou-se após cometer o crime.