Fernando Luis do Val Junior, 40 anos, foi preso no domingo (15) em um restaurante na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Três policiais gaúchos, que usavam camisetas do Botafogo e do Flamengo, prenderam o suspeito de ser o principal fornecedor de cocaína por via área para o Rio Grande do Sul.
O investigado por tráfico estava nos Estados Unidos desde abril de 2022. Ele fugiu do Brasil após ser alvo da maior operação da história da polícia gaúcha. Quando o nome passou a fazer parte do alerta vermelho da Interpol como o foragido mais procurado do Estado, o suspeito tentou escapar do país pelo aeroporto de Orlando, mas não conseguiu. Depois, usou uma lancha para viajar pelo mar do Caribe por 18 dias (entenda no mapa abaixo). Fez ainda parte do trajeto de carro e de van, até chegar ao Rio.
Após uma semana levando uma vida luxuosa, segundo a investigação, Val Junior foi detido por agentes da 3ª Delegacia do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc) no Rio.
Tentativa frustrada pelo aeroporto de Orlando
Assim que seu nome aparece na lista de foragido da Interpol, Val Junior teria ficado preocupado em ser preso nos Estados Unidos. O delegado Gabriel Borges, que comanda a investigação, destaca que o suspeito tinha receio de ficar detido por lá:
— Ele chegou a dizer que seria "complicado" para ele e por isso tratou de fugir o mais rápido possível, principalmente porque já suspeitava de que estavam atrás dele.
O delegado destaca que o suspeito de tráfico internacional de drogas tentou embarcar em um avião no aeroporto de Orlando usando documentos falsos. Mas, ao perceber, que a polícia norte-americana estava em peso no local, ele desconfiou e saiu, deixando até mesmo as malas.
Borges conta que a suspeita do foragido estava certa. Havia, sim, agentes atrás dele no aeroporto. No dia seguinte, ele ainda voltou ao local para buscar as malas.
Fuga pelo mar
O delegado ressalta que, quando Val Junior percebeu que não conseguiria escapar pelo aeroporto, resolveu fugir pelo mar do Caribe até a América do Sul. Segundo investigação, ele se associou a mais três homens para alugar uma lancha, percorrendo 5 mil milhas náuticas, o que corresponde a cerca de 9,2 mil quilômetros.
Conforme depoimento do próprio preso, eles levaram 18 dias nesta viagem, parando primeiro nas Bahamas para abastecer, depois no Haiti e na República Dominicana, onde foram obrigados a atracar para consertar a embarcação. Depois, já chegando na costa da Guiana, na América do Sul, Val Junior teria percebido que iriam ser abordados pela polícia marítima local.
De acordo com Borges, ele resolveu deixar a lancha para não ser pego e usou um bote. Ele parou no litoral da Guiana, de onde seguiu, de carro, até a Venezuela.
Por terra
De acordo com o depoimento que consta em inquérito do Denarc, o foragido manteve contato com pessoas que enviavam imigrantes ilegais para o Brasil. Dessa forma, em uma van, percorreu estradas da Venezuela e do interior brasileiro durante 10 dias. O destino final do criminoso e dos imigrantes foi Campinas, no interior de São Paulo.
No mesmo dia em que chegou em Campinas, seguiu para o Rio, onde sua família o esperava em um apartamento de luxo. O suspeito ficou apenas uma semana na cidade, tempo suficiente para que pudesse ser rastreado e preso pelos investigadores.
Borges disse que sua equipe agiu sozinha, tendo avisado a Polícia Federal no Rio para eventual apoio, mas sem dar mais detalhes. O objetivo era evitar que muitas pessoas soubessem da ação dos agentes do Denarc.
Val Junior, após todos os trâmites legais ainda no domingo, foi conduzido na segunda-feira (16) para Porto Alegre em um avião da própria polícia.
Ações em Orlando
Em Orlando, na Flórida, Val Junior teria montado, segundo o Denarc, um esquema para encaminhar cocaína ao Rio Grande do Sul por rotas e pistas clandestinas envolvendo cidades como São Borja, Eldorado do Sul, Erechim, Osório. Conforme a polícia, drogas foram encaminhadas até para prisões gaúchas. Ele sempre alternava as rotas e os aeroportos para despistar a polícia.
— Ele praticamente dominou a rota área do tráfico de drogas de países como Bolívia e Peru para o Rio Grande do Sul — ressalta o delegado.
O investigado por tráfico, que era piloto de avião e teve, em nome dele, pelo menos quatro aeronaves, mascarava todas as ações ilícitas ao se identificar como um empresário do ramo de aluguel de veículos. A polícia diz que ele montou uma empresa deste ramo em Orlando com um norte-americano como sócio. Na Flórida, a polícia diz que ele também tinha uma vida de luxo. Ele morava em uma casa avaliada em US$ 354 mil.
Operação Kraken
Segundo o delegado, o investigado começou no mundo do crime há pouco mais de uma década, praticando estelionatos e se aproximando de líderes de facções. Pelo seu conhecimento e articulação, a polícia aponta que ele tornou-se um dos líderes de uma organização criminosa no Estado. Conforme vários inquéritos, Val Junior teria praticado vários crimes patrimoniais e atuou na lavagem de dinheiro por meio da utilização de pedras preciosas.
Em 2021, o investigado foi alvo de outra operação do Denarc. Na ocasião, ele foi preso por operar aeronaves responsáveis por transportar cocaína ao Rio Grande do Sul. Inclusive, houve o sequestro judicial de uma dessas aeronaves.
Em abril de 2022, o suspeito foi um dos principais alvos da Operação Kraken, quando mais de 1,3 mil agentes cumpriram 1.368 ordens judiciais contra a maior facção gaúcha em 34 cidades do Rio Grande do Sul e em outras quatro em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. O objetivo da ação foi sequestrar judicialmente R$ 50 milhões em bens como veículos e imóveis e ainda bloquear contas bancárias e ativos financeiros.
Nessa investigação, Borges, que estava na 1ª Delegacia de Sapucaia do Sul, apurou que Val Junior coordenava o esquema logístico de distribuição de cocaína via aérea, além de ser o principal suspeito de transportar e traficar armas de fogo de guerra, como metralhadoras .50, que têm capacidade para derrubar aeronaves.
Em razão desse inquérito, houve o sequestro judicial de 38 imóveis, 115 veículos, e duas aeronaves utilizadas pelo alvo no transporte de drogas. Em maio do ano passado, mais de 180 pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil, todas elas foram alvo da Operação Kraken, incluindo Val Junior.
Contraponto
O que diz a defesa de Fernando Luis do Val Junior
O advogado Jeverson Valter Leonel Barcellos enviou nota a GZH:
"O Fernando não tem condenação, está respondendo três ações penais. Sua ida para os Estados Unidos ocorreu quando estava em liberdade provisória, foi para regularizar documentação de uma empresa que possuía. Diante da reversão da medida liminar no habeas corpus, ficou trabalhando com locação de veículos naquele país. Estava defendendo-se nos processos. Porém, após cisão processual determinada pela 1ª Vara Criminal de São Leopoldo, bem como, por ter família constituída na capital e uma filha de 5 anos de idade, retornou para poder participar presencialmente da audiência aprazada para 13/03/23 em São Leopoldo".