Um episódio de vazamento de imagens íntimas dentro das dependências da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP), cometido em 2019, teve desfecho na esfera cível neste ano, com a condenação do Estado e de uma empresa terceirizada de informática que prestava serviços ao governo do RS.
A juíza Andreia Terre do Amaral, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, condenou os réus ao pagamento de R$ 8 mil por danos morais a uma estagiária que teve seu computador de trabalho invadido por dois funcionários que divulgaram conteúdo privado da jovem na internet.
GZH teve acesso a uma sindicância instaurada no setor onde a vítima, na época com 22 anos, exercia atividades administrativas – a Divisão de Tecnologia, Informação e Comunicação da SSP, justamente a sessão responsável pela segurança de dados da pasta.
Pelo menos dois colegas invadiram o computador que ela usava, entraram no e-mail onde guardava arquivos pessoais e enviaram imagens íntimas, via aplicativo de mensagens, para outros funcionários. Os dois eram ligados a uma empresa terceirizada que prestava serviços de informática ao Estado e foram demitidos por justa causa.
À época dos fatos, a jovem percebeu que havia algo acontecendo quando chegou para trabalhar e notou que seus colegas, servidores públicos da SSP e integrantes da equipe de informática, incluindo trabalhadores da terceirizada, estavam com comportamento estranho em relação a ela, com olhares, risadas e comentários que chamaram sua atenção.
Ela então foi informada por um funcionário de que outros dois teriam, por intermédio dos computadores da SSP a que tinham acesso, invadido o e-mail pessoal dela, encontrado fotos íntimas, salvado e disseminado entre todos os demais colegas. A então estagiária, hoje com 25 anos, ingressou com uma ação cível contra o Estado e contra a empresa terceirizada de informática, cuja sentença foi proferida em maio deste ano.
"Não há dúvidas a respeito da divulgação das imagens íntimas da autora pelos ex-empregados da corré, que também atuavam como agentes do Estado do Rio Grande do Sul, pois a empresa prestava serviços à Secretaria de Segurança Pública, a emergir daí o pressuposto do dever de indenizar, independentemente do agir culposo do Estado e da empregadora", decidiu a magistrada.
Na esfera criminal, os mesmos dois colegas da jovem foram indiciados pela Polícia Civil pelo crime de invasão de dispositivo informático, cuja pena varia de três meses a um ano de prisão. GZH apura o andamento do processo nesse âmbito.
— Esse caso é peculiar por ocorrer onde ocorreu, dentro da Secretaria de Segurança, um órgão que deveria ter uma responsabilidade máxima, inclusive no sentido de prevenção. Houve uma ausência de proteção à vítima. O cunho desse processo vem com um caráter pedagógico e punitivo. Pedagógico para evitar a reiteração dessa conduta. Isso afetou a moral da moça, afetou a autoestima, a moça se sentiu humilhada, começou a sofrer olhares diferentes, porque vazou essa imagem dela. E punitivo também para evitar que isso aconteça — destaca o advogado da vítima, Newton Jancowski Neto.
O advogado e especialista em Direito Digital Juliano Madalena sustenta que é preciso maior atenção quanto à liberação de acessos informáticos em órgãos públicos.
— O controle de acesso inadequado disponível para terceiros é uma das principais causas de vazamento ou exposição de dados. Deveria haver um acesso limitado e restrito para ações as quais essas pessoas foram contratadas — defende Madalena.
Em nota enviada a GZH, a Secretaria da Segurança Pública afirma que "tomou todas as medidas necessárias à época dos fatos, inclusive demissão por justa causa dos envolvidos, instauração de sindicância e colaboração integral com a apuração criminal". A pasta diz ainda que "não comenta decisão judicial da esfera cível, cuja atuação no âmbito do Executivo cabe à Procuradoria-Geral do Estado".