Chegou ao fim na segunda-feira (16) a investigação do atropelamento que causou a morte de um idoso no dia 3 de janeiro, na Avenida Tronco, na zona sul de Porto Alegre. Segundo a polícia, a vítima foi atingida por dois carros que participavam de uma corrida de rua — o chamado racha. Inicialmente, a investigação trabalhava com a hipótese de o caso ser tratado como homicídio. Após anunciar a prisão do segundo suspeito, na segunda, o delegado Cesar Carrion revelou que os dois motoristas foram indiciados por crime de trânsito.
Ao detalhar a investigação, Carrion afirmou que os suspeitos, ambos com 22 anos, foram “irresponsáveis” e cometeram um crime que “chocou a sociedade gaúcha”. Contudo, o delegado avalia que os envolvidos no racha não assumiram o risco de matar ao praticarem a corrida na Avenida Tronco.
Por esta razão, o delegado optou por não indiciar os jovens por “homicídio”, mas sim pela prática criminosa de racha. O Código Brasileiro de Trânsito descreve tal conduta como “participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística (...) não autorizada”, com agravante da pena caso os motoristas provoquem alguma morte.
— Entendemos que eles não tinham a intenção de matar. Por isso o enquadramento no artigo 308 (do Código de Trânsito Brasileiro). Entendemos isso depois da análise de provas. Que não tinham a intenção de atropelar e matar. É coisa de meninada. É coisa de menino. É irresponsabilidade — disse Carrion, em entrevista coletiva no Palácio da Polícia.
É de 2017 a atual tipificação do crime de racha, no Código de Trânsito Brasileiro. Quando resultar em morte, a pena prevista é de cinco a 10 anos de reclusão. De acordo com o delegado, o formato abarca com perfeição o caso registrado na Avenida Tronco.
— No caso, é lógico que esses meninos não queriam matar ninguém. Estava fazendo uma disputa de racha. Foi um azarão, uma desgraceira. E por isso nosso enquadramento. Claro que homicídio houve, morte houve, mas este dispositivo novo, de 2017, coloca perfeitamente o fato, ou seja: pessoas disputando racha, sem querer o resultado morte, mas havendo morte — detalhou Carrion.
Para além da própria investigação do caso, há uma avaliação do delegado de que, caso houvesse o indiciamento da dupla por homicídio, os dois poderiam acabar inocentados. Isso porque o chamado homicídio com dolo eventual (quando o autor do crime não tem a intenção, mas assume o risco de matar) é envolto de controvérsia jurídica.
— Antigamente não existia este dispositivo do artigo 308 (do Código de Trânsito Brasileiro), o racha. Como se fazia? Muitas vezes a Polícia Civil enquadrava em homicídio doloso por dolo eventual, ou seja, quando assumiu o risco de produzir o resultado (a morte). Só que a gente notava que a maioria (dos acusados) não era condenada. A defesa continua a derrubar a tese — acrescentou Carrion.
Na coletiva, o chefe de polícia, Fábio Motta Lopes, endossou a decisão do delegado e valorizou a elucidação rápida do caso. O chefe de polícia também lembrou que o Ministério Público, ao analisar o caso, poderá denunciar os dois motoristas por homicídio.
— Se ao receber agora o procedimento policial, o Ministério Público entender que pode ter sido homicídio com dolo eventual, nada impede que haja denúncia nesse sentido. Isso é só uma questão de entendimento. E eu repito, não me parece que a decisão (do delegado do caso) seja distorcida daquilo que as demais instituições já entenderam — afirmou Motta Lopes.
Veja o que diz o Código de Trânsito Brasileiro sobre o crime de racha:
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: (Redação dada pela Lei nº 13.546, de 2017)
Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014)
§ 1º Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)
§ 2º Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)