Além do comércio, da educação, das relações de trabalho, também o tráfico de drogas sofreu mudanças durante a pandemia: cresceu o uso, pelas organizações criminosas, de redes sociais e aplicativos de mensagem para negociação de narcóticos, que são distribuídos por meio de esquemas de telentrega. Várias operações policiais foram deflagradas no Rio Grande do Sul e outras investigações seguem em andamento.
Um das quadrilhas que utiliza este método, investigada desde outubro do ano passado, é considerada pela Polícia Civil como responsável por um dos maiores e mais rentáveis esquemas de venda de drogas sintéticas da Região Metropolitana. Nesta quinta-feira (24), 18 integrantes do grupo foram presos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, entre eles, uma gerente de um banco e até um jogador de futebol amador.
A investigação encontrou listas — incluindo um caderno de anotações apreendido na zona leste da Capital — com nomes de mais de 5 mil clientes. Em muitos casos, com contatos, localidades e quantidade de drogas encomendadas. Os criminosos anunciavam ecstasy e o princípio ativo deste — MDMA —, além de LSD e maconha nas redes sociais e em grupos de WhatsApp para depois enviar motoboys às casas dos consumidores.
Durante a operação, foram apreendidos entorpecentes, munição e armas. Uma espingarda calibre 22 com luneta chamou a atenção dos policiais por ser cor-de-rosa (leia mais e veja fotos abaixo). O grupo criminoso, que teria lavado mais de R$ 1 milhão em apenas sete meses deste ano, comprava imóveis na planta para revender e também carros de alto valor para encaminhar ao Paraguai. Um dos líderes da quadrilha possuía uma residência simples por fora e luxuosa por dentro, inclusive com um enorme aquário envolto por mármore.
Clientes e tabelas
De acordo com o titular da 2ª Delegacia do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Wagner Dalcin, os suspeitos, integrantes de uma facção com base na zona leste de Porto Alegre, tinham mais de 5 mil clientes fixos, segundo as listas apreendidas. Os supostos compradores são de classes média e alta. Muitos deles universitários e professores do Ensino Superior.
Há muitos clientes, ainda conforme os cadernos de anotações e telefones apreendidos, que são profissionais da Saúde. Dalcin ressalta que, deste setor em específico, muitos têm ligação com o setor de psiquiatria. O delegado esclarece que os compradores não serão investigados, mas pondera que o tráfico só existe em razão dos consumidores.
— Um problema presente na vida dos jovens, maioria de classe média-alta que vão em festas. Os pais pensam que eles estão se divertindo, mas estão consumindo entorpecentes que podem matar. Essas drogas sintéticas são fabricadas por químicos caseiros com cursinhos pela internet. Um erro na dosagem ou uma droga com maior risco, pode ser fatal. E o poder aquisitivo deste grupo criminoso mostra que não tem um traficante de esquina, tem bancários, jogador e até o filho de um empresário — comenta.
Dalcin ainda diz que o grupo era muito organizado. Foram apreendidas duas tabelas com valores e unidades de diferentes tipos de drogas sintéticas e de maconha. Pelas redes sociais e pelo WhatsApp, estas tabelas eram enviadas junto com imagens de plantações no Uruguai e da fabricação de entorpecentes, bem como de drogas já embaladas. Uma das mensagens no celular de um dos criminosos está sendo usada como prova do esquema de telentrega.
Gerente de banco
A investigação indica que a organização da quadrilha não se limita à forma de contatar e atender os clientes, mas também pela divisão de tarefas e investimentos. Entre os 18 detidos nesta quinta-feira está uma gerente de uma agência bancária. Ela é companheira de um suspeito de tráfico e participava do esquema, segundo a polícia, recebendo e transferindo dinheiro a partir da própria conta, mas também por meio das contas de 27 laranjas. O delegado Wagner Dalcin, do Denarc, também diz que a suspeita facilitava o pagamento em dinheiro para os criminosos nos caixas eletrônicos da agência em que atuava.
