Uma nova operação da Polícia Civil, nesta quinta-feira (16), combate o tráfico de drogas no Rio Grande do Sul. Desta vez, o Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc) descobriu que uma organização criminosa gaúcha, ligada a outra — que se originou em presídios paulistas —, usava aviões de pequeno porte para trazer cerca de 200 quilos de cocaína do Paraguai uma vez por semana.
Os entorpecentes eram carregados em uma fazenda na fronteira com o Paraguai, no Paraná, e encaminhados em voos clandestinos para pistas não cadastradas ou para aeródromos, o que ocorreu em pelo menos dois locais no Estado: Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, e Estrela, no Vale do Taquari. O grupo usava laranjas para cadastrar aeronaves em supostas atividades lícitas e, com isso, descarregar a cocaína em solo gaúcho.
Na quarta-feira (15), a polícia confirmou a movimentação de dois suspeitos e efetuou a prisão deles, que estavam em um avião em Novo Hamburgo. A dupla havia chegado recentemente da fronteira, em um voo, e estava com US$ 4 mil.
Nesta manhã, cerca de 40 agentes cumpriram 10 mandados judiciais de busca e seis de prisão preventiva em Porto Alegre, Gravataí, São Leopoldo e Capão da Canoa — em condomínio de luxo —, e em Araras e Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Até as 7h20min, todas as seis pessoas que tinham mandado de prisão decretado já haviam sido presas, incluindo um piloto em São Paulo.
Entregas semanais
De acordo com o delegado Fernando Siqueira, titular da 4ª Delegacia do Denarc, a investigação começou em maio, após a descoberta de 46 quilos de drogas que estavam com integrantes do esquema. Parte dos entorpecentes estava em um depósito em São Leopoldo, e outra em um carro que ia em direção à serra gaúcha.
Na ocasião, dois criminosos foram presos. Um inquérito foi instaurado, resultando na descoberta de várias provas sobre a utilização de aeronaves para o tráfico de cocaína.
Houve monitoramento e descobriu-se que as entregas eram semanais, sempre pela mesma rota, ou seja, vindo de uma fazenda no Paraguai, na fronteira com o Paraná, para chegar ao RS por Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, uma vez a cada sete dias, totalizando uma tonelada transportada por mês. Com isso, segundo a polícia, o grupo movimentava mensalmente R$ 30 milhões. O objetivo deles sempre foi realizar o menor percurso possível dentro do Estado.
— Eles voam baixo, a poucos metros do solo, para tentar despistar radares, já que os voos são clandestinos, levando dinheiro para fora do país e trazendo a droga. Eles ainda enganam aeródromos no Estado, mas são afastados dos locais quando descobertos — explica Siqueira.
Atualmente, o delegado destaca que a facção estava usando o aeródromo de Estrela, mas já havia utilizado o de Eldorado do Sul, assim como outros locais do tipo em Viamão e Osório, além de várias pistas não cadastradas. Conforme Siqueira, o grupo já foi expulso de alguns hangares depois de ser descoberto — não necessariamente pelo tráfico em si, mas o uso de pessoas que sequer tinham ligação com empresas aéreas. Inicialmente, eles se cadastravam nos aeródromos como firmas colocadas em nome de laranjas para realizar os pousos das aeronaves, como se fosse uma atividade lícita.
Avião em nome laranja
Um dos aviões, que a polícia obteve ordem judicial de apreensão em São Paulo, foi transferido para Bragança Paulista em nome de uma empresa de voo da cidade. No entanto, o veículo já esteve em nome de uma laranja da facção gaúcha. O avião foi apreendido judicialmente nesta manhã pelos policias gaúchos na cidade paulista.
Segundo Siqueira, a aeronave esteve em nome de uma mulher de Alvorada que não tem sequer Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para carro e, muito menos, documento para pilotar um avião. Ela tem uma renda incompatível com o bimotor, avaliado em R$ 300 mil.
O diretor de Investigações do Denarc, delegado Carlos Wendt, destaca que toda a apuração tem como base a rota dentro do RS, assim como as drogas que eram revendidas internamente pelos traficantes gaúchos.
— Todavia, diante da possibilidade do envolvimento dos investigados com narcotraficantes de outros países, será enviada cópia dos autos para a Polícia Federal, para que seja aprofunda as investigações em relação a eventual ocorrência de tráfico internacional de drogas — explica.
GZH apurou o fato de que alguns aviões usados eram roubados, por isso, o Denarc busca contatos com a polícia de outras cidades onde houve ocorrências deste tipo em busca de algum indício. Por exemplo, houve o furto de duas aeronaves no Mato Grosso, bem como uma tentativa que ocorreu em Estrela, neste ano. Além disso, a remessa de cocaína por estes criminosos ao RS pode ter também ligação com um avião — com registro brasileiro — que fez pouso de emergência em março deste ano em uma rodovia na localidade de San Cristóbal, no Paraguai. O piloto fugiu.
Avião batedor
Siqueira e Wendt ressaltam que o grupo investigado, todos detidos com a operação deflagrada entre quarta-feira e esta quinta-feira, é composto por dois responsáveis pelos voos, integrantes da facção, mas também por dois operadores e dois pilotos. Estes dois últimos receberiam R$ 85 mil por voo, sendo que um deles agora também está atuando para empresa aérea de São Paulo e, por fora, realizava o trabalho para os traficantes. O outro era um antigo piloto do grupo e hoje atua como mecânico das aeronaves.
— Para entregar droga no Estado, eles se comunicam por rádio e, em terra, cúmplices auxiliam na logística e em coordenadas, mas também utilizam aviões batedores para fazer a rota entre a fronteira e o aeródromo antes da aeronave com as drogas. Depois desse voo inicial, a aeronave faz monitoramento a distância do avião com a cocaína — explica Siqueira.
- Em áudio, traficantes falam que, se forem presos, irão para presídio federal por ser tráfico internacional:
A polícia tem indícios de que o grupo já usou quatro aviões, além de ter adquirido mais um recentemente e que estava com uma dupla presa em Novo Hamburgo. As aeronaves, tanto bimotores, quanto monomotores, eram todas utilizadas nesta rota aérea de tráfico internacional. Os suspeitos investigados têm ligação com dois líderes da facção gaúcha que tem base no Vale do Sinos. Um está atualmente em presídio estadual, mas já esteve em penitenciária federal, fora do Estado, onde está atualmente o outro líder da organização.
O Denarc apura ainda indícios de que parte dos valores obtidos é encaminhada para a facção paulista. O diretor do departamento, delegado Vladimir Urach, informa que está sendo investigada a remessa de parte da cocaína para a Europa, por intermédio de cargas clandestinas em meio a algum tipo de produto, em navios que embarcam no porto de Rio Grande. Como a investigação continua, a Polícia Civil não revelou nomes de investigados.
A Operação Golfe, como é chamada, recebeu este nome porque a cocaína transportada tem essa marca como uma espécie de "selo de qualidade" entre os traficantes.