Houve prisões no Estado e em Santa Catarina. Os mandados foram cumpridos em Porto Alegre, Viamão, Canoas, São Leopoldo e Cachoeira do Sul. Os três municípios catarinenses onde também houve ação policial são Florianópolis, Palhoça e Passo de Torres. Havia três apenados que auxiliavam na organização da telentrega na questão de anúncios pela internet e também para manter contatos com clientes.
Outro que era um dos 23 alvos de prisão e que foi detido é um jogador de futebol. Ele foi contratado por um time gaúcho para jogar campeonatos amadores em 2023. O filho de um empresário do ramo alimentício, que ainda não foi localizado, está entre os suspeitos de integrar a quadrilha. O delegado diz que ainda apura o papel de cada um no esquema.
O homem apontado como líder do grupo, que segue sendo procurado, comandava a compra e venda de entorpecentes, bem como a lavagem de dinheiro. Ele comprava as drogas sintéticas de Santa Catarina e encomendava direto com plantadores do Uruguai a chamada "flor" ou "camarão" da maconha. Esta parte da planta, segundo a polícia, tem alto valor de mercado e é mais alucinógena. O suspeito ainda comandava uma rede terceirizada de motoboys, que serão investigados posteriormente.
Imóveis na planta
Para lavar o dinheiro obtido com a telentrega de drogas, o suposto líder do esquema fazia investimentos. Ele adquiriu três imóveis, dois ainda na planta, em Porto Alegre. O objetivo era vender ou alugar os bens após o término das obras e lucrar. Um dos locais onde houve cumprimento de mandados nesta quinta-feira é um condomínio de casas, no bairro Bom Jesus, zona leste, que a polícia apura se era alugado por outro integrante da quadrilha.
O suspeito de comandar o grupo ainda adquiriu pelo menos uma empresa de fachada na Região Metropolitana. A polícia investiga outras 10 que podem ter relação com a operação para lavar dinheiro. Conforme a apuração, o criminoso misturava dinheiro do tráfico no caixa das empresas para lavar os recursos.
Além dos imóveis e empresas, motos aquáticas e carros de luxo, a maioria de linha esportiva e alguns deles blindados, eram comprados pelos traficantes. Só o líder do grupo trocou três vezes de automóvel este ano. Dalcin ainda investiga um esquema de revenda de carros pela organização no Paraguai. Cinco veículos, alguns de luxo, foram apreendidos na operação desta quinta.
Aquário de mármore e arma cor-de-rosa
O Denarc identificou duas situações curiosas na operação policial desta quinta-feira. Segundo o delegado Wagner Dalcin, em um dos casos, também no condomínio no bairro Bom Jesus onde foram cumpridos mandados, foi localizado um aquário revestido em mármore. Ele tem mais de dois metros quadrados e fica embaixo de uma escada. A residência em que ele foi instalado pertenceria a um dos líderes da quadrilha. Foi neste local que foram encontradas as anotações com mais de 5 mil clientes dos traficantes.
No mesmo condomínio, mas em outra casa, uma mulher foi presa. O delegado Dalcin diz que ela ajudava na venda de drogas e era responsável por guardar armas da quadrilha. Alguns armamentos e munição foram apreendidos no fundo falso de um móvel dentro da residência. O que chamou atenção dos policiais foi uma espingarda calibre 22 com luneta. Ela seria de uso pessoal da traficante, que mandou fazer um revestimento cor-de-rosa para a arma.
Operação The Office
Cerca de cem agentes cumpriram nesta quinta-feira 23 mandados de busca e outros 23 de prisão. Houve ainda o cumprimento de dez ordens judiciais de apreensão de imóveis e veículos. Também foram bloqueadas 27 contas bancárias.
Os nomes dos presos não foram divulgados pelo Denarc. Os delitos apurados são associação criminosa, tráfico de drogas e lavagem de capitais. O trabalho de investigação segue, com objetivo de identificar fornecedores das drogas e responsáveis pela lavagem de dinheiro.